Resumo
O artigo teve o objetivo de realizar uma análise da produção acadêmica no âmbito dos programas de pós-graduação brasileiros acerca das temáticas Governança da Internet (GI) e Governança Digital (GD), para mapear as produções, áreas de concentração, tópicos e temas mais discutidos, métodos e técnicas mais utilizados. Com isso foi possível identificar os programas e autores mais citados e reconhecidos no cenário acadêmico brasileiro. O artigo revisita, também, definições conceituais relacionadas à Governança da Internet e identifica tendências no campo da Governança Digital, apontando possibilidades futuras na área de Internet & Política (I&P). Para tanto, realizamos uma revisão sistemática de literatura das teses e dissertações publicadas no Brasil nas temáticas propostas. Delimitamos um corpus de nove teses de doutorado e 23 dissertações de mestrado, publicadas entre os anos de 2005 e 2020. Como resultados, identificamos que as pesquisas sobre Governança Digital e Governança da Internet, atualmente, ganham importância tanto prática – como eixos orientadores de ações governamentais – quanto teórica, sendo aprimorados os conceitos e categorias analíticas para reflexão sobre temas do campo de estudos de Internet & Política.
1.Introdução
A governança do que conhecemos como a Rede é tema emergente e atual. Por vezes, a discussão teórica no campo intercala-se a reflexões de cunho mais prático, associadas ao uso e implementação de técnicas, tecnologias e práticas políticas que as regulem. Quem deve realizar, coordenar e supervisionar as diversas decisões ligadas à Internet – das minúcias técnicas de hardware às políticas públicas – são debates que foram levantados à medida que a necessidade da tomada de decisão de quais seriam esses atores surgia. Porém, com a crescente centralidade da Internet e dos processos digitais nas sociedades contemporâneas, cresce também a necessidade da discussão teórica de sua governança. De acordo com Wagner e Canabarro, “a compreensão da governança da rede mundial de computadores é necessária à reflexão e à prática política em sociedade” (Wagner & Canabarro, 2014, p. 192).
É natural que, à medida que cresce a discussão sobre Governança da Internet (GI) e Governança Digital (GD) em fóruns especializados, nas esferas estatais e da sociedade civil, o debate avance, também, na Academia. Visando contribuir para essa construção, o objetivo geral do artigo proposto é realizar uma análise descritiva da produção acadêmica realizada no âmbito dos programas de pós-graduação brasileiros acerca das temáticas GI e GD, a fim de mapear as produções, suas temáticas, áreas de concentração, métodos e técnicas mais utilizados. Com isso foi possível identificar os programas e autores mais citados e reconhecidos no cenário acadêmico brasileiro. O artigo revisita, também, definições conceituais relacionadas à governança da internet e sugere tendências no campo da governança digital contemporânea.
De acordo com Santos e Kobashi (2009), medir e avaliar os dados produzidos em determinada área ou subárea de pesquisa permite um maior conhecimento daquela área, demonstrando pontos de robustez e de fragilidade na pesquisa. Longe de ser apenas uma quantificação da produção científica, tal conhecimento pode ser utilizado para orientar o avanço de determinada área e, inclusive, nortear políticas públicas de Ciência e Tecnologia (Santos; Kobashi, 2009). Tal processo, também conhecido como infometria (Santos & Kobashi, 2009), permite “apreender os aspectos cognitivos da atividade científica. Nesse sentido, tem como preocupação central conhecer o estado-da-arte dos diferentes domínios do conhecimento” (Santos & Kobashi, 2009, p. 155).
Assim, propomos uma revisão sistemática de literatura das teses e dissertações publicadas no Brasil sobre as temáticas “Governança da Internet” e “Governança Digital”. Optamos por utilizar “Governança da Internet” e “Governança Digital” como áreas temáticas dessa investigação por compreender que, embora possam se interseccionar, são termos que definem práticas e âmbitos distintos e dizem respeito à governança de diferentes ações, normas, práticas e parâmetros da Rede. Suas diferenças, contudo, nem sempre aparecem de forma clara ou explícita.
Para chegar ao nosso corpus de pesquisa, realizamos uma busca na plataforma “Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações”1, utilizando as palavras-chave “Governança da Internet” e “Governança Digital”. A plataforma é mantida pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – Ibict. De acordo com o portal, a plataforma
tem por objetivo integrar, em um único portal, os sistemas de informação de teses e dissertações existentes no país e disponibilizar para os usuários um catálogo nacional de teses e dissertações em texto integral, possibilitando uma forma única de busca e acesso a esses documentos (Ibict, online).
Realizamos a busca orientada para “todos os campos”2 com as palavras-chave supracitadas – “Governança da Internet” e “Governança Digital”, com o uso de aspas. A busca foi realizada em janeiro de 2021 e retornou, ao todo, 32 trabalhos, que formam o corpus de pesquisa. Assim, o corpus é composto por nove teses de doutorado e 23 dissertações de mestrado, publicadas entre os anos de 2005 e 2020. Para a palavra-chave “Governança da Internet”, encontramos oito teses e quatorze dissertações. Já para “Governança Digital”, a busca retornou uma tese e nove dissertações3. Além do resumo e autoria dos trabalhos, os resultados traziam, também, as teses e dissertações na íntegra.
A partir desse corpus, pudemos identificar algumas características das publicações científicas acerca das temáticas no país, a partir de modelo metodológico inspirado no trabalho de Freitas et al (2020). Utilizamos, como ferramenta, o software NVivo, que permite análise qualitativa de conteúdo quantitativo, facilitando a quebra de unidades de texto e a comparação e categorização. Para organizar o material em unidades de sentido, empregamos dezesseis categorias, conforme o quadro a seguir.
Título | Título da tese ou dissertação. |
Autoria | A pessoa que realizou a pesquisa. |
Tipo | A natureza do trabalho – se tese ou dissertação. |
Ano | O ano em que o trabalho foi defendido. |
Área | A área em que o trabalho foi defendido. |
Programa | O programa de pós-graduação ao qual se vinculou a defesa. |
Instituição | A instituição do programa de pós-graduação. |
Palavras-chave | As palavras-chave do trabalho. |
Aderência | A aderência diz respeito à continuidade dos estudos nas temáticas de GI e GD. Nesta categoria, avaliamos se os autores e autoras das teses já vinham pesquisando as temáticas em suas dissertações. |
Gênero de autoria | O gênero (masculino ou feminino) da pessoa que realizou a pesquisa. |
Região brasileira | A região do país onde a pesquisa foi produzida. |
Orientação | A pessoa que orientou a pesquisa. |
Resumo | O resumo do trabalho. |
Modalidade | Se a pesquisa foi teórica ou empírica. |
Métodos e Técnicas | Os métodos e técnicas utilizados. |
Referências bibliográficas | Os autores e autoras mais referenciados nas teses e dissertações. |
Na próxima seção, detalharemos cada categoria, cruzando e comparando as informações para as teses e dissertações dentro da temática “Governança da Internet” e “Governança Digital”.
2.Análise das Teses e Dissertações
O corpus da pesquisa foi composto por nove teses de doutorado e 23 dissertações de mestrado, totalizando 32 trabalhos. Para “Governança da Internet” (GI), encontramos oito teses e 14 dissertações – aproximadamente 65% do corpus total. Já para “Governança Digital” (GD), a busca retornou uma tese e nove dissertações. Nessa seção, realizaremos a análise em separado das teses e dissertações dentro da temática de GI e GD, respectivamente, para, então, comparar os resultados encontrados.
2.1.Análise das teses e dissertações dentro do tema Governança da Internet
Os trabalhos na temática de GI foram publicados entre os anos de 2005 e 2020, com maior concentração no ano de 2018, seguida pelo ano de 2020, conforme o quadro a seguir.
As dissertações correspondem a 64% do total da produção, enquanto as teses somam 36%. A principal área de concentração dos trabalhos publicados é o Direito, seguido por Ciência Política e Relações Internacionais. Porém, embora exista alguma concentração nessas áreas, é possível inferir, pelos baixos percentuais e pela frequência de publicação em outras áreas, que não há uma área por excelência que contemple a temática da GI, conforme o quadro. Interessante frisar, também, a falta de trabalhos publicados na área da Comunicação.
A Universidade de São Paulo (USP) e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) apresentam 16% das publicações, respectivamente.
De acordo com os dados coletados, o debate acadêmico acerca da GI concentra-se nas regiões Centro-Oeste e Sudeste. Apenas um trabalho de GI foi defendido na região nordeste do país, na Universidade Federal de Pernambuco, e nenhum foi defendido na região norte, conforme ilustra o quadro 4, a seguir.
Os resultados evidenciam a pouca penetração dos temas nas regiões norte e nordeste, talvez relacionada ao fato de a localização dos fóruns e espaços de debate sobre o tema da governança da internet ser em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília4. Isso explicaria o papel também preponderante da região centro-oeste nessa produção. Outra explicação seria histórica e estrutural, que sempre evidenciou uma concentração significativa da produção acadêmica brasileira nas regiões sul e sudeste. De acordo com Sidone, Haddad e Mena-Chalco (2016), São Paulo é responsável por 20% de toda a produção científica brasileira, e sete universidades do país concentram 60% dos artigos publicados em periódicos internacionais, todas elas localizadas no Sul e Sudeste.
A maior parte das pesquisas em GI nos programas de pós-graduação é feita por mulheres, que publicam 55% dos trabalhos. Porém, quando observamos apenas as teses publicadas na temática, o público masculino é responsável por 62,5% dos trabalhos.
A figura a seguir ilustra a frequência das palavras-chave mais utilizadas nas teses e dissertações com temática de GI. A nuvem de palavras foi construída a partir das palavras-chave elencadas nos trabalhos, em que palavras com maior frequência aparecem com maior ênfase – excluindo-se o termo “governança da internet” para melhor visualização das temáticas.
Excluímos, também, os conectivos “de”, “da”, “do”, “das”, “dos”. No total, a nuvem é composta por 129 palavras, com frequência mínima de cinco e máxima de cem palavras.
Por meio da figura 1 é possível inferir que, na maior parte dos trabalhos, a GI relaciona-se a temáticas voltadas a poder em escala global. “Informação” é o principal objeto e as abordagens técnico-jurídicas são predominantes, com foco no caráter multissetorial e global da GI. Temáticas relacionadas à segurança e desenvolvimento são centrais nos trabalhos, com preocupações de soberania voltadas à economia, o que se depreende pelas palavras em destaque “empresas” e “desenvolvimento”. A fim de aprofundar a análise do debate acerca das temáticas dos trabalhos de GI, também realizamos uma contagem de frequência de palavras nos resumos das pesquisas. Para encontrarmos as temáticas que se relacionam à GI, excluímos palavras que são conectoras de frases e orações, como “de”, “com”, “em”, dentre outros; verbos descritivos típicos da redação acadêmica, como “analisar”, “apresentar”, “sugerir”; e numerais. A frequência mínima foi cinco palavras e a máxima, cem. A nuvem resultante pode ser observada na figura 2.
Novamente, o debate sobre o tema aparece associado a questões relacionadas a poder e aspectos políticos, considerando os atores envolvidos. Infere-se que temáticas relacionadas à segurança e desenvolvimento são centrais nos trabalhos, com preocupações globais e de soberania, focadas em regulação. Observamos, também, interesse em estabelecer modelos e descrever sistemas, ou seja, em definir padrões técnicos e outras diretrizes para o funcionamento da Internet. Essas preocupações vão ao encontro de definições sobre governança da internet, que concebem a GI como um espaço de produção de conhecimento propício para a reflexão de possibilidades de
equacionar divergências e forjar consensos relativos à regulação e ao controle da infraestrutura tecnológica que dá suporte à Internet; às questões técnicas envolvidas com o acesso e à movimentação dos usuários da Internet no ciberespaço; e às políticas públicas diversas que se relacionam com Internet, como inclusão digital, promoção cultural, estímulo ao comércio eletrônico, segurança, etc. (Wagner & Canabarro, 2014, p. 192).
As palavras identificadas – que expressam preocupações e temas de pesquisas sobre Governança da Internet – estão em sintonia com o conceito desenvolvido pela Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2005. Governança da Internet, a partir desse marco histórico, ficou definida como o
desenvolvimento e aplicação, por governos, pelo setor privado e pela sociedade civil – em seus respectivos papéis – de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, bem como de programas, que devem determinar a evolução e o uso da Internet” (Wagner & Canabarro, 2014, p. 193).
Em relação à modalidade das pesquisas desenvolvidas, Demo (1995) explica que existem quatro gêneros delineáveis de pesquisa, que se intercomunicam. O primeiro é a pesquisa teórica, que se debruça sobre a formação de quadros teóricos, burilamento de conceitos e estudo de teorias. O segundo é a pesquisa metodológica, que estuda os instrumentos e técnicas, ou propõe-se a criar novas formas de pesquisar. A terceira é a pesquisa empírica, “dedicada a codificar a face mensurável da realidade social” (Demo, 1995, p. 13), produzindo e analisando dados. Por fim, existe a pesquisa prática, que propõe intervenção na realidade social, utilizando-se de métodos qualitativos, como a observação participante, pesquisa-ação, dentre outros. Neste sentido, classificamos os trabalhos em GI e encontramos que 27% dos trabalhos encaixam-se na modalidade teórica; 68%, na modalidade empírica; e 5%, na prática. Nenhum trabalho foi metodológico.
Com relação à orientação, verificamos que as orientadoras e orientadores dos trabalhos não se repetiram, isto é, não houve dois trabalhos orientados pela mesma pessoa.
Foi verificada a frequência dos métodos e técnicas mais utilizados nos trabalhos. Os métodos são os caminhos para se alcançar determinado fim de pesquisa, sendo as técnicas as ferramentas utilizadas neste caminhar (Laville & Dione, 1999). Para se chegar à frequência das palavras, reunimos os métodos e técnicas citados nos resumos e na seção de procedimentos metodológicos dos trabalhos (quando esta seção estava presente). Excluímos palavras que são conectoras de frases e orações, como “de”, “com”, “em”, dentre outros. A frequência mínima foi cinco palavras e a máxima, cem.
Como se depreende da figura a seguir, a pesquisa bibliográfica foi a técnica mais comumente utilizada, seguida pela análise documental – geralmente utilizada em leis ou outros tipos de documentos oficiais e extraoficiais. Pudemos observar que uma proposta comum dentre os trabalhos é a análise de um determinado fórum, encontro ou a atuação de um determinado ator, como o Internet Corporation for Assigned Names and Numbers – ICANN, por meio de observação participante e de análise de documentos. A entrevista também é uma técnica bastante citada e as pesquisas tendem a ser qualitativas, focando-se no estudo de caso.
Por fim, analisamos as referências bibliográficas das teses e dissertações em GI. Por meio do software NVivo, comparamos as obras citadas na seção “referências” – que, em alguns textos, também pode receber o nome de “referências bibliográficas” ou “bibliografia” – dos trabalhos a fim de estabelecer quem são os autores e autoras que são referência no Brasil quando o assunto é GI. Os trabalhos apresentaram 2.439 entradas de referência, que foram analisadas segundo sua frequência, de acordo com o quadro abaixo.
Autor | Número de referências |
---|---|
Milton Mueller | 47 |
Manuel Castells | 30 |
Laura DeNardis | 25 |
Carlos Alberto Afonso | 20 |
Diego Canabarro | 20 |
Myriam Dunn Cavelty | 19 |
William Drake | 17 |
Ronald Deibert | 16 |
Wolfgang Kleinwächter | 15 |
Jovan Kurbalija | 15 |
Optamos por elencar os dez autores e autoras mais citados. Assim, podemos observar que Milton Mueller é a grande referência em GI, seguido por Manuel Castells e Laura DeNardis. Carlos Alberto Afonso e Diego Canabarro aparecem como representantes brasileiros nas referências em GI. Os autores que tratam de GI, de forma geral, não coincidem com autores mais citados em outros subcampos do campo de Internet & Política como, por exemplo, aquele que se dedica ao tema da democracia digital. Significa dizer que os autores que mais publicam sobre democracia digital diferem daqueles observados nos estudos sobre GI, com exceção de Castells. Interessante observar que esse resultado é diferente quando comparamos autores que se dedicam à democracia digital e ao tema da Governança Digital, como será visto a seguir.
2.2.Análise das teses e dissertações dentro da temática Governança Digital
Para a temática de Governança Digital (GD), a busca retornou uma tese e nove dissertações. Os dez trabalhos encontrados foram publicados entre os anos de 2011 e 2018, com maior concentração nesse último ano, conforme o quadro a seguir.
Interessante observar uma lacuna significativa entre os anos de 2012 e 2015, sem nenhum trabalho acadêmico desenvolvido nesse período sobre o tema, além da ausência de publicações em 2019 e 2020. O crescimento das pesquisas relacionadas à temática surge, curiosamente, no mesmo período em que o tema da Governança Digital passa a ocupar espaço e ganhar importância junto às ações e organizações governamentais. Os problemas públicos, associados ao tema, passam a ser reconhecidos como tal. Com isso, vários instrumentos de ação pública passam a ser desenvolvidos para regulação, normatização e controle. Destaca-se, nesse sentido, o Decreto Número 8.638, que instituiu a Política de Governança Digital no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional no ano de 2016. Mais recentemente, em 2020, foi publicado o Decreto 10.332, instituindo a Estratégia de Governo Digital para o período de 2020 a 2022, também no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Essa ação representa uma ruptura com a concepção de governança digital adotada desde então, que possuía como foco o desenvolvimento de ações e políticas governamentais para o fortalecimento da democracia.
Ao mesmo tempo, nota-se que o debate sobre governança digital parece caminhar, no momento, para temas como big data, algoritmos, direito à privacidade e à proteção de dados pessoais, assuntos priorizados mais no debate da Governança da Internet. Adriana Veloso Meireles, em tese defendida em 2020, no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de Brasília – IPOL/UnB, analisou as sessões centrais do Fórum de Governança da Internet. De acordo com a autora, a partir de 2019,
o debate sobre a ética envolvida na tomada de decisões dos algoritmos inteligentes se intensifica. Trata-se de uma questão central que se complementa à regulação de dados pessoais. Além disso, a expansão de tecnologias como o reconhecimento facial e a identificação biométrica ampliam a preocupação com relação à privacidade (Meireles, 2020, p. 159).
Pelo menor número de publicações e pelo recorte temporal, inferimos que o debate da Governança Digital é mais recente no Brasil que aquele da Governança da Internet. Porém, ao contrário do debate da Governança da Internet, que está fragmentado em diferentes áreas da Academia, a Governança Digital parece ser uma temática com forte presença na Administração, Ciência da Computação e Ciência Política, conforme quadro a seguir.
Como no caso da GI, a UnB liderou a publicação de teses e dissertações sobre Governança Digital. Foram, ao todo, três trabalhos defendidos na instituição: dois no Programa de Pós-Graduação em Administração e um no Programa de Pós-Graduação em Computação Aplicada. A UFRGS ficou em segundo lugar em número de publicações, com uma tese e uma dissertação do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. A frequência de distribuição de publicações por região brasileira pode ser observada no quadro 8, aonde podemos observar, novamente, a concentração do debate da temática no eixo Centro-Oeste-Sul-Sudeste.
Em relação à GD, apenas uma tese foi publicada e a autora manteve o objeto de pesquisa no mestrado e no doutorado. Com relação à autoria das teses e dissertações, as mulheres publicaram 70% dos trabalhos, conforme quadro que segue.
A figura a seguir ilustra a frequência das palavras-chave mais utilizadas nas teses e dissertações sobre o tema da GD. A nuvem de palavras foi construída a partir das palavras-chave elencadas nos trabalhos, em que palavras com maior frequência aparecem com maior ênfase – novamente, excluindo-se o termo “governança digital”, para melhor visualização das temáticas. Excluímos palavras que são conectoras de frases e orações, como “de”, “com”, “em”, dentre outros. A frequência mínima foi cinco palavras e a máxima, cem.
Os termos encontrados levam ao entendimento de que a Governança Digital é estudada no Brasil em sua capacidade como serviço público: “governo, aberto, público, eletrônico, serviços, cidadão”. Isso demonstra-se distinto do debate da GI, em que o foco estava em questões regulatórias, internacionais e de soberania. A fim de aprofundar o debate acerca das temáticas dos trabalhos de GD, também realizamos uma contagem de frequência de palavras nos resumos das pesquisas. A nuvem resultante pode ser observada na figura 5. Excluímos palavras que são conectoras de frases e orações, como “de”, “com”, “em”, dentre outros; verbos descritivos típicos da redação acadêmica, como “analisar”, “apresentar”, “sugerir”; e numerais. A frequência mínima foi cinco palavras e a máxima, cem.
Podemos observar termos como “desenvolvimento”, “dados”, “serviços públicos”, “governo”, “gestão”, “governamentais”, “públicas”, “soluções”, “Federal”, “dados abertos”, “universidades”, “desenvolvimento”, “democracia”. Isto demonstra que a Governança Digital é estudada no Brasil em sua capacidade de aprimoramento de serviços públicos e instrumentos de gestão. Existe uma preocupação de análise das práticas do governo e do Estado relacionadas à transparência, ao uso democrático da tecnologia e às formas como o Estado pode abrir-se para oferecer serviços a cidadãos. Essa característica diferente da Governança da Internet, em que o foco dos estudos está em atores privados e internacionais.
Com relação à modalidade de pesquisa, utilizamos a categorização de Demo (1995), explanada anteriormente, que distingue trabalhos teóricos, metodológicos, empíricos e práticos. Neste sentido, 60% dos trabalhos foram empíricos e 40%, práticos. Nenhum trabalho encaixou-se na modalidade teórica ou metodológica. A pesquisa bibliográfica e a análise documental foram as principais técnicas utilizadas, mas alguns trabalhos já trouxeram o termo “revisão sistemática de literatura” como uma forma mais focada de realizar essa revisão. Os estudos de caso foram o principal método utilizado, com aplicação de entrevistas e questionários e menções a métodos estatísticos de medição e categorização, conforme a figura 6 a seguir. Para a nuvem de palavras, excluímos palavras que são conectoras de frases e orações, como “de”, “com”, “em”, dentre outros. A frequência mínima foi cinco palavras e a máxima, cem.
Apenas uma pessoa orientou mais de um trabalho na temática de GD: a professora Marina Figueiredo Moreira, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília.
Por fim, as obras trazidas na seção “referências” ou “referências bibliográficas” das teses e dissertações em Governança Digital trazem uma predominância de autores e autoras brasileiros. Os trabalhos apresentaram 583 entradas de referência, que foram analisadas segundo sua frequência, de acordo com o quadro a seguir.
Autor | Número de citações |
---|---|
Marco Cepik | 20 |
Diego Canabarro | 13 |
Wilson Gomes | 10 |
Maria Alexandra Cunha | 9 |
Ana Júlia Possamai | 9 |
Francisco Paulo Jamil Almeida Marques | 8 |
Rafael Cardoso Sampaio | 8 |
Álvaro Ramírez-Alujas | 7 |
José Einseberg | 6 |
Marijn Janssen | 6 |
Manuel Castells | 6 |
Andrés Hoffman | 6 |
José Antonio Bojórquez Pereznieto | 6 |
Anneke Zuiderwijk | 6 |
Ao contrário do ocorrido para as referências em Governança da Internet, não houve, nos trabalhos identificados, recorrência de clássicos dos estudos sobre internet, como Mueller e Castells, que figuram na lista, mas em baixa frequência5. Aqui, os autores mais citados coincidem com aqueles mais citados nos estudos sobre democracia digital, especialmente Wilson Gomes, Jamil Marques e Rafael Sampaio (Sampaio et al., 2020). Esse dado pode significar que a comunidade acadêmica mais ligada ao tema da governança digital não apenas cita os mesmos autores daqueles ligados à democracia digital como podem, muito provavelmente, ser os mesmos autores pesquisando ambos os temas.
Essa possibilidade é notória em função dos principais termos e assuntos tratados no subcampo da democracia digital serem os mesmos daqueles identificados no da governança digital, ou seja, são temas voltados a questões relacionadas à democracia, ao uso de dados abertos e a outras temáticas relacionadas à esfera pública e a mecanismos de uso dos recursos tecnológico-informacionais para o fortalecimento da democracia. Nesse sentido, os estudos desses subcampos – que pertencem ao campo mais abrangente dos estudos de Internet & Política – focam em questões como o desenvolvimento econômico, tecnopolítico e social; o uso de dados abertos para transparência governamental; análise de inovações democráticas digitais; melhorias na gestão pública com o uso da internet; dentre outros.
Tal constatação faz sentido ao se observar o histórico de desenvolvimento das análises sobre Governança Digital. As pesquisas sobre o tema, antes atreladas a questões de eficiência, prestação de serviços e facilidades de uso, começam a se associar, a partir da primeira década do século XXI (e é o que se observa nos trabalhos aqui em análise), a questões relacionadas a direitos e deveres cidadãos, ao fortalecimento da democracia participativa e à necessidade de informação e inclusão social (Gomes, 2016). Houve, portanto, uma politização do tema, vista, por diversos pesquisadores da área, como necessária para evitar um “pesadelo distópico tecnocrático” (Fountain, 2014, p. 7).
As análises sugerem a definição de Governança Digital como um subcampo do campo de Internet & Política, tendo dois objetivos principais como tendência. Em um primeiro espectro de estudos, o objetivo é analisar as diversas práticas governamentais adotadas pelo Estado como forma de expandir e fortalecer a democracia a partir do uso de recursos tecnológico-informacionais. São exemplos as análises sobre práticas governamentais para transparência pública, uso de dados abertos e inovações democráticas que atendam as demandas cidadãs com foco em estratégias de participação e inclusão tecnopolítica. O uso otimizado dos recursos tecnológico-informacionais é analisado não apenas como forma de garantir mais eficiência nos serviços públicos e na gestão pública, mas também como mecanismos voltados ao aprimoramento da qualidade da democracia.
Em pesquisa realizada por Gomes (2016) foi confirmada a hipótese de que “a literatura nacional sobre Internet e Política dedica boa parte de seus esforços a temáticas diretamente relacionadas à democracia digital, a exemplo do que ocorre na literatura internacional” (Freitas et al, 2021, p. 186). Em outra pesquisa recente, observamos que o número de estudos sobre democracia digital começa a ser bastante significativo a partir de 2006, alcançando seu auge no período entre 2012 e 2014, quando representavam um total de 43,1% do universo de artigos publicados em uma revista de grande alcance do campo de Internet e Política no Brasil. A partir de 2015, contudo, identificamos uma pequena queda nessa produção, podendo indicar uma mudança de temas de interesse dos pesquisadores do campo (Freitas et al, 2021).
Um outro conjunto de estudos vem se tornando cada vez mais comum, apesar de não ter tido muita presença no período histórico aqui delimitado. Pesquisas atuais direcionam suas análises para temas que não estão, necessariamente, discutindo a democracia, mas, sim, as ameaças à democracia. São análises sobre estratégias de vigilância governamentais (Zuboff; Pasquale, 2019); ameaça à privacidade (Hui, 2015; Seaver, 2017; Yeung, 2017); uso indiscriminado e antiético de dados pessoais (Lippold, 2017; Gillespie, 2014; Burrel, 2016); desinformação, fake news, deep fake e suas influências em resultados eleitorais e processos políticos (Beer, 2017; Crawford, 2016; Mittelstadt et al, 2016; Treré, 2017); uso de big data, extração (ou extrativismo, a depender da corrente teórica) de dados para formulação de políticas (Reed et al., 2016; Maccarthy, 2018); implicações de cenários possíveis com a internet das coisas (Noble, 2018); uso de blockchain pelo setor público (Danaher, 2016); inteligência artificial para ações e políticas governamentais (Danaher et al, 2017).
Tais temas tornam-se centrais nas discussões sobre ação pública hoje, especialmente com o crescimento e amplitude de poder conferido aos Estados-nação e às grandes corporações transnacionais pelo uso de instrumentos desenvolvidos a partir dos recursos de inteligência artificial (Danaher et al, 2017). Os mecanismos de vigilância hoje possíveis, com sistemas biométricos e medições do pulsar da vida, individual e coletiva, podem criar sistemas de saúde capazes de resolver problemas latentes, com tratamentos preventivos e não paliativos (Danaher, 2016; Noble, 2018). Sistemas de ensino, se construídos com planos estratégicos adequados de gestão, podem otimizar o ensino contemporâneo. Contudo, tais mecanismos de vigilância e controle também podem produzir regimes totalitários até então inimagináveis (Treré, 2017; Yeung, 2017; Noble, 2018).
Da venda de produtos à venda de políticos, vivemos práticas que demandam reflexões sobre o uso ético dos recursos tecnológicos existentes. Temas que levam em consideração princípios éticos e a atenção aos direitos humanos, quando da programação dos códigos que programam nossas vidas, parecem constituir-se, hoje, como tendência no campo de estudos de Internet & Política. A tendência ao crescimento do número de pesquisas sobre ética e tecnologia vem sendo observada não só no subcampo de pesquisas sobre Governança Digital, mas também no de estudos sobre Governança da Internet. Estamos, portanto, em um momento em que novos temas – e novas análises e perspectivas sobre temas já existentes – passam a cativar a atenção dos pesquisadores do campo.
Além dessa transformação observada no campo de produção de conhecimento, alterações no setor público expressam um momento singular de transição política. O Decreto de 2020 mencionado, instituindo estratégias de governo digital (diferenciando-se, propositalmente, da concepção de governança digital), pode indicar mudanças também no setor público, implementando novas diretrizes para orientar ações e políticas governamentais. Tanto por transformações políticas, nacionais e internacionais, quanto pelo próprio desenvolvimento do capitalismo informacional, o campo de estudos sobre temas relacionados à internet e política passa a demandar análises focadas nas implicações dos recursos tecnológicos hoje disponíveis, sendo estas consequências favoráveis – ou não – à democracia. Os novos temas tratados evidenciam a intensa velocidade do desenvolvimento tecnológico, nem sempre caminhando de forma a atender as demandas e anseios por democracia, mas, muitas vezes, atendendo a demandas por mecanismos de obtenção e reprodução de poder e dominação – sobre indivíduos, grupos e nações.
3.Considerações Finais
As pesquisas sobre Governança Digital e Governança da Internet ganham, atualmente, importância tanto prática – como eixos orientadores de ações governamentais – quanto teórica, sendo aprimorados os conceitos e categorias analíticas para reflexão sobre esses temas do campo de estudos de Internet & Política. Para a compreensão desse avanço e das tendências que com ele são observadas, o presente trabalho teve o objetivo de realizar uma análise da produção acadêmica realizada no âmbito dos programas de pós-graduação brasileiros acerca das temáticas de Governança da Internet e Governança Digital, a fim de mapear suas produções, temáticas, áreas de concentração, métodos e técnicas mais utilizados. Com isso foi possível identificar os programas em que foram defendidas e estabelecer os autores mais citados na produção acadêmica brasileira.
O corpus deste trabalho foi analisado utilizando-se o software NVivo, que permite análise qualitativa de conteúdo quantitativo, facilitando a quebra de unidades de texto e a comparação e categorização. Para melhor visualização dos resultados, analisamos os trabalhos na temática GI e GD separadamente, comparando os achados.
Para a palavra-chave “Governança da Internet”, encontramos oito teses e quatorze dissertações. Os trabalhos foram defendidos entre os anos de 2005 e 2020, com maior concentração nos anos de 2018 e 2020. As dissertações correspondem a 64% dos trabalhos, enquanto as teses somam 36%. A principal área de concentração dos trabalhos publicados é o Direito, seguido por Ciência Política e Relações Internacionais. A Universidade de Brasília – UnB – concentra a maior produção de trabalhos na temática GI, com 36% dos trabalhos defendidos: três no Programa de Pós-Graduação em Direito; dois no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política; um no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais e um no Programa de Pós-Graduação em Administração. A Universidade de São Paulo (USP) e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) apresentam 16% das publicações, respectivamente.
O debate acadêmico acerca da GI concentra-se nas regiões Centro-Oeste e Sudeste. Apenas um trabalho da área foi defendido na região nordeste e nenhum foi defendido na região norte. A maior parte das pesquisas em GI nos programas de pós-graduação são feitas por mulheres, que publicaram 55% dos trabalhos. Porém, quando observamos apenas as teses publicadas na temática, o público masculino é responsável por 62,5% dos trabalhos.
Os trabalhos analisados têm em comum, além da GI, temáticas voltadas a questões de poder em escala global, considerando o contexto político-social. “Informação” é o principal objeto e as abordagens técnico-jurídicas são predominantes, com foco no caráter multissetorial e global da GI. Temáticas relacionadas à segurança e desenvolvimento são centrais nos trabalhos, com preocupações de soberania voltadas à economia, o que se depreende pelas palavras em destaque “empresas” e “desenvolvimento”. A produção, em sua maioria, é técnico jurídica. O debate da GI aparece atrelado à ótica do poder, considerando atores envolvidos. Infere-se que temáticas relacionadas à segurança e desenvolvimento são centrais nos trabalhos, com preocupações globais e de soberania.
Com relação à modalidade dos trabalhos, 27% encaixam-se na modalidade teórica; 68%, na modalidade empírica; e 5%, na prática. Nenhum trabalho foi metodológico. A pesquisa bibliográfica foi a técnica mais comumente utilizada, seguida pela análise documental. A entrevista também é uma técnica bastante citada e as pesquisas tendem a ser qualitativas, focando em estudos de caso. Com relação à orientação, verificamos que as orientadoras e orientadores dos trabalhos não se repetiram, isto é, não houve dois trabalhos orientados pela mesma pessoa.
Os trabalhos apresentaram 2.439 entradas de referência, que foram analisadas segundo sua frequência. Milton Mueller emergiu como a grande referência em GI, seguido por Manuel Castells e Laura DeNardis. Carlos Alberto Afonso e Diego Canabarro aparecem como representantes brasileiros nas referências em GI.
Já os trabalhos na temática GD somaram dez, sendo nove dissertações e uma tese. Os trabalhos foram defendidos entre os anos de 2011 e 2018, o que pode indicar que o debate da GD é mais recente no país. Os trabalhos se concentraram nas áreas de Administração, Ciência da Computação e Ciência Política.
Como no caso da GI, a UnB liderou a publicação de teses e dissertações sobre Governança da Internet; foram dois trabalhos defendidos no Programa de Pós-Graduação em Administração e um no Programa de Pós-Graduação em Computação Aplicada. A UFRGS ficou em segundo lugar em número de publicações, com uma tese e uma dissertação publicadas no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. A frequência de distribuição de publicações por região brasileira demonstrou a concentração do debate no eixo Centro-Oeste-Sul-Sudeste.
Com relação à aderência à temática da Governança Digital, apenas uma tese foi publicada na temática, e a autora manteve o objeto de pesquisa no mestrado e no doutorado. Com relação à autoria das teses e dissertações, as mulheres publicaram 70% dos trabalhos referentes à GD.
Pela análise das palavras-chave, podemos observar que Governança Digital é estudada no Brasil em sua capacidade de construção de estratégias de garantia de melhores serviços públicos aos cidadãos; melhoria de gestão a partir de mecanismos de transparência governamental; uso de inovações democráticas para aumentar a inclusão cidadã nos processos políticos e de tomada de decisão. Essas características diferem daquelas encontradas nos debates da Governança da Internet, em que o foco está em questões regulatórias, internacionais e de soberania. Nos trabalhos de Governança Digital, observamos uma preocupação de análise das práticas do governo e do Estado relacionadas à transparência e voltadas para o cidadão. O foco está no uso democrático da tecnologia e nas formas como o Estado pode oferecer serviços e instrumentos de gestão – diferentemente da GI, em que o foco dos estudos estava em atores privados e internacionais.
Com relação à modalidade de pesquisa, 60% dos trabalhos foram empíricos e 40%, práticos. Nenhum trabalho encaixou-se na modalidade teórica ou metodológica. Apenas uma pessoa orientou mais de um trabalho na temática de GD: a professora Marina Figueiredo Moreira, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília.
Como métodos e técnicas, a pesquisa bibliográfica e a análise documental foram as principais técnicas utilizadas. Os estudos de caso foram o principal método utilizado, com aplicação de entrevistas e questionários e menções a métodos estatísticos de medição e categorização.
As referências bibliográficas das teses e dissertações em GD trouxeram uma predominância de autores e autoras brasileiros. Os trabalhos apresentaram 583 entradas de referência. Ao contrário do ocorrido para as referências em GI, não houve, nos trabalhos, recorrência de “grandes clássicos” como Mueller e Castells, mas sim autores bastante reconhecidos nacionalmente no campo de estudos de Internet & Política, como Wilson Gomes e Jamil Marques. Portanto, os autores e autoras mais referenciados na temática são, em sua maioria, brasileiros e abordam as questões de GD de forma tanto teórica, quanto prática – a GD aplicada às práticas de governo aberto, por exemplo, ou dentro de contextos de democracia digital.
As comparações entre os resultados obtidos para as obras de GI e GD levam a compreensão de que a governança da Internet é usualmente associada à técnica e vista como uma questão transnacional. Já a governança digital é conjugada em uma capacidade relacional dentro do Estado, e vista como instrumento de cidadania e democracia. Podemos inferir não apenas pelas palavras-chave e resumos, mas pelas temáticas e métodos – enquanto trabalhos de GI estudaram fóruns como o ICANN, os trabalhos de GD tiveram foco em experiências nacionais de uso de TICs pelo governo.
Com base nos achados, Governança Digital pode ser compreendida como um subcampo do campo de Internet & Política. Tal subcampo tem como objetivo analisar o Estado democrático e, nesse sentido, analisar também práticas governamentais relacionadas à transparência, às demandas cidadãs, à participação e inclusão tecnopolítica, ao uso otimizado dos recursos tecnológico-informacionais, não apenas para garantir mais eficiência de serviços públicos e de ações governamentais, mas também para refletir sobre mecanismos voltados ao aprimoramento da qualidade da democracia em sociedades contemporâneas.
Iremos, em próximo artigo, aprofundar a pesquisa em relação às novas questões epistemológicas emergentes nos estudos sobre Governança Digital e Governança da Internet para continuar a observar as tendências desse campo de produção de conhecimento. Como apontado anteriormente, vivemos um momento de transição epistemológica e política, em que questões como direitos humanos fundamentais; direito à internet como um direito humano; a necessária ética associada ao desenvolvimento dos códigos que orientam as práticas contemporâneas; tais objetos de pesquisa – e de ação política – passam a ser discutidos de forma cada vez mais intensa, reorientando os caminhos da produção do conhecimento sobre Internet e Política.
Referências
p>p>Biblioteca Digital Brasileira de Tese e Dissertações. Recuperado de http://bdtd.ibict.br/vufind/
Burrell, J. (2016). How the machine ‘thinks’: Understanding opacity in machine learning algorithms. Big Data & Society, v. 3, n. 1. Recuperado de https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/2053951715622512
Crawford, K. (2016). Can an algorithm be agonistic? Ten scenes from life in calculated publics. Science, Technology, & Human Values, v. 41, n. 1, p. 77-92.
Danaher, J. (2016). The threat of algocracy: Reality, resistance and accommodation. Philosophy & Technology, v. 29, n. 3, p. 245-268.
Danaher, J.; Hogan, M.J.; Noone, C.; Kennedy, R.; Behan, A.; De Paor, A.; Felzmann, H.; Haklay, M.; Khoo, S.M.; Morison, J.; Murphy, M.H.; O’Brolchain, N.; Schafer, B.; Shankar, K (2017). Algorithmic governance: Developing a research agenda through the power of collective intelligence. Big Data & Society, 4, n. 2. Recuperado de https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/2053951717726554
Decreto-Lei 8.638, de 15 de janeiro de 2016. Institui a Política de Governança Digital no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8638.htm
Demo, P. (1995). Metodologia Científica em Ciências Sociais. São Paulo: Editora Atlas.
Fountain, J (2014). Prefácio. In: Pimenta, M.; Canabarro, D. Governança Digital (p. 7-9). Porto Alegre: UFRGS.
Freitas, C. S.; Sampaio, R. C.; Sampaio, R.; Machado, H.; Borges, T.; Alison, M.; Marioto, D. (2020). Análise da Rede de Produção de Conhecimento sobre a Iniciativa e-Democracia. E-Legis – Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação da Câmara dos Deputados, Vol. 14, N. 32, Maio/Agosto, ISSN: 2175-0688.
Gillespie, T. (2014). The relevance of algorithms. In Gillespie, T.; Boczkowski, P.; Foot, K. (org.). Media technologies: Essays on communication, materiality, and society, v. 167, n. 2014, p. 167.
Gomes, Wilson (2016). 20 anos de política, Estado e democracias digitais: uma “cartografia” do campo. In: Silva, Sivaldo Pereira et al. Democracia Digital, Comunicação Política e Redes (p.39-76). Rio de Janeiro: Folio Digital.
Laville, Christian; Dionne, Jean (1999). A Construção do Saber. Belo Horizonte: Editora UFMG.
Lippold, J. C (2017). We Are Data: Algorithms and the Making of Our Digital Selves. New York, NY, New York University Press, 317 pp.
Maccarthy, M (2018, maio 3). The Politics of Machine-Learning Algorithms. Project Syndicate. Recuperado de https://www.project-syndicate.org/commentary/algorithms-lead-to-chinese-style-communitarianism-by-mark-maccarthy-2018-05
Mittelstadt, B. D.; Allo, P.; Taddeo, M.; Wachter, S.; Floridi, L. (2016). The ethics of algorithms: Mapping the debate. Big Data & Society. Recuperado de https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/2053951716679679
Noble, S. U (2018). Algorithms of oppression: How search engines reinforce racism. United States, NYU Press, 245 pp.
Página institucional do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – Ibict. Recuperado de http://www.ibict.br/informacao-para-a-pesquisa/bdtd
Pasquale, Frank (2015). The black box society. United States, Harvard University Press.
Pasquale, Frank (2020). New Laws of Robotics: Defending Human Expertise in the Age of AI. United States, Belknap Press.
Reed, L.; Boyd, D (2016). Who Controls the Public Sphere in an Era of Algorithms?. United States, New York, Data & Society.
Seaver, N (2017). Algorithms as culture: Some tactics for the ethnography of algorithmic systems. Big Data & Society, v. 4, n. 2.
Santos, R. N. M.; Kobashi, Nair Yumiko (2009). Bibliometria, cientometria, infometria: conceitos e aplicações. Revista Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação (p. 155-172), Brasília, v.2, n.1, jan./dez.
Sidone, O. J. G.; Haddad, E. A.; Mena-Chalco, J. P (2016). A ciência nas regiões brasileiras: evolução da produção e das redes de colaboração científica. Revista TransInformação, Campinas, 28(1):15-31, jan./abr.
Treré, E (2017). Distorsiones tecnopolíticas: represión y resistencia algorítmica del activismo ciudadano en la era del big data. Trípodos, n. 39, p. 35-51.
Veloso Meireles, Adriana (2020). Algoritmos, privacidade e democracia; ou como o privado nunca foi tão público como no século XXI (Tese de Doutorado). Departamento de Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília.
Wagner, F.; Canabarro, D. R (2014). A Governança da Internet: Definição, Desafios e Perspectivas. In: Pimenta, M.; Canabarro, D. Governança Digital. Porto Alegre: UFRGS.
Yeung, K. (2017). Algorithmic Regulation: A Critical Interrogation. King’s College London Law School Research Paper No. 2017-27. Recuperado de https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2972505
Zuboff, Shoshana (2019). The age of surveillance capitalism: The fight for a human future at the new frontier of power. London, United Kingdom, Profile books.