Resumo
A agenda da transparência obteve grande atenção no Brasil principalmente com a participação do país na Parceria para Governo Aberto. Os marcos legais mais importantes advindos dessa agenda são a Lei de Acesso à Informação em relação à transparência passiva e a criação da Infraestrutura Nacional de Dados Abertos, bem como o Decreto 8777/2016, que institui a Política Nacional de Dados Abertos, em relação à transparência ativa. Após oito anos da implementação, é digno de nota a falta de levantamento da demanda por dados governamentais em formato aberto que subsidie a priorização e demais aspectos relativos à abertura dessas bases. A dissociação entre oferta e demanda pode implicar em baixa adesão às iniciativas, reduzindo o impacto dos portais de dados abertos. Esse trabalho busca apresentar um panorama da demanda de dados governamentais pela sociedade civil através da análise dos pedidos de acesso à informação via Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC) do Governo Federal. Mais de 700 solicitações por dados e informações em formato aberto enviadas durante dois anos para mais de 100 órgãos do executivo federal foram analisadas e categorizadas em um esforço inédito. Este trabalho também analisa os Plano de Dados Abertos dos 10 órgãos mais demandados de forma a identificar como o lado da oferta planejou a abertura de seus dados.
1.Introdução
A agenda da transparência governamental teve um impulso no Brasil com o país sendo um dos fundadores e primeiro co-presidente da Parceria para Governo Aberto (Open Government Partnership, OGP). Para fazerem parte da OGP, os países participantes endossam uma Declaração de Princípios (OGP, 2011) comprometendo-se com ações em prol Transparência, Participação Cidadã, Accountability e Tecnologia e Inovação. Além desse do endosso aos princípios, os países ingressantes são aqueles que atendem aos critérios mínimos1 exigidos pela OGP e o depósito de um plano de ação.
Na ocasião do lançamento da parceria em setembro de 2011 e postulando a sua liderança, o país ainda não alcançava a pontuação máxima e um dos motivos era o de não ter uma legislação de acesso à informação pública. Essa foi uma das razões para o esforço na aprovação da Lei 12.527/11, conhecida como a Lei de Acesso à Informação (LAI). Com isso, o executivo federal buscava a aderência do país ao regime jurídico e global de acesso à informação, atendendo às demandas de convenções internacionais e multilaterais (Malin, 2013; Neves 2013).
As políticas públicas desenvolvidas no marco de governo aberto não se limitaram à transparência passiva, mas também à transparência ativa (Neves, 2013). Na realidade, o Brasil se destacava no início do século XXI no cenário internacional por seu portal de transparência fiscal. Os avanços tecnológicos, a massificação do acesso e movimentos da sociedade que demandam por maior flexibilidade na divulgação das informações públicas de maneira que permitissem melhor accountability, influíram no desenho de iniciativas de transparência governamental (Bertot; Jaeger; Grimes, 2010). A disponibilização dos dados governamentais em formato aberto, que são dados que podem ser usados livremente, modificados e compartilhados por qualquer pessoa para qualquer finalidade (Open Definition, 2005), tem sido feita desde final dos anos 2000 através de portais de dados abertos (Ubaldi,2013). Como pano de fundo disso está a concepção de que essas iniciativas têm o potencial de contribuir para vários objetivos, tais como, transparência, participação, inovação e geração de valor econômico (Alexopoulos et al., 2013; Attard et al., 2016; Kassen, 2013, Zeleti et al., 2016, Craveiro & Machado, 2016, Machado, 2016). O Brasil acompanhou o movimento global de abertura dos dados governamentais e, no final de 2011, lançou o Portal Brasileiro de Dados Abertos2 e instituiu a governança dessa política pública em 2012 com a criação da Infraestrutura Nacional de Dados Abertos, INDA (Neves, 2013).
Os relatos de iniciativas de reuso de tais dados pela sociedade (Davies, 2014; Verhulst e Young, 2017) reforçam que um desafio muito relevante para alcançar todo o potencial é a falta do uso de tais portais. De acordo com a literatura (Chan, 2013; Foulonneau, Martin, Turki, 2014; Zuiderwijk, Shinde, Janssen, 2018), o pleno potencial da participação e colaboração dos consumidores só será alcançado se as partes interessadas podem participar na governança de um portal de dados abertos, como sugerir dados para publicar ou classificar conjuntos de dados ou recursos no próprio portal, segundo a definição de participação de Sayogo et al. (Sayogo; Pardo; Cook, 2014). A dissociação entre oferta e demanda pode implicar em baixa adesão às iniciativas de dados abertos levando a pouco interesse ou baixo impacto dos portais de dados abertos.
No Brasil foi instituída, pelo Decreto 8777/2016, a Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal e esse normativo traz como a obrigatoriedade de elaboração dos Planos de Dados Abertos (PDA) bem como o estabelecimento de prazo para sua publicação. Para definir a relevância social que um conjunto de dados públicos possa ter, o Manual para Elaboração de Plano de Dados Abertos (PDA) (Ministério Planejamento, 2013) sugere que o gestor levem em conta as demandas da sociedade que são encaminhadas via solicitações de acesso à informação, interações com o sistema de ouvidoria, identificação da utilização dos serviços em seus portais institucionais ou ainda através de eventos presenciais com a comunidade de usuários.
Existe pouca literatura acadêmica sobre a demanda por dados governamentais abertos (DGA) no Brasil, excetuando os trabalhos de Moreira (2015) que buscou desenhar um panorama a partir do reuso dos mesmos em iniciativas de criação de aplicativos por setores da sociedade e de Cruvinel (2016) que analisou as respostas ao um questionário disponível na internet para apresentar um diagnóstico da demanda por dados abertos da Câmara dos Deputados. Os trabalhos mencionados focam numa perspectiva dos intermediários dos dados abertos, conceito explorado por Craveiro e Albano (2017), o que pode ter a limitação de não abranger as demandas por dados públicos de outros grupos sociais.
Os argumentos do movimento DGA relativos à transparência, responsabilidade e participação do público dependem particularmente da crença no direito de acessar informações do governo. Embora esse fato seja reconhecido em muitos relatórios e estudos, a relação entre os dois conceitos geralmente é abordada apenas em um nível básico. Este artigo busca contribuir no debate sobre a interação dos movimentos dos dados governamentais abertos e do Direito à Informação no Brasil.
Considerando que a elaboração do PDA vem ao encontro do disposto na Lei de Acesso à Informação, na Instrução Normativa SLTI nº 4, de 12 de abril de 2012 (que institui a Infraestrutura Nacional de Dados Abertos, INDA), bem como nos compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da Parceria para Governo Aberto, entre outros normativos que abordam o tema de transparência, este trabalho analisa os PDAs do órgãos do poder executivo federal mais acionados via LAI pelos cidadãos que solicitam dados em formato aberto para termos elementos de debate em relação ao planejamento da oferta dos mesmos.
Para fazer um amplo levantamento da demanda da sociedade civil por dados governamentais abertos no Brasil, este trabalho analisa os pedidos de acesso à informação via e-SIC do Governo Federal recebidos ao longo de dois anos, em um esforço inédito. Uma das grandes motivações deste estudo leva em conta que, um dos critérios de priorização para abertura de bases de dados é de justamente proceder com a abertura dos dados mais solicitados em transparência passiva desde o início da vigência da LAI, conforme a Resolução n.º 3 do Comitê Gestor da INDA (CGINDA, 2017). Dessa forma, o estudo pretende apresentar os resultados que apoiem a melhoria da implementação das políticas públicas que estão no marco de governo aberto no Brasil.
O artigo está estruturado da seguinte forma. Após introdução, discutimos algumas estratégias para abertura de dados governamentais, focando em seu significado, requisitos e desafios e as críticas direcionadas a ele na governança moderna do setor público. Em seguida, discutimos a abordagem metodológica usada na obtenção de informações para o artigo. A análise dos pedidos de informação, o comparativo dos resultados com os do levantamento do Ministério de Planejamento e a análise dos planos de dados abertos dos órgãos selecionados vem na sequência. Finalmente o artigo traz suas considerações finais e sugestões para pesquisas futuras.
2.Estratégias para abertura de dados abertos e desafios
A definição de estratégia para abertura de dados foi um ponto-chave nas políticas de transparência, accountability, participação social e eficiência/inovação governamental de países do mundo inteiro. Um estudo sobre estratégias adotadas por Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Dinamarca e Austrália, Huijboom & Van den Broek (2011) destacou que elas giravam em torno de três eixos: i) aumentar o controle social e a fomentar a participação política; ii) Promover o serviço e a inovação de produtos e iii) fortalecer a aplicação da lei.
A primeira delas está associada à publicação de dados do governo para capacitar cidadãos a exercerem seus direitos; a segunda, a promover novas oportunidades de inovação geradas por dados governamentais abertos e a terceira a envolver cidadãos e fortalecer a aplicação da lei e a segurança (Huijboom & Van den Broek 2011: 4). Nesse sentido, é proposto o seguinte diagrama exibido na [Figura 1]:
A estratégia britânica centrou-se na construção de um governo mais inteligente, fomentada pelo Programa “Putting the Frontline First: Smarter Government”, que propõe fortalecer o papel da sociedade civil, a inovação governamental, mas também promover negócios e empreendedorismo com os dados governamentais. As estratégias da Dinamarca e Espanha, seguem na mesma linha da britânica, com a diferença de que a espanhola propõe em seus elementos centrais o fortalecimento da democracia e da “sociedade do conhecimento”. A política dos Estados Unidos, lançada em seu primeiro ato de governo de Obama, através do “Open Government Memorandum and Plan” foi a pioneira e seu foco, além da transparência e abertura governamental, foi a promover a eficiência e a efetividade no governo.
As políticas dos Estados Unidos e do Reino Unido, devido ao seu pioneirismo, foram as mais influenciadoras de outros processos de políticas de dados abertos. No entanto, a do Reino Unido destacou-se da norte americana pelo forte enfoque nos benefícios econômicos. Cabe destacar que ambos países são os fundadores da Open Government Partnership (OGP), iniciativa criou ambientes institucionais para a inovação com dados abertos, sendo o Brasil um dos seus co-fundadores e um dos primeiros a copresidi-la (Bellix et al, 2017).
A partir do estudo de Huijboom & Van den Broek (2011), pode se denotar contextos políticos e institucionais que influenciam decisivamente na estratégia de abertura de dados. Pouco centrada na participação social e no accountability, a estratégia da Dinamarca refletiu o ambiente institucional em que foi gerida, uma vez que indicadores sociais demonstram que o país possui uma democracia bastante estável, baixos índices de corrupção, serviços públicos abrangentes e baixa desigualdade social.
O Brasil se distancia dessa realidade por ser um país de grandes desigualdades, déficits no serviço público, altos índices de corrupção, baixa participação social, além de um ambiente político-institucional instável nos últimos anos. Assim o contexto brasileiro demanda uma política de dados abertos que fortaleça a democracia e a cidadania, sem prejuízo da visão empreendedora do reuso dos dados governamentais – o que fortalece também o ecossistema dos dados abertos, ao viabilizar e ampliar o uso da informações públicas.
O estudo de Huijboom & Van den Broek (2011), sintetiza as principais barreiras – em ordem decrescente – para a abertura de dados: cultura governamental do segredo; legislação de privacidade, qualidade dos dados, dificuldade de tornar os dados “user-friendly”, falta de padronização, ameaças segurança e resistência por órgãos que costumam vender seus dados na forma de produtos e serviços. As barreiras para a abertura de dados podem ser mais amplas e complexas, conforme amplo estudo da literatura (Zuiderwijk, Helbig, et al. 2014). Na [Figura 2], vemos sete eixos que reúnem as barreiras legais, políticas, sociais, econômicas, institucionais, operacionais e técnicas.
Metodologia
O presente trabalho contou com a colaboração da Controladoria Geral da União (CGU) e do então Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) no envio do corpus dos pedidos de informação que continham demandas por dados primários. As solicitações analisadas no presente trabalho foram recebidas pelos e-SIC do governo federal no período de julho de 2015 até julho de 2017. O arquivo obtido continha 837 solicitações resultantes da prévia exclusão daquelas que contivessem informações pessoais ou sigilosas e análise feita baseando-se em seletores de identificação dos termos “dados abertos”, “dados abertos governamentais”, “plano de dados abertos” e “base de dados” no corpo do texto do pedido.
A análise se iniciou com um processo de seleção e filtragem dos pedidos de acesso à informação através da leitura dinâmica de cada um. Procurou-se no texto termos que demonstrassem que a mensagem recebida pelo e-SIC era, de fato, uma solicitação de dados em formato aberto. Pode-se citar como exemplo as expressões “dados abertos” e “base de dados” ou outras que denotam o conteúdo da solicitação. Nessa fase do trabalho foram excluídas solicitações repetidas, encaminhadas para o mesmo órgão ou órgão distinto; levantamentos, metodologias de estudos, solicitações referentes a protocolos de solicitações anteriores e dúvidas não relacionadas a pedidos de acesso a uma base de dados ou que não estivessem de acordo com a missão do órgão demandado. Após essa análise, restaram 715 solicitações distribuídas num total de 113 órgãos demandados.
Para a indexação e das demandas contidas nas solicitações, utilizaram-se os termos de assuntos governamentais contidos no Vocabulário Controlado do Governo Eletrônico (VCGE), do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (2016). Essa base de termos foi desenvolvida como ferramenta de gestão a ser utilizada pelo cidadão como uma interface de comunicação com o governo, possibilitando a classificação de qualquer conteúdo.
Todos os termos contidos no VCGE foram utilizados para a criação de categorias temáticas para a classificação da demanda. Devido à complexidade e particularidade do conteúdo das solicitações, um mesmo pedido pode ser classificado em uma ou mais categorias. Neste trabalho, a análise se pautou pela contabilização da ocorrência das mesmas.
Inicialmente foram registradas as temáticas centrais das solicitações, para que, a seguir, fossem agrupadas em temáticas, definindo as categorias conforme se sucediam os pedidos. Foram criadas 27 categorias, divididas em 3 grupos: (i) Categorias Transversais, (ii) Categorias Temáticas e (iii) Categorias Específicas.
Categorias Transversais: categorias elaboradas considerando o grande volume de solicitações recebidas com a mesma temática, porém voltadas à órgãos distintos
-
- Transparência e Fiscalização: divide-se em três subcategorias:
- Diversos: categoria abrangente, majoritariamente relacionada a elaboração de trabalhos e pesquisas científicas. Engloba pedidos de previsão e execução orçamentária, informações de pessoas físicas e/ou jurídicas, informações sobre RH do órgão, aquisições de bens e serviços, registros de compras e licitações, correlacionadas a outras categorias;
- Dados Abertos: solicitações questionando a existência de Plano de Dados Abertos no órgão; em caso afirmativo, o acesso ao conteúdo; informações sobre o planejamento dos órgãos quanto sua política de abertura de dados.
- Base da LAI: solicitações demandantes de bases de dados sobre pedidos de acesso à informação.
- Transparência e Fiscalização: divide-se em três subcategorias:
- Geodados: dados georreferenciados e cartográficos sobre características regionais, CEP, mapas, características e mapeamentos ambientais, assim como pesquisas e dados sobre as temáticas.
- Planejamento, Desenvolvimento e Gestão: demandas referentes às políticas de planejamento, metodologias de gestão, acompanhamento de propostas de desenvolvimento
- Registro de Produtos/Produtores: bases de dados sobre produtos nacionais, assim como o registro e seus produtores, consultas de seus CPFs e CNPJs e questões acerca do processo de registro.
- Cálculo Tarifário: demonstrativos metodológicos, consultas de métodos para composição da política de cálculo tarifário.
Categorias Temáticas: aborda os temas centrais de missão e trabalho dos órgãos as quais as solicitações foram direcionadas.
- Saúde: registros de estabelecimentos e profissionais da saúde, programas, estudos epidemiológicos de doenças, existência de pesquisas. sob essa temática.
- Educação: informações sobre instituições de ensino, dados e índices de acesso à educação,
- Finanças: demanda de documentos e dados acerca dos totais de repasses (oriundas de transferências intra ou intergovernamentais, transferências a fundos, Lei Rouanet, etc.), financiamentos, disponibilização de crédito, dívidas e investimentos realizados ao órgão ou pelo órgão.
- Assistência Social: solicitações abordando programas da assistência social, beneficiários, os fundos e programas da assistência social, dados acerca do desenvolvimento social e acesso a serviços públicos, assim como pesquisas da área.
- Relações Internacionais: dados sobre o comércio exterior, consulados e embaixadas, informações sobre empresas estrangeiras no Brasil.
- Mobilidade e Transportes: pedidos relacionados a transporte público, registro de tráfego, situação de vias, transportes aéreos e aquaviários.
- Segurança Pública: bases de dados contendo estatísticas criminalísticas, índices de acidentes e infrações em vias expressas, atuação das Forças Armadas, registros de desastres (naturais ou não), atuação das Polícias Civil, Militar e Federal.
- Agricultura, Pecuária e Abastecimento: dados sobre fortalecimento da agricultura familiar (PRONAF- Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), crédito para setor agropecuário, unidades armazenadoras, assentamentos da reforma agrária, características e perfil de famílias assentadas.
- Minas e Energia: dados sobre geração energética, eficiência, avanço de pesquisas, recursos não-renováveis para geração de energia, bases de dados sobre matrizes energéticas, oferta e consumo por matriz, consumo de energia elétrica, localidades, custos operacionais e eficiência de usinas de geração de energia (várias matrizes).
- Previdência Social: dados sobre benefícios, perfil de requerentes e beneficiários, pensões e aposentadorias.
- Trabalho: informações, pesquisas e dados sobre oferta e demanda empregatícia, índices de desemprego, dados sobre empresas e seus trabalhadores, bases de dados de cadastros sindicais, migração empregatícia entre setores, entre outros.
- Cidades: informações sobre pesquisa de perfil, dados e estatísticas de municípios.
- Meio Ambiente: solicitações de pesquisas e dados referentes ao meio ambiente de forma geral, e recursos naturais, leis ambientais, entre outras informações adjacentes.
- Economia: informações sobre permissão/execução de atividades econômicas, bases integradas de cadastros e econômicas de empresas. As solicitações classificadas nessa categoria mencionam nominalmente a base de dados CNAE – Cadastro Nacional de Atividades Econômicas.
Categorias Específicas: categoria de pedidos que não puderam ser classificados segundo missão do órgão por possuírem certo grau de transversalidade; temática específica.
- Demografia: pesquisas, bases de dados, informações e estudos sobre características populacionais.
- Comércio e Empresariado: informações sobre empreendimentos no Brasil, estatísticas do comércio.
- Imigração: bases de dados, pesquisas e estatísticas sobre o fluxo imigratório no Brasil.
- Pedidos Vagos: ocorrências onde a identificação plena da demanda era impossibilitada por falta de clareza no texto do pedido.
- Saneamento Básico: dados, indicadores e pesquisas sobre o acesso aos serviços de água e esgoto, assim como informações sobre a existência e/ou desenvolvimento de planos de saneamento básico municipais.
- Comunicações: dados sobre a telefonia móvel e fixa, informações e bases de dados sobre veículos de comunicação.
- Participação Popular: também uma categoria de demanda única, pedia acesso à base de dados bruta sobre uma pesquisa perfil e opinião do jovem brasileiro.
A ausência de descrições sobre a metodologia utilizada para a criação dos termos contidos no VCGE foi fator dificultante à indexação e classificação das solicitações. Apesar do desconhecimento acerca dos assuntos envolvidos em cada termo, foram agrupadas numa mesma categoria temática os pedidos que contivessem natureza semelhante. Apesar de ser um documento participativo e colaborativo, o VCGE possui limitações quanto aos vocábulos temáticos nos eixos de ação governamental, e, por essa razão, foram criadas categorias e subcategorias adicionais: Dados Georreferenciados, Demografia e Pedidos Vagos.
No escopo de dados georreferenciados, encontram-se os pedidos que envolvem a disponibilização de informações acerca de localizações geográficas, limites de territórios, terrenos e propriedades com base em coordenadas geográficas, dados hidrográficos, entre outros. Em Demografia, encontram-se os pedidos que envolviam informações diversas acerca da população brasileira, estrangeira e imigrante, dados censitários e registros atuais e passados. São enquadrados como pedidos vagos aqueles onde a demanda não foi explicitada de maneira clara, sucinta e compreensível.
Dentro da categoria Administração, criou-se a subcategoria “Dados Abertos e Base da LAI”, onde são reunidos os pedidos que solicitam informações sobre o Plano de Dados Abertos e dados referentes à aplicação, acompanhamento e monitoramento da Lei de Acesso à Informação pelos órgãos demandados.
Devido a demanda expressiva por informações enquadradas na categoria Administração, optamos por criar as subdivisões do vocábulo “Administração” como subcategorias da demanda, de forma a facilitar a análise e discussão do tema.
Este trabalho também buscou relacionar seus achados com os resultados do Relatório de Consolidação e de Identificação de Necessidades de Dados Abertos (MPOG, 2018b). Como órgão coordenador da execução do 1º compromisso do 3º Plano de Ação da OGP no Brasil, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão analisou, através de questionário, a oferta e demanda de dados aberto no Brasil. Através de redes sociais como WhatsApp, Telegram, grupos de e-mail e outros, divulgou-se um formulário contendo 5 perguntas de visavam a identificação dos dados mais demandados pela população. Foram colhidas 593 contribuições entre os meses de julho e agosto de 2017. Por se tratar de um documento de comunicação interna, não conta com informações acerca da metodologia utilizada para a criação das categorias utilizadas no questionário.
Para entender o lado da demanda, buscamos também nos sites dos 10 órgãos mais demandados pelo Serviço de Informação ao Cidadão os seus respectivos Plano de Dados Abertos, de forma a identificar se os órgãos cumprem o Decreto Nº 8.777, de 11 de maio de 2016, que institui a Política de Dados Abertos do Poder Executivo federal. A busca pelos documentos ocorreu tanto pelo Google, utilizando como palavras-chaves “nome do órgão + Plano de Dados Abertos” e através de pesquisa ativa no site do órgão, de forma a mensurar a acessibilidade do documento dentro do sítio.
Para o desenvolvimento deste trabalho, não foram realizadas entrevistas com os gestores responsáveis pelos órgãos aqui mencionados. Todo o levantamento de informações se pautou pela pesquisa ativa nos portais das instituições, em sites de notícias e nos veículos de comunicação oficiais do governo.
A análise deste trabalho pautou-se pelos resultados do total de pedidos por categoria, esmiuçando as subcategorias de maior destaque; a distribuição de pedidos por número de órgãos; os órgãos mais demandados, análise sobre seus planos de dados abertos, sua estruturação, a participação da sociedade civil na construção do plano, e a disponibilidade e acessibilidade de informações nos seus portais.
No âmbito da categoria administração, não foram analisadas profundamente as correlações entre as subcategorias e os órgãos mais demandados. Abordamos os assuntos que estão em pauta na atualidade, como a reforma da previdência e os reajustes nos planos de saúde privados.
4.Resultados
A seguir apresentamos e discutimos o panorama realizado em cima da análise e categorização dos pedidos de informação. A [Tabela 1] indica a ocorrência total das categorias dos pedidos aos e-SICs. Destaca-se a representatividade da categoria Administração, com mais que o dobro de ocorrências que a segunda colocada, Saúde. A sua grande notoriedade perante as outras categorias demonstra grande interesse na busca por informação e dados sobre o os diversos âmbitos da administração pública, possivelmente para a produção de reportagens, trabalhos científicos e análises de forma a favorecer o acompanhamento, monitoramento e análise crítica da atuação dos órgãos no decorrer das gestões. Mais adiante discutiremos detalhadamente o caso dessa categoria.
Categorias | N° de Ocorrências |
---|---|
Administração | 305 |
Saúde | 101 |
Educação | 61 |
Previdência Social | 54 |
Economia e Finanças | 42 |
Transportes | 32 |
Proteção Social | 30 |
Energia | 29 |
Comércio e Serviços | 26 |
Trabalho | 26 |
Agropecuária, Pesca e Extrativismo | 24 |
Pedidos Vagos | 24 |
Meio ambiente | 22 |
Segurança e Ordem Pública | 22 |
Pesquisa e Desenvolvimento | 21 |
Comunicações | 17 |
Habitação | 13 |
Relações Internacionais | 13 |
Demografia | 13 |
Abastecimento | 10 |
Dados Georreferenciados | 9 |
Indústria | 8 |
Infraestrutura e Fomento | 8 |
Defesa Nacional | 3 |
Esporte e Lazer | 3 |
Planejamento e Gestão | 3 |
Cultura | 2 |
Saneamento | 2 |
Urbanismo | 1 |
De forma análoga aos pedidos excluídos na primeira filtragem de solicitações, a representatividade de pedidos vagos demonstra que parcela dos demandantes desconhecem ou não compreendem plenamente os mecanismos jurídicos ofertados pela LAI, não usufruindo adequadamente da ferramenta de controle social e fiscalização disponibilizada pela mesma.
A categoria “Administração”, de maior destaque, se distribui de forma bastante equilibrada em relação a suas subcategorias, como demonstrado na [Figura 3]. A grande proeminência da categoria reflete o crescente interesse da sociedade brasileira em monitorar as ações estatais. Esse monitoramento se dá através de solicitações se informações acerca da efetivação do planejamento feito nas tríades orçamentárias, por exemplo, pelos ministérios, com destaque para o MPOG e MS, e por autarquias.
No caso das autarquias, destacamos a grande ocorrência de pedidos dirigidos à PREVIC (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) e ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que se vinculam as discussões atuais acerca da reforma da previdência e dos reajustes nas cobranças de planos de saúde. Os pedidos podem indicar a proatividade da sociedade civil em confrontar os discursos adotados pelos órgãos e por seus dirigentes ao defender essas medidas.
O controle social é visto também no âmbito das compras públicas e serviços prestados ao Estado, de forma a fiscalizar as ações e contratos firmados. Ocorre fiscalização para com a própria sociedade civil, através de pedidos de bases de dados de cadastros de pessoas físicas e jurídicas, registros profissionais e etc, buscando cruzar os dados obtidos para a elaboração de textos jornalísticos ou produções científicas.
Nota-se uma relevante demanda de informações acerca de dados abertos e acesso à informação, num total de 43 pedidos distribuídos em três categorias que englobam a existência e/ou desenvolvimento de Plano de Dados Abertos, bases de dados sobre solicitações de bases de dados aos e-SICs e sobre o desenvolvimento e/ou criação de políticas de dados abertos. Isso demonstra o interesse crescente da sociedade civil em acompanhar a execução da Lei de Acesso à Informação, de forma a corroborar com o monitoramento da administração pública.
A fiscalização do estado, exemplificada através de pedidos de contratos com prestadoras de serviços, finanças públicas (demonstrativos e balanços contábeis), contratos, licitações, investimentos, transferências para fundos, etc. corrobora com a ideia.
Na [Figura 4] é possível observar a distribuição da demanda de pedidos pelo número de órgãos demandados; para melhor compreensão, o número de solicitações foi separado em intervalos. A distribuição do número de pedidos recebidos é bastante irregular em relação ao número de órgãos demandados: dos órgãos analisados, 67,6% receberam menos de 5 solicitações de bases de dados em seus e-SIC. Em contrapartida, apenas um órgão – o Ministério da Saúde – recebeu mais de 80 pedidos.
A grande incidência de órgãos com menos de 5 pedidos de bases de dados pode ser explicada pela quantidade expressiva de instituições regionalizadas ou de temáticas específicas de trabalho na base de dados fornecida pelo MPOG para a realização deste trabalho. Como demonstrado na [Figura 5], o ranking dos mais demandados envolve apenas órgãos de grande porte, como agências reguladoras, ministérios e instituições de pesquisa avançada.
Ao destacar-se os 10 grupos de órgãos mais demandados (distribuídos segundo número de pedidos recebidos), podemos notar que o Ministério da Saúde ainda se sobressai, com 33,8% do total de solicitações. A demanda por dados de saúde (categoria que ocupa o segundo lugar no ranking) concentra-se principalmente neste ministério. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, segundo mais demandado com 14,2% de pedidos, engloba principalmente a categoria Administração, que, apesar de abrangente, abarca temáticas de destaque na agenda do órgão.
Em seguida estão os ministérios da Fazenda e o das Cidades, com 13,5% dos pedidos, sendo que ambos estão contidos na categoria administração. Os pedidos da categoria Educação subdividem-se entre diversos órgãos, com destaque para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP, foco de 12,7% das solicitações. A Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS seguem empatados com 9,6% dos pedidos. No caso da ANEEL, as categorias de destaque foram Administração – Normas e Fiscalização e Energia, refletindo a demanda pelo monitoramento e transparência das normas técnicas no campo. A ANS, por sua vez, teve pedidos concentrados nas categorias de Administração – Serviços Públicos e Saúde. O IBGE engloba três categorias de menor destaque no ranking: dados georreferenciados, demografia e economia e finanças.
A [Figura 6] apresenta o agrupamento de órgãos que receberam o mesmo número de solicitações em seus e-SICs. Objetivando a melhor visualização e compreensão dos dados, retirou-se os órgãos que receberam apenas um pedido de acesso à informação.
5.Comparativo com levantamento do ministério do planejamento, orçamento e gestão
As informações contidas nesta seção foram retiradas de um Relatório de Consolidação e de Identificação de Necessidades de Dados Abertos realizado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no escopo da implementação do 1º compromisso do 3º Plano de Ação da OGP no Brasil. O relatório contou com um resumo das sugestões feitas pelos respondentes quanto às possibilidades de ação governamental para facilitar o acesso e uso de dados abertos. Diferentemente da análise das solicitações dos e-SICs, que não dispunham de elementos que permitissem o desenho do perfil do respondente, o questionário executado pelo MPOG permitiu que se identificasse a comunidade técnica como amostra da pesquisa, como demonstrado pela resposta de maior ocorrência, onde são mencionadas interfaces de programação estruturada. No caso dos e-SICs, há ausência de elementos que permitam o desenho perfil.
A [Figura 7] ilustra a distribuição de respostas para a pergunta “Quais áreas temáticas você acha mais relevantes para a abertura de dados?”:
É possível notar que a demanda de pedidos de acesso a informação está condizente com as respostas obtidas pelo MPOG. As áreas de Saúde, Educação, Transporte e Trabalho ocupam os primeiros lugares em ambas as análises. As temáticas da Segurança Pública, Agricultura e Agropecuária e Indústria, apesar de não serem o topo das demandas das solicitações recebidas pelos e-SICs, possuem parcela representativa do levantamento do Ministério.
No questionário do MPOG, perguntou-se em que áreas os respondentes passaram por situações onde a abertura de dados contribuiria com a solução de problemas. A [Figura 8] compila as respostas:
Ao analisar de forma comparativa o gráfico fornecido pelo MPOG com o gráfico de ocorrência das subcategorias de Administração, notamos que tanto a categoria Finanças Públicas acima quanto à subcategoria Fiscalização do Estado, que envolve pedidos de dados acerca das finanças públicas, possuem maior ocorrência. Assim, podemos concluir que o fato de a transparência ativa nesse âmbito ser deficiente, a comunidade acabou por buscar as informações através da transparência passiva, o que gera o aumento da ocorrência de solicitações aos e-SICs. Percebemos também que a ocorrência de ambas as categorias também é bastante destacada em relação às outras. As categorias seguintes do gráfico do MPOG, Saúde, Educação, Transporte e Cartografia também seguem a distribuição das categorias equivalentes na análise das solicitações dos e-SICs.
6.Levantamento dos planos de dados abertos
A estratégia política brasileira está baseada na criação na Infraestrutura Nacional de Dados Abertos e na elaboração dos Planos de Dados Abertos (PDAs) pelos órgãos do Poder Executivo Federal. O PDA orienta as ações de implementação e de abertura de dados nos órgãos do governo federal. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) realizou desde 2014 reuniões e atividades de capacitação e desenvolvendo materiais de apoio para que os órgãos federais implementem seus planos. Sua elaboração não era obrigatória até 2016, quando foi publicado Decreto 8.777/2016. Ela estabeleceu uma série de compromissos relacionados ao tema, tais como a publicação do Plano de Dados Abertos por órgão, no prazo de 60 dias a contar da data de publicação do Decreto e a disponibilização em formato aberto das bases de dados priorizadas em anexo do Decreto, no prazo de 180 dias.
O decreto estabeleceu a responsabilidade dos Serviços de Informação ao Cidadão (SIC) em assegurar a publicação e a atualização do PDA, dentre outras atribuições. Nesse sentido, o Decreto conseguiu estabelecer uma forte relação entre os SIC e a política de dados abertos, o que em tese possibilitaria a transmissão da demanda de dados do serviço para as bases a serem abertas.
A partir da pesquisa ativa acerca dos Plano de Dados Abertos, reunimos informações pertinentes sobre as políticas de dados abertos dos 10 órgãos mais demandados, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), Ministério da Fazenda (MF), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Ministério das Cidades (MCidades) e Ministério da Transparência e Coordenadoria Geral da União (CGU). Cabe dizer que com a mudança de governo em 2019, o Ministério das Cidades foi fundido com Ministério da Integração Nacional, formando o Ministério do Desenvolvimento Regional. Já o MT passou a ser Ministério da Infraestrutura e o MPOG e o Ministério da Fazenda foram fundidos com o Ministério da Economia.
Na [Tabela 2], estão representadas as informações sobre a acessibilidade dos PDAs nos sites institucionais e no portal Dados.gov.br; a data de publicação do primeiro plano e a existência ou não de mais de um PDA. Na penúltima coluna estão representadas, na cor amarela, os órgãos que estão sob vigência de um plano. Em verde, aqueles que já publicaram o documento ou estão em fase de desenvolvimento. Em vermelho, aqueles de que não se tem informações sobre o próximo plano.
É importante mencionar algumas questões acerca das peculiaridades de alguns órgãos. O PDA 2016-8 do Ministério da Saúde, órgão mais demandado de acordo com nosso estudo, não consta em site principal, apenas no site da Sala de Apoio à Gestão Estratégica do Ministério da Saúde (SAGE). São necessárias diversas tentativas e erros para encontrar o documento, que não consta na seção de dados aberto do sítio. Só foi possível localizá-lo pesquisando as palavras-chaves “Plano de Dados Abertos Ministério da Saúde no Google. Expirado esse primeiro plano, o Ministério da Saúde aparentemente descontinuou a política de abertura de dados.
Estava previsto no “Plano de Ação e Matriz de Responsabilidade” do PDA do MS que se realizasse um “levantamento dos principais questionamentos no Serviço de Informações ao Cidadão” (MS, 2016: 13), planejado para ser realizado em dezembro de 2016. No entanto, não havia informação disponível se o mesmo foi realizado. No Portal dados.gov.br estavam disponíveis 136 bases do ministério em agosto de 2018, mas, como não há catálogo de bases de dados, não é possível saber se essas bases estão acordadas com as bases e informações que o ministério detêm. O alto número de solicitações é um indicador de que o ministério poderia melhorar a transparência ativa, abrindo mais bases e criando mais ferramentas de pesquisa com base em seus dados.
O PDA do INEP é um documento anexo à Portaria nº 370, de 04 de julho de 2016, que instaurou sua Política de Dados Abertos. Assim, um cidadão sem conhecimento jurídico para buscar a portaria não conseguiria localizar o plano diretamente pelo site. Através do portal Dados.gov.br é possível localizar o documento da portaria com o anexo do plano.
A questão do MT era semelhante ao INEP, no site institucional, o PDA, antes da reforma de 2019 – quando passaria a fazer parte do Ministério de Infraestrutura – , encontrava-se na seção “Dados Abertos” descrito como “cartilha de dados abertos”. A falta de clareza da nomenclatura escolhida dificultava a localização do arquivo, só localizável através da ferramenta de busca do site.
O caso do MCidades foi o mais delicado de todos. Seu PDA só foi publicado em julho de 2018, mais de dois anos depois da publicação da Política de Dados Abertos. Foi o último órgão dos 10 mais demandados a indexar seu PDA no portal Dados.gov.br.
O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão era até 2018 o ministério que tinha o papel de coordenar a política brasileira de dados abertos do governo, presidindo a INDA. O fato de ter papel-chave dentro do Governo Federal, atuando como eixo na gestão e na execução orçamentária, o tornou também um dos mais demandados por informações dentro da administração pública, como demonstraram os dados analisados.
Cabe dizer que dos 230 órgãos federais listados no mo Painel de Monitoramento de Dados Abertos, ferramenta disponibilizada pela CGU3, foi possível observar no período analisado que apesar da determinação do Decreto de 2016, menos de 50% possuíam PDA (109). Outros 40% ainda estavam elaborando e os demais sequer possuíam PDA. Das bases previstas para serem disponibilizadas nos planejamentos dos PDAs, faltava a abertura de 27% – destas 66% estavam em atraso em relação ao cronograma. Sendo o PDA o principal instrumento para a implementação da política de dados abertos pelo governo federal, cabe buscar compreender as razões das dificuldades para sua execução.
Cabe ainda destacar que alguns órgãos da administração usam o recurso de organizar consultas públicas para a elaboração de seus PDAs. Esse foi o caso do MPOG e da CGU. Outros órgãos não estudados na amostra selecionada, recentemente aderiram a esse instrumento, como Ministério da Infraestrutura e o Ministério Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (Ministério da Infraestrutura, 2019, Gov.br, 2019). As consultas públicas são ferramentas importantes para adequar a oferta à demanda de dados, para o estabelecimento prioridades no processo de abertura, e ao mesmo tempo melhor assegurar as ações de acordo com o emprego dos recursos humanos e materiais.
A estratégia política brasileira, ainda que limitada ao Poder Executivo federal, teve o mérito de ser desenvolvida com um escopo mais amplo, buscando criar condições estruturais para fomentar a abertura de dados de forma gradual e planejada em todos órgãos desse poder. Por outro lado, a participação na INDA depende de adesão voluntária e não há mecanismos eficientes que obriguem os órgãos à elaborar seus Planos de Dados Abertos (PDAs) e, principalmente, que estes reflitam a demanda da sociedade, quer seja na sua elaboração ou na priorização das bases de dados a serem disponibilizadas.
A relação entre a transparência passiva e as bases abertas é algo que o SIC de cada órgão pode avaliar. Pela análise dos PDAs não é possível saber se essa demanda tem sido efetivamente considerada. De fato, há que considerar outros fatores que pesam para que algumas bases possam ser incluídas no PDA, como acurácia e qualidade dos dados, menor complexidade, engajamento dos servidores, risco político, entre outros.
A oferta de dados, depende portanto, de um esforço que envolve diferentes setores de um mesmo órgão, a existência de um arcabouço legal que o sustente e impulsionados por um ambiente político-institucional favorável. Face a esses desafios, para atender a demanda da sociedade de forma eficiente e aumentar o impacto dos dados abertos, considerando às capacidades e recursos do Estado, é necessário que o planejamento seja feito com base no estudo de oferta e demanda de dados. Nesse sentido, a demanda por transparência passiva denota ser o indicador mais direto e efetivo para o desenho dos PDAs.
Assim, somente uma análise cuidadosa da demanda via SICs e a introdução de mecanismos participativos que permitam interlocução com a sociedade civil possibilitará que as bases de maior interesse social venham ser incluídas e priorizadas nos PDAs.
7.Conclusão
Esse estudo possibilitou o desenho de um panorama das solicitações de informações que requisitavam 113 órgãos da administração pública federal. Surpreendentemente, 42% das solicitações de bases se concentravam em apenas 8 órgãos. Com a identificação e agrupamento dos pedidos num rol de áreas temáticas, foi possível indicar em que temas ocorreram mais pedidos, independentemente do órgão solicitado. O estudo indicou a demanda da sociedade civil se concentrou nos temas “transparência/fiscalização”, “saúde”, “mobilidade urbana”, “educação”, “finanças” e “assistência social” , para nominar os principais.
A análise quantitativa e qualitativa dos pedidos não apenas permite conhecer melhor a demanda, como possibilita estabelecer prioridades, identificar possíveis gargalos e, sobretudo, apoiar um novo plano de abertura de dados que promova a inclusão de novas bases de dados no portal federal de dados abertos (dados.gov.br).
Tão importante como a identificação de gargalos e o estabelecimento de prioridades, é fortalecer a associação entre oferta e demanda para aumentar a adesão às iniciativas de abertura de dados e fomentar o uso e o impacto dos portais de dados abertos. Deve-se dar também especial atenção à implementação e execução do Plano de Dados Abertos dos órgãos que controlam as bases de dados mais demandadas pela sociedade. Com uma política de oferta de base de dados orientada à demanda, amplia-se a possibilidade de que processos de transparência governamental possam alcançar um maior impacto social e econômico.
Um outro elemento importante a ser considerado é que não há garantias de que as políticas de abertura de dados sigam em constante progresso. Nosso levantamento demonstrou que alguns dos ministérios mais demandados, com as mudanças de governo, deixaram nos últimos dois anos de elaborar novos PDAs o que denota uma situação preocupante de revés nas políticas de abertura em curso desde a publicação do 8777/2016.
Considerando o quadro supracitado das barreiras à abertura de dados proposto por Zuiderwijk, Helbig, et al. (2014), o Poder Executivo federal conseguiu criar bases políticas, legais e responder a importantes questões técnicas e operacionais para promover a abertura de bases no Brasil. No entanto, subsistem importantes barreiras políticas para sua sustentação, o que foi denotado pela descontinuidade de políticas de abertura de dados por parte de alguns órgãos analisados.
A abertura de bases de dados é fundamental para o fortalecimento dos sistemas de acesso à informação, de accountability além de criar meios que permitem uma participação mais robusta da sociedade junto ao Estado, fortalecendo à própria democracia. Esperamos que esses resultados contribuam para o debate para a abertura de dados e apoiem à melhoria da implementação das políticas públicas que estão no marco de governo aberto no Brasil.
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