Resumo
A réplica do templo de Salomão, inaugurado pela Igreja Universal em 2014 em São Paulo, recebe caravanas turísticas de diversas localidades do mundo. Uma das estratégias de visibilidade adotadas pela igreja foi a inserção do templo na plataforma virtual de avaliação turística TripAdvisor. Nas mídias digitais, a instituição divulga depoimentos de pessoas pertencentes a religiões diversas e incentiva a avaliação do atrativo em plataformas virtuais. Esse incentivo gerou um engajamento de visitantes que através de seus depoimentos impulsionou o Templo de Salomão na plataforma, conferindo-o uma posição de destaque nos rankings de atrativos a serem visitados na cidade de São Paulo. Este artigo propõe questões sobre as redes de relações que envolvem humanos e não-humanos no ambiente das redes sociais, abrangendo um público diverso e extrapolando as fronteiras do discurso religioso e turístico.
1.Introdução
“O Templo de Salomão é uma Casa de Oração para todos os povos, independente da raça ou credo”.
São com essas palavras que um interessado em visitar o Templo de Salomão, inaugurado em 2014 no bairro do Brás em São Paulo, irá se deparar no website oficial1 do local. O templo, sede da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), fica aberto todos os dias com horários de reuniões das 6hrs às 20hrs. Possui uma área externa onde é possível um passeio pelo “Jardim bíblico”, através do qual os “visitantes viajam no tempo ao conhecer a réplica fiel do Tabernáculo de Moisés, ao adentrar no Memorial dos Templos de Jerusalém e ao caminhar pelo Jardim das Oliveiras Centenárias”2.
Nos meios de comunicação da IURD, notícias diárias são publicadas sobre caravanas vindas de todo o Brasil e do exterior – compostas por jovens, empresários e pastores (membros da igreja em outros países) – para conhecer o Templo. Segundo dados da própria Igreja Universal, mais de 2 milhões de visitantes3 passaram pelo templo em menos de um ano após a sua inauguração. Uma dessas caravanas, denominada “Del Coreto ao Templo” (Do Coreto ao Templo), trouxe 40 jovens colombianos ao Brasil para conhecer os lugares que “marcaram a trajetória da Universal”4, tendo como destino final a sede no Brás.
Depoimentos de membros de outras denominações evangélicas e de religiões diversas que visitaram o local são recolhidos e ganham grande destaque no conteúdo das redes sociais da igreja – compartilhados por diversos seguidores da página oficial do Templo de Salomão no Facebook, que somam atualmente 1.161.9545 seguidores. O discurso do espaço santo, sagrado e “independente da raça e do credo” é bastante frequente nos conteúdos divulgados pelos aparatos midiáticos da IURD no Facebook, Twitter e Instagram– além da televisão, rádio e outros veículos de comunicação.
Ademais, encontros com o Secretário do Turismo de São Paulo e com representantes de Estado israelenses no Templo de Salomão e o empenho em obter reconhecimento e avaliações em grandes websites de turismo, assinalam o interesse da igreja em embutir ao templo um valor de “monumento turístico”.
A construção de uma réplica do antigo Templo de Salomão parece ir além do intento de propiciar aos membros da IURD um contato com o poder espiritual da Terra Santa cristã. A tentativa de inserção desse espaço religioso como um ponto de interesse turístico da cidade de São Paulo e o destaque dado ao depoimento de visitantes que professam “outra fé” que visitam o local são indicativos de uma publicização envolvendo o Templo. Um tornar público que extrapola a membresia iurdiana, inserindo-o no roteiro turístico religioso da metrópole paulista.
O interesse central desse artigo é abordar a utilização do TripAdvisor como plataforma de atração de um público turístico e de publicização de uma imagem específica do templo, comum ao imaginário de uma parcela de cristãos. Indo ao encontro do projeto pastoral da Igreja em alargar as fronteiras de sua própria audiência, neste caso, através do turismo religioso e da tentativa de inserção do empreendimento no roteiro turístico da cidade de São Paulo.
De início faremos um panorama do Templo de Salomão no espaço físico da cidade, articulando com as propostas conceituais de Birgit Meyer sobre formações estéticas e o vínculo com as mídias, além de noções sobre a dissolução do religioso e a expansão da audiência desse público. Em seguida abriremos caminhos para a discussão do turismo religioso e por fim descreveremos os caminhos e agenciamentos possíveis de um usuário que comenta no TripAdvisor, com o objetivo de entender as mediações existentes nessa interação em rede e dar base para análise dos dados coletados dos comentários no TripAdvisor.
2.Da localização do templo à fronteira da religião
A grandiosidade dos Templos de estilo eclético com a presença da fachada neoclássica se destaca do aglomerado comercial e dos antigos galpões industriais, típico de um bairro central de uma metrópole como São Paulo. As construções atraem olhares de quem vive cotidianamente na viagem entre centro e periferia. É de se notar a pertinência da análise conjunta da atratividade do Templo de Salomão no contexto do que Silva (2014) chamou de “Corredor da fé”, uma “Mancha religiosa” capaz de atrair inúmeros fiéis para o bairro do Brás, na cidade de São Paulo. De certa forma, o Templo se beneficia da mancha que concentra igrejas evangélicas que atraem um “público afim”.
A poucos metros do Templo de Salomão funciona uma sede estadual da IURD existente antes de sua inauguração. A região é tomada por lojas especializadas dos mais diversos tipos, comércio popular e igrejas. Somente no cruzamento onde se localiza o Templo de Salomão, existe a sede da Assembleia de Deus do Brás e uma paróquia da Igreja Católica com a sua forma espelhada no frontão de espelhos dourados do Templo iurdiano (foto na conclusão do relatório).
A dinâmica da região do Brás perpassa por aspectos similares a de Santo Amaro, sendo também um local de transição entre centro-periferia. A Av. Celso Garcia é uma importante via de ligação entre a zona leste e o centro da cidade, possuindo faixas exclusivas de ônibus em direção ao Terminal Pq. Dom Pedro II, ao lado da Sé. O grande fluxo de imigrantes trabalhando no comércio informal e o derredor tomado por cortiços chama a atenção para uma região que passa por processos de mudança socioespacial constantes ao longo do tempo, inclusive em relação à presença de uma quantidade massiva de templos centrais de religiões de influência imigrante ou não e de denominações evangélicas, como observado anteriormente.
Quando tratamos da avenida onde se encontra o templo e das igrejas ali estabelecidas, é interessante abordar o impacto que o Templo de Salomão possui na composição da percepção visual e espacial do entorno. A peculiaridade da Celso Garcia como uma via que comporta um grande fluxo de pessoas e veículos, evoca a sensação de aglomeração para o pedestre, em parte intensificada pelos emaranhados de fios e a estreita calçada, dividida com ambulantes. O Templo se destaca nesse cenário por seu grande volume que irrompe a visão de quem passa e pela quebra do recuo em relação à via, proporcionado pelo grande vazio da explanada na entrada do prédio.
Os baixos patamares6 dos edifícios comerciais7 amplifica os 56 metros de altura da edificação e a sua capacidade de atrair olhares. Por diversas vezes, nas idas e vindas pelo corredor de ônibus da Av.Celso Garcia presenciei pessoas que pela janela do ônibus ou do outro lado da calçada, tinham seus olhos fixados pela irrupção que a imagem do templo provoca, contraposta a perspectiva do entorno do amplo pátio externo e as grades vazadas.
O impacto visual também é alargado pela perceptível degradação das edificações e barracões do século passado, como a fábrica Orion localizada desde 1905 no bairro do Belenzinho (Brás)8 e que hoje se encontra abandonada e degradada aos fundos do Templo. As configurações socioeconômicas e espaciais que o bairro do Brás carrega em sua paisagem é contrastada com a “grandiosidade” e “imponência” da construção por quem visita e se aproxima do templo.
Quando analisamos os comentários na página de avaliação do Templo de Salomão no site TripAdvisor, verificamos que algumas opiniões dos visitantes reflete o contraste entre o entorno e a construção, além das associações entre o passado e presente, que rememoram templos bíblicos.
Estava andando pelas ruas do Brás, não sabia que o templo do Salomão era ali, de repente me deparo com um prédio com colunas imensas, com portão dourado, palmeiras que parecem ter vindo de Dubai, um enorme espaço com uma pequena mesquita ao lado. Não era hora de visita mas um grupo que chegou de ônibus estava entrando e perguntei ao segurança se poderia entrar? ele gentilmente deixou. O Templo é grandioso! impossível não imaginar o trabalho que deve ter dado, foi construído com perfeição, muito detalhes foram observados. Ao mesmo tempo que tem as dimensões exagerada tem um pouco de frieza, me senti pequeno demais diante de tal obra, achei que se a proposta era essa eles conseguiram. As ruas laterais são cercadas de comércio popular, então cheguei a imaginar os comerciantes invadindo esse templo para comercializar seus produtos, uma passagem da bíblia. Gostei da obra, vale a pena a visita. (Comentário no perfil do Templo de Salomão no TripAdvisor, 2014)
O comentário acima dimensiona a paisagem que o Templo de Salomão passa a compor no cenário do Brás. A passagem bíblica que o autor do comentário faz menção está no livro de Matheus 21:12 e se referre a expulsão dos comerciantes do pátio do templo por Jesus. “Tendo Jesus entrado no pátio do templo, expulsou todos os que ali estavam comprando e vendendo; também tombou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos comerciantes de pombas.”. Dentre outros comentários de visitantes do Templo, alguns contam com adjetivos superlativos que destacam a grandiosidade da construção, outros ainda o comparam com a “degradação do entorno” e a paz encontrada ao adentrar os portões do grande pátio.
A analogia em questão mescla a observação do espaço envoltório ao templo e o imaginário bíblico, a suntuosidade do local é colocada em evidência, as “palmeiras”, o “portão dourado” e o “enorme espaço” chamam a atenção da pessoa que “estava andando pelas ruas do Brás”. Se levarmos em conta o “corredor da fé” que atrai fiéis pentecostais a diversas igrejas, o potencial do Templo como referência espacial se revela ainda maior. Não são raros os depoimentos veiculados pelas mídias da IURD em que aparecem confessos de outras denominações e religiões, replicando a caracterização dada ao templo pela própria igreja, a “Casa de Oração de todos os povos”.
Em “Dinâmicas Espaciais em Macaé: Lugares Públicos e Ambientes Religiosos” , Claudia Swatowiski (2009) propõe uma análise das transformações do campo religioso ancorado nas transformações urbanas e socioeconômicas na cidade de Macaé (RJ). A ênfase é colocada na relação entre a dinâmica espacial e os referenciais religiosos que orientam a circulação e o uso dos espaços pelos habitantes das cidades.
A autora argumenta que os locais de culto das religiões acabam se inserindo na paisagem, servindo como ponto referencial e de orientação no ambiente urbano, além da capacidade de “qualificar o seu entorno” (Swatowiski, 2009, p.66). Nisto as religiões se comparam às mídias, tanto uma quanto a outra “aparecem com referências e fontes para a identificação moral de lugares e indivíduos, da mesma forma que fornecem referências para o mapeamento da cidade”. (Swatowiski, 2009, p.57)
Para além do sentido tradicional de mídia utilizado por Swatowiski na comparação entre mídia e religião, em seu artigo “De comunidades imaginadas a formações estéticas: mediações religiosas, formas sensoriais e estilos de vínculo”, Birgit Meyer (2009,2019) ressalta a importância de pensarmos a presença pública das religiões e a forma como a religião se apresenta na formação de comunidades na contemporaneidade.
A formação de um imaginário estético comum se dá através das mediações exercidas não somente pelas “mídias tradicionais” como também por outros meios materiais e imagéticos, incluindo a própria religião, entendidas como mídia.
Para isso a autora parte do conceito de comunidades imaginadas de Anderson (1991), pensado no contexto da formação de Estados-nações pós-coloniais e na vinculação de cidadãos a uma “comunidade imaginada” nacional (Meyer, 2019, p.44). Essas comunidades, segundo Anderson, se erguem em torno de imaginações mediadas que substituem distâncias espaciais entre seus membros por um “sentimento de unidade”. No entanto, “é preciso que as imaginações se tornem tangíveis para além do domínio das ideias, com a criação de um ambiente social que as materialize através da estruturação do espaço, da arquitetura e da performance ritual e pela indução de sensações corporais (Meyer, p.50).
A partir disso, Meyer defende uma abordagem alternativa à alocação das mídias e da religião “na esfera da imaginação e da virtualidade”, pretendendo aproximá-las da materialidade, apreendendo como as mídias e a religião se concretizam e geram formas e formações tangíveis na vida social (Meyer, p.45). A autora propõe a noção de “formações estéticas” em substituição a “comunidades imaginadas”, a substituição de comunidades por formação tem o intuito de afastar uma noção de grupo social fixo e delimitado dando espaço para a modulação de sujeitos durante o processo de mediação, o termo “formação estética”
captura muito bem o impacto formativo de uma estética compartilhada através da qual sujeitos são forjados pela modulação de seus sentidos, pela indução de experiências, pela moldagem de seus corpos e pela produção de sentidos; uma estética que se materializa nas coisas (Meyer, p.54)
O conceito de mediação proposto por Meyer, incorpora a religião como uma prática de mediação, na qual as tecnologias de mídia operam um papel fundamental. Mídia aqui é entendido não somente como um sinônimo de meios de comunicação de massa modernos, o cinema, a televisão, os computadores, mas também abarca outras substâncias e materialidades às quais a religião utiliza como meio; as ervas, os rios, os espaços sagrados, entre outras formas que invocam e produzem o transcendente.
Essa maneira de abordar a religião abre espaço para a compreensão dos “modos pelos quais as mediações religiosas abordam e mobilizam as pessoas e as formam esteticamente” através de formas sensoriais (Meyer, p.63). As formas sensoriais são “modos relativamente fixos, autorizados, de invocar e organizar o acesso ao transcendental, criando e mantendo, assim, ligações entre pessoas no contexto de estruturas religiosas de poder específicas” (Meyer, p.64).
A IURD se utiliza de simbologias e objetos que mediam a relação do fiel com o sagrado. A mediação religiosa se dá através do resgate da simbologia judaico cristã no momento das reuniões no templo de Salomão. As formas sensoriais evocadas estão presentes nas vestimentas sacerdotais, nos espaços por meio de menorás, arcas da aliança, fotos da “terra santa”, e na própria edificação do Templo de Salomão.
O memorial do templo, local que faz parte do passeio bíblico que pode ser realizado no Templo de Salomão, é composto por diversas peças em miniatura de objetos cerimoniais e ritualísticos hebraicos, cuja a legenda é composta por versículo bíblicos que remetem diretamente ao objeto exposto. Os brasões das tribos de Judá foram colocados nas colunas do memorial como placas redondas e douradas com símbolos no interior, arquitetados a partir da referência direta ao versículo bíblico, que se encontra abaixo do objeto exposto. Essas justaposições de versículos bíblicos com objetos integrantes do espaço físico do Templo são capazes de produzir com eficácia um discurso de sacralidade do local, e do objeto que diz sobre a “verdade”, a “oficialidade” e a “autenticidade” do que se está vendo e experienciando.
O emprego de materiais oriundos de Israel e simbologias que remetem a um cristianismo primitivo e a tradição hebraica na construção tanto da Sede Mundial no Rio de Janeiro (RJ) quanto do Templo de Salomão ratifica a tentativa de singularizar o espaço por meio do uso de objetos “autênticos”, representativos da “verdadeira” história cristã. (Gomes, 2011)
É por essa via histórica que Edir Macedo, bispo fundador da IURD, possibilita o uso de objetos sacros sem imbuir a eles um motivo mágico, sem incorrer em idolatria, prática que a igreja abomina e combate. Com esse discurso, “Edir Macedo procura superar as ambiguidades entre objeto sacro e objeto cultural que tanto incomoda seus pares evangélicos” (Mafra, 2011, p.618).
Para Clara Mafra, ao construir o “3º Templo de Salomão”, Edir Macedo sugere uma conexão direta com a “Terra Santa” e com a remota história judaica sem que se passe necessariamente pela história cristã europeia (Mafra, 2011). A imagem de “trazer Israel para o Brasil”, tão presente nas falas de Edir Macedo, antecede a construção do Templo e está posta também na idealização da Catedral da Fé no Rio de Janeiro, principalmente após a inclusão neste local do Centro Cultural Jerusalém e o esforço em trazer pedras oriundas de Israel para a fachada do prédio.
A utilização de objetos sacros e o resgate de tradições judaicas também é perceptível no turismo religioso direcionado aos evangélicos. Sob uma visão pós-moderna da sociedade contemporânea, Miriane Frossard (2011, 2013) elabora questões sobre o turismo religioso evangélico no Brasil, dando ênfase às intersecções e a fluidez entre os domínios do mercado, do turismo e dos “novos” moldes em que a religião evangélica se apresenta no contexto brasileiro.
Em sua tese (Frossard,2013), a autora analisa as caravanas evangélicas para Israel, relaciona as viagens a uma procura pela afirmação e reafirmação de sua identidade como grupo religioso através do resgate de tradições judaicas e cristãs, adaptando-as aos moldes modernos. Segundo a autora, “a manipulação mágica de objetos especialmente comum em igrejas vinculadas ao movimento neopentecostal e os elementos da Terra Santa possuem uma atratividade ainda maior em suas concepções” (Frossard, 2013, p.350).
Emerson Silveira (2007), em sua análise da perspectiva pós-moderna sobre os conceitos de “turismo religioso”, aponta que sob o contexto da globalização, são promovidos tanto os intercâmbios culturais entre diversos sistemas religiosos, quanto criadas condições de “mercantilização do campo religioso”, provocando a diluição das fronteiras entre o turismo e a religião, o mercado e a fé (Steil, 2003 como citado em Silveira, 2007, p.48).
Tanto a visão de Silveira quanto a de Frossard da “diluição das fronteiras da religião” aponta para uma transformação em curso da religião, em oposição a um processo de afastamento do religioso do espaço público, como entendido por parte das teorias da secularização. No entanto, o autor trabalha com uma visão essencialista da religião quando a contrasta com o “mercado”, como se o “religioso” estivesse sendo corrompido pela esfera mercadológica, em vias do processo de “mercantilização do campo religioso”. Neste caso, ocorre uma normatividade implícita por parte dos autores que supõe a “religião fora de seu lugar” (Montero, 2009).
Birgit Meyer aponta para a necessidade de uma análise não essencialista da religião, que não pressuponha de antemão o que é, o que pode e o que não pode ser a religião. Por isso propõe explorar como se configura a transformação das comunidades e da religião por meio dos usos das mídias digitais e eletrônicas e do entretenimento. Para a autora a presença pública “bem-sucedida” da religião atualmente “depende da capacidade de seus proponentes de inseri-la no mercado da cultura e de adotar os meios de comunicação audiovisuais para afirmar sua presença pública (Meyer, 2019, p.73).
É neste sentido que queremos explorar aqui a utilização de mídias virtuais, mais especificamente da plataforma TripAdvisor, pela Igreja Universal como forma de inserção no “mercado da cultura”, dando ênfase para a formação desse público por meio de tecnologias de publicização do religioso.
Primeiramente iremos analisar a capacidade de engajamento que a igreja possui nas redes sociais e como isso se relaciona com a expansão da religião para um público diverso. Em seguida partiremos para a análise dos comentários na plataforma TripAdvisor relacionados ao Templo Salomão. Demonstraremos os agenciamentos possíveis proporcionados pelas redes virtuais e o efeito de visibilidade que a divulgação e o impulsionamento do Templo na plataforma de turismo geram na construção de imagens acerca do templo.
3.A expansão de uma audiência e o turismo como atrativo
A reinvenção do movimento pentecostal das décadas de 1970 e 80 se insere no momento de mudanças abruptas nas dinâmicas sociodemográficas brasileiras, com o fim da ditadura militar e a redemocratização acompanhada da intensa urbanização da população. Neste processo, a expansão das telecomunicações, especialmente das redes televisivas, como uma nova forma de “reestruturação e ordenamento do território brasileiro” (Araujo, p.188, 2018) provocou mudanças relevantes na integração informacional do Brasil
A IURD, assim como outras denominações que surgiram no mesmo período, se beneficiou dessas mudanças, inicialmente com a aquisição de horários para a exibição de programas evangelísticos. Com a expansão da igreja se deu início à compra de emissoras de televisão e rádio, dando capilaridade ao alcance iurdiano e proporcionando a possibilidade para a diversificação de conteúdos audiovisuais. Com a compra da Rede Record em 1989, a igreja iniciou a estruturação de um conglomerado midiático, beneficiada pelo “aumento do consumo cultural e da informação no país” (Araujo, p.255, 2018). Atualmente, a igreja possui emissoras e retransmissoras que cobrem 98% do território brasileiro e oferece conteúdo para mais de 150 países pelo mundo (ORO, TADVALD, 2018).
Peter Beyer (1999) em seu texto “A privatização e a influência pública da religião na sociedade global” discute a globalização não somente como uma força que favorece a privatização da religião, mas que também corrobora para uma “renovação da influência pública da religião”. Beyer maneja conceitos de Luhmann sobre a função e o desempenho religioso, centrais para a discussão sobre a religião privatizada e ao mesmo tempo pluralista em um contexto globalizante e midiático.
Para esse autor, a função da religião está ligada a “pura comunicação ‘sagrada’ em relação ao transcendente e ao aspecto que as instituições religiosas reivindicam para si próprias, a base da sua autonomia na sociedade moderna”. O desempenho religioso diz respeito aos momentos em que a religião é “aplicada” a problemas gerados em outros sistemas funcionais, mas não resolvidos por eles. (Beyer, 1999, p.401)
Com o mundo cada vez mais interligado por tecnologias de comunicação global, a globalização altera “radicalmente as condições sob as quais a solução moralizadora ainda é possível a nível de sociedade como um todo, porque agora inclui a todos. A situação da religião na sociedade global altera-se analogamente”. (Beyer, 1999, p.403)
A IURD se coloca frente a uma série de estratégias de publicização que inserem a questão da abrangência do discurso e consequentemente as estratégias adaptativas da função religiosa ao lidar com públicos multiculturais e com múltiplas “demandas”. O problema da influência religiosa para Beyer surge, portanto, “quando a religião tenta abranger um número excessivo de vidas que estão manifestamente ‘interessadas’ em coisas diferentes”. (Beyer, 1999). É de se esperar que diante de um público estratificado e tão diverso, a Iurd desenvolva estratégias a nível institucional que possibilitem seu acesso e adequação ao público.
A produção de conteúdo do conglomerado de empresas geridos pela IURD não se restringe mais aos programas de evangelização como na década de 1980, incluem filmes, séries televisivas, novelas e conteúdo infantil de caráter bíblico, a diversidade de conteúdos se insere nos anseios, que segundo Peter Beyer, que a religião deve lidar em um contexto globalizado e povoado por mídias.
Com a popularização do acesso à internet e do uso de mídias socais na primeira década do século XXI, a IURD tem ampliado sua presença nas redes sociais, expandindo a interação para um público diverso, que não se enquadra somente como a membresia da igreja. As contas institucionais no Twitter, Facebook e Instagram e o lançamento da plataforma Streaming de conteúdo audiovisual cristão (Univer) são exemplos da diversidade de plataformas virtuais em que a igreja se insere para oferecer conteúdo diverso, para além da programação televisiva.
Nas redes sociais, a equipe de comunicação da IURD incentiva fiéis a interagirem com os perfis oficiais e a avaliarem páginas e atividades, como o lançamento do filme “Nada a Perder”, que remonta a trajetória do Bispo Edir Macedo desde a fundação da igreja no Rio de Janeiro. O perfil desta produção audiovisual na plataforma interativa de avaliação de filmes IMDb e na plataforma nacional AdoroCinema gerou controvérsias após a divulgação de denúncias envolvendo uma possível fraude nas avaliações, principalmente no website internacional (IMDb).
O filme alcançou 15 mil avaliações com nota máxima, muito superior à nota média dos filmes no IMDb, superando grandes sucessos do cinema como “O Poderoso Chefão”9. Na notícia que veiculou a denúncia, no website do jornal Folha de S.Paulo, a resposta da IURD à acusação expõe os motivos que levariam milhares de pessoas a avaliarem e impulsionarem conteúdos em outras plataformas:
[…] Convidamos publicamente as pessoas que assistiram ao filme para que compartilhassem sua experiência em sites de avaliação. Ninguém pediu elogios ou notas altas, como comprova a postagem no Facebook do dia 4/4: https://www.facebook.com/IgrejaUniversal/posts/2068036796540844. Utilizamos nossa capacidade de mobilizar as pessoas para que o filme fosse assistido. A Universal não tem “robôs”, tem milhões de adeptos e seguidores nas redes sociais que existem e têm nome, e podem ser confrontados por qualquer veículo que queira confirmar. […]
(Nota oficial da Igreja Universal em resposta ao jornal Folha de S.Paulo, destaque do autor)
Pouco mais de um mês após a publicação desta nota, o jornal Estadão publicou uma reportagem divulgando um estudo que identificou atividades suspeitas de perfis no impulsionamento de hashtags ligadas ao filme “Nada a perder”10, na rede social Twitter. Desta vez, o monitoramento dos tópicos mais comentados no Twitter (Trending Topics) realizado pelo Departamento de Ciência da computação da UFMG (DCC/UFMG) detectou a atividade suspeita de cerca de 30% dos perfis envolvidos com o assunto. Estes perfis teriam o comportamento de bots – perfis robóticos que simulam a interação virtual humana. Em nota, a IURD reafirmou que não se utiliza de robôs para impulsionamento de conteúdo citando o caso das plataformas de avaliação de filmes:
A acusação de que a Universal se utiliza de “robôs”, é o tipo de fake news que a Imprensa vem tentando plantar teimosamente. Por exemplo, há alguns dias, circulou a informação de que as notas atribuídas a “Nada a Perder” em sites de avaliação de filmes, seriam resultado desse expediente.
Pois Matthieu Thibaudault, responsável pelo site “Adoro Cinema” – um dos serviços que teriam sido invadidos pelos “robôs” da Universal – afirmou em entrevista que os usuários que publicaram resenhas e notas positivas do filme, “não se tratam de robôs, mas sim de novos cadastros de usuários reais”.
A Igreja Universal do Reino de Deus possui mais de 9 milhões de adeptos no Brasil. Apenas no Twitter, os perfis institucionais, dos programas sociais e de alguns membros do corpo eclesiástico da Universal somam cerca de 1.900.000 seguidores. É ridículo supor que seria necessário o uso de 300 “robôs” para promover uma campanha na rede social.
O que a Universal faz, e “O Estado de S.Paulo” parece ainda não ter compreendido, é mobilizar as pessoas. Mobilização que leva milhares de voluntários de outras denominações e diversas religiões a ajudar moradores das periferias, de cidades sem uma única sala de cinema, para que possam assistir a um filme.
(Nota oficial da Igreja Universal em resposta ao jornal O Estado de São Paulo, destaque do autor)
Nos chama a atenção as justificativas públicas utilizadas pela Igreja Universal para responder à acusação realizada pelos jornais sobre a utilização de robôs para alavancar conteúdo: “A Universal não tem “robôs”, tem milhões de adeptos e seguidores nas redes sociais”, “É ridículo supor que seria necessário o uso de 300 “robôs” para promover uma campanha na rede social”, “O que a universal faz […] é mobilizar pessoas”11. A mobilização dos fieis é apresentada pela instituição como uma estratégia ativa de engajamento, não somente nas redes sociais.
Assim como em “ações voluntárias” fora das redes sociais, os fieis são mobilizados para realizar alguma ação através da “capacidade de mobilização” da própria instituição. A plataforma TripAdvisor é somente uma das redes sociais na qual a igreja se insere e incentiva a interação de visitantes do templo, como através dos totens na recepção do “Tour bíblico” e os links na página oficial do Templo de Salomão.
4.Metodologia em discussão — o TripAdvisor no fluxo de comentários
O TripAdvisor é uma empresa fundada em 2000, sua principal plataforma é um website que reúne informações, opiniões e avaliações sobre pontos turísticos de cidades ao redor do mundo. Possui atualmente cerca de 661 milhões de avaliações na plataforma e 350 milhões de visitantes ao mês. Segundo informações do próprio website, o TripAdvisor oferece a “sabedoria de outros viajantes para ajudar as pessoas a decidir onde ficar, qual voo pegar, o que fazer e onde comer”12.
Embora não seja possível saber a data exata de quando o perfil do Templo de Salomão foi criado no TripAdvisor, o primeiro comentário consta do dia 26 de agosto de 2014, doze dias após a inauguração do templo. A avaliação da atração turística pode ser realizada diretamente na plataforma (via browser ou aplicativo) e por meio do website oficial do templo, que possui uma janela especial (plug-in) na aba “Depoimentos”. No website do templo, o comentário pode ser feito sem direcionamento para o website oficial do TripAdvisor, onde é possível realizar a avaliação e o comentário, gerando um perfil automaticamente [Figura 1].
As informações que compõe a base de dados para a análise neste artigo foram retirados da página que consta na Figura 2. Cada item em destaque foi “raspado” da página através dos pacotes de Webscraping do Software R, que realiza uma leitura da página em código HTML e a partir de caminhos especificados no código realiza uma cópia das informações requeridas. O recorte temporal realizado corresponde ao intervalo da data do primeiro comentário (26/08/2014) ao fim do ano de 2019 (31/12/2019) para uma melhor comparação anual das informações. Isso resultou em 1487 comentários, a maioria em português, mas inclusos comentários em inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, russo e hebraico.
Desta forma, compomos nossa base com os metadados referentes aos usuários da plataforma, são eles: Nome do usuário (nome do perfil na plataforma), Nº de comentários (Quantidade de avaliações/comentários na plataforma TripAdvisor), Local (origem geográfica do usuário), Link do perfil (Link que redireciona para o perfil do usuário). Os dados coletados dos comentários no perfil do Templo de Salomão foram: Título do comentário, Comentário (Texto do comentário no perfil do Templo), Data do comentário (data em que foi realizado o comentário), Nota do comentário (nota de 1 a 5 para a experiência da visita ao atrativo).
Os comentários que aparecem ao lado do plug-in [Figura 1], onde o internauta realiza sua avaliação, são fixos, escolhidos pelos administradores do website oficial do Templo de Salomão. Já a plataforma do website e do aplicativo oficial do TripAdvisor [Figura 2] oferecem diversas possibilidades de avaliação, tanto das atrações quanto dos comentários de outros usuários. Nessa página é possível ver todas as avaliações realizadas sobre o Templo de Salomão.
A interação entre os usuários na plataforma é impulsionada pela possibilidade de curtida ao comentário, buscas por palavra-chave e filtros de pontuação, tipo de viajante, época do ano e idioma, como exemplificado abaixo.
Esse tipo de interação e uso do TripAdvisor, inexistente no plug-in do Templo de Salomão, provoca um outro tipo de mediação, entre a ferramenta e o usuário, que pode diferenciar a forma e o conteúdo do comentário. Faz parte da própria lógica desse tipo de plataforma o jogo duplo entre o leitor e o autor, ou seja, os usuários são responsáveis
tanto pelo consumo quanto pela produção do conteúdo do site, eles necessariamente estabelecem entre si um pacto de credibilidade mútua. Essa credibilidade entre pares encontra reforço na habilidade da mídia social de efetivamente categorizar e classificar uma plêiade de opiniões (Jamerson, 2017; citado em Freire-medeiros, Zerbinatti, & Michelino, 2017, p.6)
Quando a “máscara” operada pelo plug-in é utilizada “perde-se” o caráter reflexivo dos comentários, proporcionado pelo uso frequente e direto da plataforma interativa. Dessa forma, a não sujeição do usuário à lógica operativa da plataforma diversifica o próprio conteúdo do comentário e os efeitos que a função de “leitor” poderia ter sobre quem comenta.
Além disso, o TripAdvisor reúne usuários que constroem uma gramática similar no modo como é escrito o comentário. A ênfase em como chegar, o que olhar, o custo e os horários de funcionamento das atrações turísticas são o mote dos comentários da maioria dos usuários frequentes do TripAdvisor, e essa gramática avaliativa comum é incentivada pela própria plataforma nas sugestões de “como fazer um comentário”.
Essa multiplicidade de usuários frequentes na plataforma pode ser aproximada da noção de “comunidade virtual” utilizada por Rifiotis em suas reflexões etnográficas no Ciberespaço (Rifiotis, 2010, 2016). Essa noção é movimentada pela ideia de uma cultura comum da comunidade, na qual Cultura é entendida nos termos de W.Ggoodnought como “tudo o que é preciso saber para fazer ser membro” (Rifiotis, 2010, p.22).
Como veremos adiante, grande parte dos usuários que comentaram no perfil do Templo de Salomão não utilizavam a plataforma TripAdvisor para comentar em outros atrativos turísticos, a concentração desses usuários em períodos específicos do tempo nos leva a pensar que houve alguma indução por parte da Igreja Universal, incentivando uma quantidade expressiva de pessoas a entrarem e comentarem no perfil do Templo. Como exploraremos, essa entrada de novos comentários na plataforma tem consequências quantitativas que elevam a posição do atrativo turístico nas indicações da plataforma, além de promover mudanças qualitativas na imagem do templo que é passada através das avaliações.
5.Resultados
A partir da consolidação do banco de dados de 1487 comentários13 não duplicados no perfil do Templo de Salomão no TripAdvisor, foi possível construir a frequência dos comentários por mês [Gráfico 1]. Apesar de não indicar com fidelidade o momento em que o usuário visitou o templo, o comentário pode ser considerado um indicativo dos períodos de maior frequência de visitantes.
Os meses com a maior frequência de comentários são janeiro, Junho, Março e Julho14 coincidindo com a informação, que obtivemos de uma das atendentes do serviço de informações do Templo de Salomão, sobre o período de férias escolares como sendo o mais movimentado em termos de visitações. Nesse período é comum encontrar, principalmente aos finais de semana, caravanas vindas de diversas partes do Brasil para visitação do complexo. Fica evidente a predominância do mês de janeiro de 2016 na frequência dos comentários, correspondendo 34% do total de comentários. O ano de 2016 também aparece com predominância na quase totalidade dos meses.
Fazendo o recorte somente para janeiro de 2016, 333 desses comentários foram realizados no dia 15 de janeiro e 81 no dia 10 de janeiro, como detalhado no [Gráfico 2]. Essa constatação também foi feita em artigo recente sobre outra análise dos comentários do TripAdvisor realizada por Freire-Medeiros, Zerbinatti e Michelino (2017).
Dos comentários no mês de janeiro de 2016, 66% foram realizados por perfis que não possuíam – e ainda não possuem – outros comentários na plataforma15, com exceção do realizado no perfil do Templo de Salomão, ou seja, são perfis de comentário único. A anômala frequência de comentários de perfis unitários neste mês em específico fica evidente no [Gráfico 3], que mostra a frequência de comentários nos meses de 2016 categorizado pelo número de comentários realizado na plataforma TripAdvisor como um todo.
Com exceção de janeiro, todos os meses de 2016 possuem uma frequência maior de comentários de perfis que utilizam com assiduidade o TripAdvisor em comparação com perfis unitários. Considerando somente esses meses, 50% dos comentários realizados no perfil do Templo são de usuários que fizeram mais de 21 comentários no TripAdvisor. No mês de janeiro 66% dos comentários foram realizados por perfis unitários e 31% por usuários com 2 a 10 comentários na plataforma.
É de se notar que todos os comentários de perfis unitários neste dia (15/01/2016) possuem nota máxima, em uma escala que vai de 0 a 5. No [Gráfico 4]16 observamos o peso das avaliações com nota máxima de janeiro de 2016 em relação aos meses subsequentes. É oportuno observar ainda o aumento dos comentários nos meses subsequentes a essa entrada massiva de comentários no perfil do templo.
O pico da variação positiva se dá em março de 2016 e, a partir dele, ocorre uma diminuição desse aumento, indicando a “perda de força” da relevância do monumento dentro da plataforma, ocasionada por esse aumento repentino de janeiro de 2016.
Esse desempenho é esperado pela forma como operam os rankings dos atrativos turísticos dentro da plataforma TripAdvisor. Segundo a explicação da empresa:
O ranking de popularidade do Tripadvisor leva em conta as avaliações dos usuários e reflete a posição da sua empresa em relação à concorrência. Ele é importante porque, quanto mais alta for a sua classificação, maior será a chance de seu estabelecimento ser visto quando usuários pesquisarem sua região. (Website TripAdvisor)17.
O perfil do templo chegou a 13ª posição do ranking dos atrativos turísticos da cidade de São Paulo mais bem avaliados no website e, dessa forma o alcance e a visibilidade obtida por essa posição geraram um aumento significativo dos comentários em relação ao mesmo mês do ano anterior, provavelmente pelo destaque gerado pelas posições elevadas no ranking.
A figura abaixo [Figura 3], retirada do histórico do website TripAdvisor mostra a posição alcançada pelo templo dois meses após o pico de comentários, em Março de 2016. Essa posição no TripAdvisor faz com que a atração turística esteja à frente de outras possibilidades de visitação de atrativos na cidade de São Paulo dentro da plataforma, como por exemplo o Teatro Municipal, o Mosteiro de São Bento e o Zoológico de São Paulo, todos atualmente em posições abaixo das alcançadas pelo Templo de Salomão em 2016. Ao olhar o ranking, um turista qualquer que utiliza a plataforma para programar sua viagem pode dar prioridade ao destino em detrimento de uma plêiade de outras atrações da cidade que estão há décadas consolidadas como locais turísticos.
Tanto pelo incentivo ao comentário impulsionado por meio das redes sociais, ressaltado pela própria IURD como forma de engajar e “mobilizar as pessoas”, quanto pelo TripAdvisor, os agentes estão imersos em uma complexa rede sociotécnica, na qual as ações são mediadas por conexões entre humanos e não humanos (Latour, 2008).
A magnitude da exposição do Templo de Salomão como o 13º atrativo turístico de São Paulo não se daria da mesma forma sem o advento do ciberespaço e a formação das “comunidades virtuais”. Neste “espaço online”, os agentes humanos interagem entre si em meio à mediação técnica de atores não-humanos. Esses conjuntos de processos “permitem interações sociais e possibilitam a emergência de grupos” dentro de um ambiente virtual. (Rifiotis, 2010, p.22)
A descrição desse fluxo de informações, pessoas e entidades diversas no ciberespaço intenta para a diluição das fronteiras dos grupos observados “off-line” (Rifiotis, 2016). Quando pensamos no TripAdvisor, religiosos, turistas e fiéis da Universal não possuem ações previamente e diferentemente definidas por sua “anterior” característica de grupo, mas por outro lado sofrem agências que os fazem agir em determinadas vias. Formas esperadas ou não, por aqueles que “programam os caminhos” através desse espaço virtual ou que impulsionam conteúdos como forma de engajamento. Esses sujeitos e agentes em meio à mediação técnica dos softwares, podem ser descritos “como actantes, sempre híbridos, titulares potenciais de agência, são eles mesmos resultados de séries das conexões nas quais estão envolvidos no curso da ação descrita” (Rifiotis, 2016, p.90).
Não inseridos na comunidade virtual de comentadores turísticos, temos os usuários que comentaram somente uma única vez no TripAdvisor (perfis unitários), mas responsáveis por quase 35% das avaliações, em sua maioria, avaliações “cinco estrelas”. Tendo realizado o comentário pelo plug-in ou diretamente no website, a questão central é que esses usuários não são dotados dessa gramática comum aos usuários frequentes da plataforma, oferecendo uma gramática diversa de avaliação.
Esses agentes, por não fazerem parte da comunidade do TripAdvisor, colocam o Templo não em comparação aos outros atrativos da plataforma – exercício comum para os demais usuários frequentes da plataforma, mas sim em uma posição singularizada, única, mais próxima a uma visão sagrada do templo. Analisando o comentário desses usuários, que chamei de “perfis unitários”, adjetivos frequentes como “maravilhoso”, “esplendido” e “extraordinário” são utilizados para qualificar o que eles chamam de “lugar de paz”, onde encontram o espírito santo e a “presença” do divino.18
Se aproximarmos esses dados da noção de fabricação do religioso de Meyer, entendida como o processo pelo qual “a sensação de presença extraordinária é gerada nas pessoas” (Meyer, 2019, p.187), podemos entender o Templo de Salomão como um artefato de mediação, capaz de materializar o invisível, o extraordinário. A monumentalidade do templo e a imponência é descrita em diversos comentários.
Como enfatizado no início do artigo, a própria área ao entorno proporciona o destaque ao edifício, as cores em tons de dourado e palha são o contraste necessário para singularizá-lo do derredor. Essa sensação do divino e do grandioso é possível por uma disposição sensorial daqueles que visitam, são configurações “de mídias religiosas, atos, imaginações e sensações corporais no contexto de uma tradição ou grupo religioso” (Meyer, 2019, p.190).
É uma “forma sensorial” do deus grandioso e do espetáculo, intensamente difundido pela Igreja Universal e por diversas denominações evangélicas neopentecostais que se utilizam das mídias televisivas para a transmissão de curas e despossessões, sinais do agir de deus e do poder da “fé verdadeira”. O que ocorre neste caso é a mobilização das redes sociais, para tornar visível o Templo como um local sagrado para um público maior, através da divulgação de comentários que aderem a formas sensoriais específicas da religiosidade cristã.
Esse transbordamento vem calcado na estratégia da própria instituição em alçar o templo como um monumento plurirreligioso, conquistando uma audiência expandia, como se referiu Peter Beyer em suas reflexões sobre a religião em um mundo globalizado. O discurso ganha corpo nas redes sociais, por meio da ocultação da identidade religiosa daquele que fala, ao mesmo tempo, em que está inserido no contexto de um “avaliador turístico” enquanto usuário do TripAdvisor.
O Templo de Salomão, como esse objeto duplo, entre a sacralidade atrativa aos evangélicos e a materialização de uma cultura judaico-cristã. Representa um local de culto, sagrado para alguns, e um monumento turístico cultural, onde a distância à Israel pode parecer aproximada. A aparente divisão entre o objeto religioso e o turístico são borradas.
6.Conclusão
Procuramos demonstrar, com a descrição dos processos e caminhos na utilização da plataforma de avaliação, os agenciamentos possíveis através da virtualização das opiniões sobre a experiência no Templo de Salomão da Igreja Universal do Reino de Deus. O potencial desses agenciamentos está tanto na capacidade de engajamento pretendido pela igreja através das redes sociais, quanto no efeito gerado pelo comentário de pessoas externas a uma comunidade de “avaliadores turísticos”.
O que sobrevém é uma publicização, “tornar público”, do monumento, com a pretensa de ser “a casa de todos os povos”, para além das fronteiras da denominação religiosa que o ergueu. Esse transbordamento do religioso é perceptível através de comentários que enaltecem a sacralidade do lugar, mas que ocultam a identidade religiosa daquele que fala, que está, ao mesmo tempo, inserido no contexto de um “avaliador turístico”.
Essas imagens contempladas pelo turista e/ou religioso, descoladas de uma identidade local/física do objeto, são cada vez mais intensamente as representações ideais, imaginadas e rememoradas da vista do atrativo turístico internalizadas por meio de cartões postais, guias turísticos físicos ou virtuais, e programas de televisão (Urry, 1996).
No caso analisado, essas representações imaginadas são produzidas também através dos comentários no TripAdvisor, formando parte da experiência que o visitante terá com o templo. O turista que busca informações para sua viagem irá se deparar com opiniões sobre o Templo de Salomão que vão desde informações específicas sobre horários e preços até testemunhos da sacralidade do lugar e da magnitude do poder divino experienciados na visita.
Outro efeito discutido pela pesquisa foi o impulsionamento do perfil do templo na plataforma através desses comentários não convencionais, colocando o templo na lista de vinte primeiros atrativos turísticos a serem visitados na cidade de São Paulo, fato que gerou um aumento relativo nos comentários dentro do TripAdvisor nos meses subsequentes, um indicativo do aumento no número das visitas localmente.
A discussão aqui realizada abre caminhos para pensar não somente a visibilidade proporcionada pela virtualização das opiniões através dos engajamentos nas redes sociais, como também repensa a divisão existente na área de estudos do turismo com relação à religião, uma perspectiva que embaça os “limites” do que seria a religião e o turismo.
Referências
da Silveira, E. J. S. (2007). Turismo religioso no Brasil: uma perspectiva local e global. Revista Turismo em Análise, 18(1), 33-51.
Freire-medeiros, B., Michelino, M., & Zerbinatti, L. (2017). Os dez mandamentos de um tour bíblico: Espiritualidade e entretenimento no Templo de Salomão”. Trabalho apresentado no 18º Congresso brasileiro de sociologia.
Frossard, M. S. (2013). Caminhando por terras bíblicas”: religião, turismo e consumo nas caravanas evangélicas brasileiras para a Terra Santa. Tese de doutorado, Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, Brasil.
Frossard, M. S. (2006). Diante do Altar: um estudo sobre o turismo evangélico em Belo Horizonte-MG. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil.
Gomes, E. D. C. (2011). A era das catedrais: a autenticidade em exibição. Rio de Janeiro: Garamond.
Mafra, C. (2011). A” arma da cultura” e os” universalismos parciais”. Mana, 17(3), 607-624.
Rifiotis, T. (2016). Etnografia no ciberespaço como “repovoamento” e explicação. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 31(90), 85-99.
Rifiotis, T. (2010). Antropologia no ciberespaço. Editora UFSC.
Rifiotis, T. (2002). Antropologia do Ciberespaço: questões teórico-metodológicas sobre pesquisa de campo e modelos de sociabilidade.T. Rifiotis & M. Máximo, Antropologia no ciberespaço. Florianópolis: Editora da UFSC
Urry, J. (1996). O olhar do turista . São Paulo: Studio Nobel.
Beyer, P. (1999). A privatização e a influência pública da religião na sociedade global. Cultura global: nacionalismo, globalização e modernidade. Petrópolis: Vozes, 395-419.