Resumo
Por meio do presente artigo, realizado a partir de pesquisa teórica e bibliográfica, busca-se compreender o marketing de influência como comunicação publicitária e, assim, demonstrar as implicações jurídicas geradas por esse tipo de comunicação, considerando as normas que regulam a publicidade. A hipótese deste artigo é que os agentes que realizam marketing de influência devem cumprir com as regras jurídicas aplicadas à publicidade, mas não possuem a obrigação de observá-las quando estiverem realizando uma comunicação não publicitária (mesmo que econômica), porém devem, em todos os casos, serem transparentes sobre as comunicações que fizerem em redes sociais. Para tanto, inicialmente, será apresentada uma definição de trabalho para marketing de influência para compreensão do fenômeno. Em seguida, o marketing de influência será analisado na ótica publicitária, o que gerará consequências jurídicas ao influenciador, ao usuário da internet (consumidor) e ao anunciante (fornecedor), incluindo-se, sem limitação, restrições à liberdade de expressão e a necessidade de cumprimento de obrigações consumeristas. Este trabalho buscará demonstrar também que as atividades em redes sociais, incluindo-se as de marketing de influência, devem ser pautadas por transparência, sendo que influenciadores devem ainda observar em suas comunicações publicitárias o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da confiança. Considerando que o uso de marketing de influência se tornou uma realidade, mas que ainda há pouco estudo sobre o tema, espera-se, com este artigo, auxiliar aplicadores do direito e atores da cadeia de publicidade a utilizarem essa forma de comunicação publicitária de maneira ética.
1.Introdução
De acordo com a empresa Google, 6 a cada 10 pessoas inscritas na plataforma Youtube preferem seguir conselhos de criadores de conteúdo no Youtube do que de suas celebridades de TV ou de filmes favoritas (O’Neil-Hart & Blumenstein, 2016). Especificamente sobre o Brasil, a Google também afirma que, nos últimos 4 anos, o consumo de vídeos online cresceu 135% e entre os 15 maiores canais do mundo no Youtube, dois são brasileiros: o da produtora musical Kondzilla e o do criador de conteúdo audiovisual Whindersson Nunes (Melo & Abibe, 2019). Tais canais possuem, respectivamente, 57,9 milhões (Youtube, s.d.).e 39,6 milhões de inscritos (Youtube, s.d.)1.
No mesmo sentido, o Interactive Advertising Bureau – IAB, rede de associações com representações em mais de 44 países, como Estados Unidos (EUA), Austrália, Cingapura, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Chile e México (IAB Brasil, 2020), por meio de sua entidade brasileira, publicou um estudo sobre impactos da COVID-19 no investimento de mídia brasileiro. Segundo tal estudo, 31% dos anunciantes consideram aumentar seus investimentos em publicidade em mídias sociais2 (IAB Brasil; Nielsen, 2020, p. 13).
O fenômeno por trás desses números chama-se marketing de influência, estratégia de comunicação que vem sendo utilizado pelo setor publicitário principalmente em redes sociais. Segundo dados da Neoreach, o mercado de marketing de influência, em 2019, estava estimado em 6.5 bilhões de dólares (Neoreach, 2019)3. Os chamados influenciadores digitais4, em conjunto com as marcas e empresas que o contratam, são os agentes que realizam o marketing de influência5.
Esse tipo de atividade vem gerando grandes debates sociais, uma vez que nem sempre publicidades realizadas por influenciadores digitais são claras ao público que os acompanha. Levantamento feito pelo Baptista Luz Advogados (2019, p.p. 14 e 15) demonstra que ao longo de 2018, 54 casos julgados pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) envolviam influenciadores digitais, com temas variados como identificação publicitária, influenciadores infantis, não recomendação de uso responsável de bebidas alcoólicas, entre outros.
Entretanto, essas discussões não impedem que, cada vez mais, os influenciadores digitais engajem em campanhas publicitárias como forma de auferirem remuneração (Subb, Nyström, & Colliander, 2019, p. 110). A relevância mercadológica, alinhada com a falta de clareza em relação às obrigações aplicáveis ao marketing de influência, demonstra a necessidade de aprofundamento da análise jurídica dessa prática comercial.
É isso que se busca com esse artigo. A pergunta de pesquisa que aqui se coloca é: o marketing de influência é uma forma de comunicação publicitária e por isso deve cumprir com as regras jurídicas aplicáveis à publicidade?
A partir de tal pergunta, desenvolveu-se a seguinte hipótese: os agentes que realizam marketing de influência devem cumprir com as regras jurídicas aplicadas à publicidade, mas não possuem a obrigação de observá-las quando estiverem realizando uma comunicação não publicitária (mesmo que econômica), porém devem, em todos os casos, serem transparentes sobre as comunicações que fizerem em redes sociais. A limitação metodológica para redes sociais relaciona-se ao fato de que este é o espaço em que influenciadores digitais comumente atuam6. Como “agentes que realizam marketing de influência” se entenderá todos os atores que atuam para que essa comunicação ocorra, como o anunciante, a agência de publicidade, o próprio influenciador digital, etc.
Para que se consiga, portanto, testar a referida hipótese será realizada pesquisa teórica e bibliográfica que se iniciará com explicação do significado do termo “influenciador digital” e com a apresentação de uma definição de trabalho para marketing de influência, com o intuito de melhor compreender este fenômeno.
Em seguida, considerando a hipótese estabelecida, tal comunicação será analisada na ótica publicitária, demonstrando-se quais as consequências jurídicas geradas ao influenciador, ao usuário de internet (consumidor) e ao anunciante (fornecedor) por conta desse cenário. Nesse sentido, serão discutidas restrições à liberdade de expressão, regulações consumeristas específicas ao setor publicitário e outras normas aplicáveis à publicidade.
Por fim, este trabalho buscará demonstrar, através de tais análises, que as atividades em redes sociais, devem ser pautadas por transparência, sendo que influenciadores devem ainda observar em suas comunicações publicitárias o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da confiança.
Ressalta-se que não se pretende esgotar o tema das atividades de marketing de influência neste artigo. Pelo contrário, o objetivo final deste trabalho é demonstrar como o marketing de influência é um fenômeno jurídico complexo que gera a necessidade de análise em diversas frentes.
2.O que significa ser um “influenciador digital”?
Antes de adentrarmos ao tema do marketing de influência, necessário compreender o agente que permite que este fenômeno aconteça: o influenciador digital.
Influenciadores digitais são usuários de redes sociais que conseguiram estabelecer, perante seu público, credibilidade em uma indústria específica através de suas atividades em mídias sociais (Subb, Nyström, & Colliander, 2019, p. 109). Influenciadores digitais são comumente remunerados através de parcerias com empresas e entidades privadas, nas quais o influenciador, em contrapartida do recebimento da remuneração (seja via pagamento ou recebimento de bens ou serviços), produz conteúdo a ser divulgado em suas mídias sociais, nos canais do anunciante e/ou em outras mídias de terceiros (Subb, Nyström, & Colliander, 2019, p. 110).
A lógica, em suma, é a seguinte: o influenciador digital é um usuário de internet que, por alguma razão, tem capacidade de influenciar as pessoas que o acompanham nas redes sociais, seja porque ele é um expert no tema que trata, pelo seu carisma, por fama anterior, ou qualquer outra razão. Com isso, entidades privadas utilizam tal capacidade do influenciador de influenciar terceiros para divulgarem seus bens, produtos e marcas, remunerando o influenciador por tal divulgação, via pagamento em dinheiro, ou mesmo em bens ou serviços.
Como exemplo de influenciadora digital, podemos citar a usuária de internet Camila Coelho que cria conteúdos sobre moda, beleza, estilo de vida, maquiagem, entre outros temas. Camila possui 8,8 milhões de seguidores em sua rede social Instagram7, o que demonstra a influência que essa usuária possui no seu ramo de atuação.
Ressalta-se que, por ser produtora de conteúdo para suas redes sociais, Camila Coelho já fala sobre os temas de seu interesse e influencia comportamentos de seu público mesmo sem contratos prévios com marcas. Pelo seu conhecimento na área, seus seguidores e pessoas que a acompanham, conseguem, via suas redes sociais, se informar sobre os temas discutidos pela influenciadora, bem como acompanhar aspectos de sua vida pessoal – é bastante comum que influenciadores digitais em redes sociais compartilhem suas vidas pessoais.
Para uma marca relacionada com os tópicos nos quais Camila se envolve, pode ser interessante vincular-se à influenciadora, utilizando de sua credibilidade e alto número de seguidores para que ela divulgue os produtos de tal marca. É o que fez, por exemplo, a marca Kérastase. No dia 27 de maio de 2020, Camila postou um conteúdo em seu Instagram, que parece ter sido produzido por ela, mostrando como ela cuida dos seus cabelos utilizando o produto “Genesis®” da Kérastase e utilizou a hashtag #ad para tornar claro o caráter patrocinado do conteúdo postado8 (adiante será demonstrado que esse tipo de identificação não é ideal) (Coelho, s.d.).
Note que Camila, por ser influenciadora digital de assuntos como beleza, poderia ter falado, de forma espontânea, do produto da Kerástase e influenciado seu público a consumir ou não tal produto, sem que a marca tivesse relação prévia com a referida postagem. Ela poderia, por exemplo, ter criticado sua qualidade ou o comparado com produto de marca concorrente para informar seus seguidores. Isso demonstra como a atuação de influenciadores vai além das parcerias feitas com marcas.
Nesse caso específico, a existência da #ad na postagem feita pela influenciadora, evidenciou que a Kerástase estabeleceu uma relação comercial com a Camila Coelho para que ela atuasse como porta-voz e modelo desta peça publicitária e, também, para que a conta da influenciadora na rede social fosse veículo de divulgação da campanha.
Analisando esse exemplo (que reflete a realidade do marketing de influência), verifica-se que o influenciador digital pode atuar em três frentes, inclusive de forma concomitante: (i) como produtor do conteúdo que será divulgado; (ii) como ator/modelo de conteúdo a ser divulgado; e/ou (iii) como veículo de divulgação, postando o conteúdo produzido em suas redes sociais.
Exemplificando: uma marca de tênis pode contratar um influenciador digital como parte da estratégia de marketing da empresa para que tal influenciador produza um conteúdo no qual ele apareça falando de forma positiva sobre o tênis da referida marca e poste em suas redes sociais para que tal comunicação atinja o público do influenciador. A contratação pode prever que a marca tem o direito de postar os conteúdos produzidos pelo influenciador também em suas redes sociais próprias ou, ao contrário, prever que tal postagem ocorrerá apenas nas redes sociais da marca. Nesse último cenário, o influenciador não utilizará suas próprias redes sociais para divulgar o produto; nesse caso, ele será contratado pela marca por sua credibilidade, não pelos seus seguidores diretos.
Por que marcas possuem o interesse de fazer esse tipo de contratação? O próprio significado do termo “influenciador digital” apresenta a resposta; este agente, por sua capacidade de influenciar terceiros, possivelmente, conseguirá ter algum tipo de sucesso em influenciar as pessoas que o acompanham (seja seus seguidores das redes sociais ou pessoas que consomem o conteúdo produzido pelo influenciador) para adquirir o produto, bem ou serviço que está sendo divulgado.
É comum tentarem definir o conceito de influenciador digital como alguém que possui um número relevante de seguidores em redes sociais, como foi feito por Connolly (2017). Porém, entende-se que um influenciador digital é quem, via suas redes sociais, é capaz de, ao compartilhar conteúdos, influenciar as pessoas que o acompanham. Um influenciador digital pode ter, por exemplo, 5.000 seguidores, mas engajá-los e influenciá-los de forma mais eficiente de que influenciadores digitais com mais de 50.000 seguidores. Em suma, na verdade, qualquer pessoa pode ser um influenciador digital, desde que consiga influenciar terceiros via suas redes sociais.
É o que explicou o influenciador Mr Coy em entrevista à BBC News. Segundo ele, há o crescimento mercadológico do chamado “micro-influenciador”, que são pessoas que tem menos seguidores, mas possuem seguidores de nicho. Ele afirmou que “se você deseja geo-localizar ou atingir determinadas áreas, marcas preferem fazer parcerias com 10 micro-influenciadores do que com um influenciador grande” (Kleinman, 2019).
Nesse sentido, para compreender se o influenciador digital exerce atividade comercial publicitária, o Federal Trade Comission (FTC)9 (2019) dos Estados Unidos publicou em novembro de 2019 um documento denominado “Disclosure 101 for Social Media Influencers” que se inicia fazendo a seguinte pergunta ao leitor do documento: “você trabalha com marcas para recomendar ou endossar produtos?”. Se a resposta for sim, tal usuário da internet provavelmente é um influenciador digital que pratica marketing de influência.
3.Afinal, o que é marketing de influência?
Uma vez compreendido o que é um influenciador digital, deve-se agora buscar compreender o fenômeno do marketing de influência para que se possa verificar se este é uma forma de comunicação publicitária. Infelizmente, destaca-se desde já que a pergunta título deste Capítulo não possui resposta clara e objetiva, pois o conceito de “marketing de influência” não foi ainda amplamente discutido academicamente (Bakker, 2018, p. 79). Assim, antes de se discutir tal conceito, é necessário apresentar os conceitos de marketing, publicidade e propaganda, para que, com isso, possa-se melhor compreender o fenômeno do marketing de influência.
Grinover et al. (2018, p. 261) definem “marketing”, dentro do âmbito jurídico, como a “interface entre a oferta e a demanda ou como o processo administrativo pelo qual os produtos são lançados adequadamente no mercado e através do qual são efetuadas transferências de propriedade”. Já Lucca (2008, p. 165) explica que marketing são os “métodos, técnicas e instrumentos que aproximam o consumidor dos produtos e serviços colocados a sua disposição no mercado pelos fornecedores”. Dias (2010, p.19), por sua vez, define como marketing “todas as atividades comerciais relacionadas à circulação de bens e serviços, desde a sua produção até o consumo final”. Dentro de tais atividades comerciais que formam o marketing, encontra-se a publicidade (Benjamin, 1994).
Existem diversas definições de publicidade como demonstram Grinover, et al (2018). Para este artigo, as definições trazidas por Dias (2010) auxiliam a compreensão dessa atividade. A autora define publicidade como “meio de divulgação de produtos e serviços com a finalidade de incentivar o seu consumo”, sendo a “forma clássica de tornar conhecido um produto, um serviço ou uma empresa com objetivo de despertar o interesse pela coisa anunciada, criar prestígio ao nome ou à marca do anunciante ou ainda difundir certo estilo de vida” (Dias, 2010, pp. 16, 17, 18). Isto é, trata-se de comunicação com objetivo comercial10.
Outra definição relevante para esse artigo é a de propaganda. A propaganda é definida pela doutrina especializada, como uma comunicação que possui um fim “ideológico, religioso, político ou social” (Grinover, et al., 2018, p. 322). A propaganda, em tese, seria técnica de persuasão, mas que “não possui intuito econômico a priori” (Dias, 2010, p. 17). A propaganda, assim, teria como objetivo a difusão de ideias, para promover a “adesão a certo sistema ideológico (político, social, religioso, econômico, governamental)” (Dias, 2010, p. 18).
Apesar de tal conceituação doutrinária, a Lei Federal n. 4.680/65, em seu artigo 5º, define como propaganda “qualquer forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado”. Nota-se que, com exceção do início do artigo que trata da difusão de ideias, o conceito legal apresentado em muito se assemelha à definição doutrinária de publicidade apresentada.
Na realidade, como pontuado por Dias (2010, p.18, 19) e por Lopes (1992, p. 2), apesar das definições doutrinárias, é comum que os termos propaganda e publicidade sejam utilizados de forma indistinta pelo direito positivo brasileiro. Até a própria Constituição Federal no §4º do artigo 22011 citou o termo propaganda quando na verdade, considerando o conceito doutrinário, deveria ter falado em publicidade.
Fato é que para o âmbito deste estudo, tais conceitos são importantes para se compreender o objetivo da comunicação, mas não faz parte do escopo deste trabalho buscar lógica (se alguma) por trás das definições legais. Em outras palavras, considerando que o objeto deste estudo é a comunicação com caráter comercial via marketing de influência, o termo utilizado – se publicidade ou propaganda ou marketing – importa menos e sim o que está “por trás” da comunicação – isto é, se a comunicação tem como objetivo a divulgação de marcas, mercadorias, produtos, serviços, bens etc.
Assim, se a comunicação possuir um caráter comercial de divulgação de marcas, mercadorias, produtos, serviços, bens etc., independentemente do termo utilizado, seja propaganda ou publicidade, será entendido, para os fins deste artigo, que esse tipo de comunicação está no bojo deste estudo. No entanto, para que seja mantida a relação com a doutrina especializada apresentada acima, será utilizado neste artigo o termo publicidade para comunicações que tenham como objetivo fins comerciais.
Entende-se, porém, que há mais um elemento essencial para se definir o que é publicidade no âmbito jurídico: ela precisa ter sido contratada, mesmo que informalmente. Assim, entende-se que o artigo 5º da Lei Federal n. 4.680/65 acerta ao falar que propaganda (inclui-se aqui o conceito doutrinário de publicidade) deve ser remunerada por um anunciante identificado.
Esse requisito é essencial para que se possa entender os limites da liberdade de expressão e da comunicação publicitária. Exemplificando: um usuário de internet que fala bem de um produto para recomendá-lo aos seus consumidores não está realizando comunicação publicitária, mas um usuário de internet que é remunerado pelo anunciante para realizar a comunicação, está – isso é verdade mesmo que ambas as comunicações sejam idênticas. Em suma, entende-se que, para se qualificar algo como publicidade, para fins legais, é necessário que o comunicador tenha sido contratado para realizá-la.
No mesmo sentido, e resumindo a exposição conceitual supra, o item a do artigo 18 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP)12 editado pelo Conar prevê a seguinte definição de anúncio para fins de aplicação das regras do Código:
“a palavra anúncio é aplicada em seu sentido lato, abrangendo qualquer espécie de publicidade, seja qual for o meio que a veicule. Embalagens, rótulos, folhetos e material de ponto-de venda são, para esse efeito, formas de publicidade. A palavra anúncio só abrange, toda via, a publicidade realizada em espaço ou tempo pagos pelo Anunciante;”.
Assim, juridicamente, a comunicação se tornará publicitária se o anunciante tiver pago – independentemente do formato -, pela veiculação do conteúdo publicitário. Esse “pagamento” não precisa ser financeiro e, muito menos, ter sido formalizado em documento contratual. Por exemplo, o mero envio de produtos da marca, em contrapartida da negociação para realização de postagens pelo influenciador digital, configura uma contratação de publicidade.
Com essa contextualização inicial feita, apresenta-se a definição de marketing de influência desenvolvida por Bakker (2018, p. 80): “marketing de influência é definido como um processo no marketing digital onde líderes de opinião (influenciadores) são identificados e então integrados dentro de uma comunicação de marca em plataformas de mídia social”. Outra definição apresentada pelo autor é que marketing de influência é “uma forma digital e paga de marketing ‘boca-a-boca’ onde a comunicação ocorre em canais de mídia social“13 (Bakker, 2018, p. 80).
Considerando as definições de marketing, publicidade e propaganda apresentadas, marketing de influência se mostra como uma estratégia de comunicação publicitária cujo objetivo é a divulgação de produtos, serviços, marcas, ideias, etc.
Entretanto, entende-se que o marketing de influência não tem como propósito a “circulação de bens e serviços, desde a sua produção até o consumo final” (Dias, 2010, p. 19), da mesma forma que tem o marketing, conforme conceito doutrinário ora apresentado. Em outras palavras, apesar do termo utilizado pelos agentes do mercado ser “marketing de influência”, este tipo de atividade é mais restrita do que a atividade de marketing. Assim, pode-se afirmar que o marketing de influência, como forma de publicidade, é uma espécie do gênero marketing.
Sobre as definições de Bakker (2018, p.80) verifica-se três elementos importantes nelas contidos: (i) o influenciador como um líder de opinião; (ii) o marketing de influência como uma forma de comunicação de marca que ocorre em mídias sociais; e (iii) a comunicação paga do marketing de influência. O primeiro item muito se relaciona com o Capítulo 2 deste artigo, isto é, a credibilidade do influenciador digital que o permite ser um líder de opinião e influenciar seus seguidores.
Por sua vez, o segundo item delimita o meio no qual o influenciador digital atua, isto é, em suas redes sociais. Por fim, a definição apresentada expõe a necessidade da comunicação feita pelo influenciador digital ter sido contratada e remunerada (independentemente da forma) para ser considerada publicitária, na linha do disposto no artigo 5º da Lei Federal n. 4.680/6514.
Isso não significa que influenciadores digitais não utilizam outras mídias para se comunicarem – inclusive, bastante comum que apareçam em sites, revistas e até mesmo na televisão15 – (GSHOW, 2019), mas o foco da comunicação do marketing de influência, atualmente, é em redes sociais. Isso porque é este é o espaço no qual o influenciador mais se aproxima de seu público, tendo uma comunicação próxima a ele, permitindo que seus seguidores reajam diretamente às suas publicações, com curtidas, comentários e compartilhamentos. Esse caráter de proximidade entre o influenciador digital e seu público é relevante para que o influenciador possa, de fato, influenciar.
Ressalta-se, por fim, que as definições apresentadas formam apenas uma ferramenta de trabalho; não se busca com elas encerrar o debate ou entende-las como definição definitiva. Pelo contrário, entende-se, por todos os pontos levantados até agora, que é necessário maior estudo nessa área.
4.Marketing de influência como estratégia de comunicação publicitária
Uma vez compreendido o marketing de influência como fenômeno que ocorre no âmbito da esfera publicitária, cabe analisar o que isso significa em termos práticos. Lembra-se a pergunta de pesquisa deste trabalho: o marketing de influência é uma forma de comunicação publicitária e por isso deve cumprir com as regras jurídicas aplicáveis à publicidade?
Em resumo, respondendo a referida pergunta, sim, o marketing de influência é uma forma de comunicação publicitária e sim, os atores da cadeia publicitária, ao realizarem marketing de influência, passam a ter deveres e obrigações jurídicas a cumprir por conta do caráter publicitário da comunicação, principalmente no âmbito de esfera consumerista16.
A atividade publicitária é atividade econômica, regida pelos princípios da livre iniciativa e livre concorrência (Dias, 2010, p. 30) e possui prerrogativas de liberdade de expressão e vedação à censura prévia (Toffoli, 2011, p. 66; Dias, 2010, p. 30). Porém, por óbvio, tais direitos não significam que a liberdade de expressão publicitária é absoluta. Pelo contrário, a própria Constituição Federal no §4º do artigo 22017 criou limitações à publicidade comercial. Em suma, como explicado por Tofolli (2011, p. 67) existe a necessidade de se
(…) disciplinar, de forma ponderada, de um lado o direito ao exercício da atividade de propaganda e publicidade e de outro preservar os direitos da sociedade brasileira com as restrições previstas no texto constitucional.
Assim, diversas obrigações legais foram criadas, acertadamente, para que a atividade publicitária atuasse para preservar os direitos da sociedade brasileira. Normativas como o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Federal n. 9.294/96 que trata das restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, são exemplos de tais limitações. O regramento da publicidade busca, assim, controlar excessos e abusos e não afrontar o direito à livre manifestação e criação publicitária (Grinover, et al., 2018, p. 320).
No Brasil, a publicidade é controlada por meio de um sistema misto (Benjamin, 1994, p. 11) que envolve tanto a atuação estatal, como a atuação de organismos autorregulamentares, como é o caso do Conar e do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (Grinover, et al., 2018, p. 319). Como explica Dias (2010, p. 37), o Conar foi criado no final dos anos 70, “com a finalidade de zelar pela liberdade de expressão comercial e pela ética na publicidade, defendendo, ao mesmo tempo, os interesses dos profissionais e dos consumidores”.
Tendo em vista que marketing de influência é estratégia de comunicação publicitária (não apenas estratégia de marketing), como já explicado, ele faz parte do arcabouço jurídico da publicidade e ao ser utilizado, deve observar tal arcabouço integralmente. Não haveria qualquer razão para exclui-lo dele e, exatamente pela considerável capacidade do marketing de influência de influenciar ações dos consumidores, essa observância se torna ainda mais importante.
4.1.Marketing de influência como comunicação publicitária e suas implicações jurídicas
O marketing de influência como estratégia publicitária requer a observância de todo o arcabouço jurídico aplicável para sua realização. A seguir, se demonstrará os principais aspectos legais que se relacionam à tal prática.
4.1.1.A boa-fé no Código de Defesa do Consumidor e o marketing de influência
O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor – Lei Federal n. 8.078/90 (CDC) prevê que é princípio consumerista o “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”. Essa vulnerabilidade, faz com que as relações entre consumidor – conforme definição dos artigos 2º18 e 2919 do CDC – e fornecedor20 devam ser pautadas pela boa-fé objetiva21 desde o seu início, o que inclui, também, a fase da publicidade. Inclusive, a boa-fé objetiva é prevista no inciso III, do item d, do artigo 4º do CDC.
A aplicação da boa-fé objetiva na publicidade gera a incidência de dois outros princípios: os princípios da confiança e transparência (Grinover, et al., 2018, p. 275) (Dias, 2010, p. 55).
A transparência (prevista no caput do artigo 4º do CDC) aparece no direito do consumidor, com objetivo de tutelar a posição de vulnerabilidade do consumidor (Martins-Costa, 2018), tendo em vista que todas as informações sobre a empresa, marca, produto ou serviço estão apenas com o fornecedor, isto é, o anunciante da comunicação publicitária22. Assim, o princípio da transparência está relacionado ao reequilíbrio das relações de consumo (Marques, 2019), pois obriga o anunciante a passar ao consumidor as informações que ele deve saber sobre o referido produto ou serviço que está sendo anunciado. Por óbvio, a comunicação publicitária possui um grande papel em garantir essa transparência23.
Ressalta-se que o princípio da transparência se aplica também sobre o caráter publicitário da comunicação – o consumidor precisa entender que a comunicação que ele está recebendo é publicitária e isso deve ocorrer de forma transparente. Isso vale para o marketing de influência enquanto comunicação publicitária; ela precisa ser transparente em seu conteúdo e o consumidor padrão (considerando o contexto da mensagem publicitária, o seu teor e o público almejado), que no caso da internet é usuário da rede social, precisa conseguir identificá-la como publicidade.
O princípio da confiança também é proveniente da boa-fé objetiva (Martins-Costa, 2018). O consumidor, como parte vulnerável da relação, deve poder confiar tanto no fornecedor quanto na mensagem publicitária que recebe, de forma a buscar o equilíbrio das relações consumeristas (inciso III, item d do artigo 4º do CDC). Considerando o marketing de influência, o consumidor (usuário da internet que acompanha o influenciador digital) deve poder confiar no que é comunicado pelo influenciador digital no âmbito de uma publicidade contratada por um fornecedor anunciante.
4.1.2.O princípio da identificação publicitária e o marketing de influência
A publicidade no CDC é prevista a partir da Seção III do Capítulo V. Para fins de interpretação do conceito de publicidade no âmbito de aplicação do CDC, se utilizará a definição de anúncio trazida pelo Conar por resumir de forma clara a discussão trazida no Capítulo 3 deste artigo24.
Com fundamento nos princípios da transparência e confiança citados, provenientes da boa-fé objetiva (Marques, Benjamin, & Miragem, 2019; Dias, 2010, p. 60), o artigo 36 do CDC positiva o princípio da identificação publicitária e prevê que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente a identifique como tal”. Segundo este artigo, não é aceita qualquer publicidade subliminar ou clandestina (Grinover, et al., 2018, p. 331), sendo que o consumidor deve conseguir compreender que a comunicação recebida é publicitária “sem esforço ou exigência de capacitação técnica e no momento de sua veiculação” (Dias, 2010, p. 61). O consumidor, assim, tem o direito de saber que está diante de uma publicidade (Bessa & De Moura, 2014, p. 155).
O princípio da identificação publicitária, apesar de importantíssimo, ainda não é plenamente respeitado pelos agentes que realizam marketing de influência. Para entender este cenário, vamos recapitular como funciona o marketing de influência: as marcas aproveitam da capacidade de um influenciador em influenciar terceiros e buscam utilizar isso em sua comunicação publicitária.
Exemplificando: um influenciador digital especializado em esportes tem um nicho de seguidores que se interessam pelos conteúdos esportivos postados por tal influenciador. Se tal pessoa, com esse nível de credibilidade, endossa um produto espontaneamente, seus seguidores tenderão a entender que tal produto possui qualidade elevada, pois um especialista está o recomendando.
Porém, quando a comunicação é publicitária, perde-se a perspectiva da espontaneidade, isto é, o influenciador digital, por mais que goste do produto que comunicará, o estará fazendo, em última instância, porque foi contratado para tanto. Nesse caso, se o conteúdo não for claro que é publicitário, o consumidor é induzido ao erro porque sem saber que a comunicação é publicitária, entenderá que aquela é neutra e desinteressada, sendo assim, mais influente (Dias, 2010, p. 208).
Não é preciso muito exercício teórico para se entender essa lógica: se você consumidor está procurando uma televisão para comprar e busca a opinião de especialistas, tenderá a acreditar nas opiniões de especialistas neutros que objetivamente analisaram o produto e não de pessoas que foram pagas para falar sobre alguma televisão.
Outro ponto importante relacionado à identificação publicitária é que muito comumente são utilizadas hashtags em redes sociais para tornar claro que o conteúdo é publicitário. No exemplo supra usado no Capítulo 2 que menciona a influenciadora digital Camila Coelho, pontuou-se que ela usou a hashtag #ad para tornar claro que o conteúdo de sua comunicação era publicitário.
O CDC, por bem, não definiu como deve ser feita a identificação publicitária, pois cada tipo de veículo, cada tipo de comunicação, cada tipo de consumidor, poderá gerar uma interpretação diferente de como uma publicidade pode ser fácil e imediatamente identificada como tal. Não faria sentido o CDC prever regras detalhadas e específicas, pois a comunicação publicitária – principalmente com a internet – é mutante. Assim, acerta o CDC ao fazer da identificação publicitária um princípio baseado na boa-fé objetiva, transparência e confiança (Grinover, et al., 2018, p. 265)
Assim, o uso de hashtags pode ser uma medida para se cumprir com a obrigação legal de identificação publicitária, porém em caso de hashtags utilizadas de forma escondidas no texto do conteúdo, em inglês (como no caso da hashtag #ad), ocultadas e/ou abreviadas (como no caso da hashtag #publi), entende-se que há o risco do princípio da identificação publicitária não estar sendo respeitado, pois o consumidor não tem a obrigação de ficar “procurando” dentro do conteúdo a informação de que aquela comunicação é publicitária, conhecer outra língua ou conhecer abreviações. Aqui, entende-se que o melhor caminho é buscar agir de acordo com os princípios da transparência e confiança, fazendo uma análise casuística da comunicação publicitária, sempre buscando deixar claro o teor publicitário ao consumidor.
O CBAP também se preocupa com esse tema. Seu artigo 28 prevê que o “anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação” e o artigo 23 prevê que os “anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade”.
Para fins de entendimento do princípio da identificação publicitária dentro do marketing de influência, os artigos do CBAP supramencionados ajudam a compreender a razão de ser da regra. Em primeiro lugar, é direito do consumidor entender que a comunicação que ele está recebendo é publicitária para que ele possa compreender o que fará em relação àquela comunicação. Em segundo lugar, influenciadores digitais possuem uma relação de confiança com seus seguidores e pessoas que o acompanham – eles os acompanham, em tese, por acreditarem na credibilidade daquele influenciador. Ora, se o influenciador digital não é transparente com o consumidor em relação a determinado conteúdo por ele postado, que na verdade é parte de uma estratégia de comunicação publicitária, ele, em conjunto com o anunciante, estarão abusando da confiança do consumidor, explorando a falta de conhecimento da relação estabelecida de forma oculta entre influenciador e anunciante e se beneficiando da credulidade do consumidor. Em suma, o influenciador e o anunciante não estarão sendo éticos e transparentes, atuando contrariamente à boa-fé objetiva.
Assim, apesar desses artigos estarem previstos no CBAP, que é norma de autorregulação, e não possui meios de enforcement geral, entende-se que ambos os artigos 23 e 28 na verdade são traduções dos princípios da boa-fé objetiva e transparência supracitados, estes sim, regras postas previstas no CDC.
Nesse sentido, há diversos casos dentro do Conar, julgados em âmbito de autorregulação, sobre o tema da identificação publicitária. Como exemplo, cita-se o seguinte caso presente na Representação 120/18:
“Consumidoras de Itabuna (BA), Porto Trombetas (PA), São Paulo e São José dos Campos (SP) reclamaram ao Conar contra postagem em redes sociais de blogueira promovendo chá, com promessas de benefícios físicos sem a devida comprovação. Também consideraram que o proposito publicitário das postagens não ficou evidente, como recomendado pelo Código. Em defesa, a blogueira e a anunciante alegaram tratar-se de mídia espontânea, sendo a blogueira remunerada com “presentes”. Em não sendo publicidade, alegou a Desinchá, não haveria necessidade de comprovar os benefícios prometidos. A relatora não aceitou estes e outros argumentos da defesa, lembrando que na jurisprudência do Conar a inexistência de negociação comercial formal entre as partes não as dispensa de seguir as recomendações da ética publicitária. Considerou também que as promessas da postagens não só demandam comprovação cientifica como não podem ser feitas por pessoa leiga, em conformidade com o Anexo G do Código. Por isso, recomendou a sustação das postagens agravada por advertência à Desinchá e Juju Norremose. Seu voto foi aceito por unanimidade.” [(grifos nossos)]
Este caso é interessante por algumas razões. Primeiramente, o fato de consumidoras terem denunciado o caso demonstra que usuários das redes sociais tendem a entender que nem sempre os conteúdos postados por influenciadores digitais são espontâneos.
Em segundo lugar, o caso torna claro que a remuneração pela comunicação publicitária não precisa ser paga através de dinheiro – presentes são uma forma de remuneração. Note: uma relação comercial, mesmo que não seja formalizada, é suficiente para configurar uma relação comercial publicitária, se em contrapartida do recebimento da remuneração, existir a obrigação do influenciador digital em realizar divulgação dos produtos, marcas, serviços etc., do anunciante.
Por fim, verificou-se que o anúncio veiculado não cumpriu com as regras do Conar relacionadas à comprovação científica de benefícios do produto. Como comunicação publicitária, a postagem da influenciadora não pode se esquivar dessa obrigação, que também está presente no CDC. É sobre as outras obrigações além da identificação publicitária que se passará a tratar.
4.1.3.Mas e o resto?
Uma vez que um conteúdo gerado por um influenciador digital fizer parte de uma comunicação publicitária, esse influenciador, bem como o anunciante que o contratou, deverá garantir que todos os aspectos dessa comunicação estão de acordo com as normas jurídicas aplicáveis.
Em outras palavras, além do princípio da identificação publicitária, existem diversas outras regras e princípios relacionados à publicidade que devem ser observados pelos agentes que atuam com marketing de influência. A título de exemplificação, são aplicáveis à publicidade os seguinte princípios do CDC: princípio da veracidade (art. 37 §§ 1º e 3º); princípio da transparência da fundamentação (art. 36, parágrafo único), princípio da vinculação contratual da publicidade (art. 30), princípio da não abusividade da publicidade (art. 37 §2º); princípio do ônus da prova a cargo do fornecedor (art. 38); e princípio da correção do desvio publicitário (arts. 56 XII e 60) (Dias, 2010, p. 52)25.
Além de tais princípios, há também legislações e regras para setores específicos, como ocorre com a Lei Federal n. 9.294/96 que trata das restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas; a RDC 96/2008 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária sobre publicidade de medicamentos; as limitações para realização de promoções comerciais previstas na Portaria 41/2008 do atual Ministério da Economia, entre tantas outras. Ademais, há as regras previstas no CBAP, que contém 50 artigos e 22 anexos para categorias especiais de anúncios, com inúmeras regras de autorregulação aplicáveis desde à publicidade de veículos motorizados até a publicidades sobre bebidas alcoólicas.
Além de todas essas regras, os atores da cadeia publicitária que atuarem com marketing de influência devem estar cientes das normas das plataformas que irão utilizar para realizar tal atividade. Instagram, Facebook, Twitter, Linkedin, Youtube, TikTok, entre outras, possuem termos de uso aplicáveis a sua utilização que devem ser observados por seus usuários, incluindo-se influenciadores digitais. Caso essas regras das plataformas não sejam observadas, é possível que o conteúdo de marketing de influência acabe sendo retirado do ar. O Facebook, por exemplo, possui uma extensa Política de Publicidade que deve ser cumprida por seus usuários (Facebook, 2020).
4.2.Compartilhamento de conteúdo
Para aprofundamento sobre tais princípios e outras regras aplicadas ao setor publicitário, recomenda-se a leitura de Dias (2010), Grinover, et al, (2018) e Marques, Bejamin & Miragem (2019).
Além de todas essas regras e obrigações, também é importante tecer alguns breves comentários sobre compartilhamento de conteúdo em redes sociais: as chamadas repostagens. As repostagens são compartilhamentos de conteúdo de forma igual ao que foi postado ou com algum acréscimo por quem irá repostar. É uma forma, assim, de viralizar conteúdos em redes sociais.
Pois bem, tais repostagens, quando realizadas no âmbito de campanhas publicitárias, precisam de prévia autorização de seus titulares para serem realizadas, conforme previsto no inciso X do artigo 29 da Lei Federal n. 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais)26. Igualmente, a Lei de Propriedade Industrial veda o uso de marcas de terceiro sem autorização do titular, podendo configurar, inclusive, crime contra marca (artigo 189 da Lei Federal 9.279/96 – LPI)27.
No mesmo sentido, o artigo 11 do Código Civil prevê que os direitos da personalidade – que incluem imagem, nome e voz – são intransmissíveis e irrenunciáveis, de tal forma que o artigo 18 do Código Civil prevê que “sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial”. Com base em tais dispositivos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça avançou para prever na Súmula 403 do Tribunal que “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”.
Assim, analisando tais dispositivos, resta claro que marcas não podem usar conteúdos produzidos por terceiros e postados em redes sociais para fins publicitários sem autorização de tais terceiros. Isso significa, por exemplo, que caso um influenciador digital, espontaneamente, fale bem de uma marca, ela deverá pedir autorização do influenciador para utilizar tal conteúdo, sob pena de ser responsabilizada tanto na perspectiva dos direitos de propriedade intelectual, quanto na perspectiva civil por infração a direitos da personalidade. Da mesma forma, caso um influenciador digital seja contratado para elaborar um conteúdo e um amigo dele acabe aparecendo também, o anunciante deve buscar garantias contratuais de que tal amigo autorizou o uso de seus direitos da personalidade pelo anunciante.
Em suma, para veicular um conteúdo com fins publicitários, o anunciante precisa ter autorização de todos os titulares de direitos que possam ser aplicáveis a tal conteúdo e tal regra é aplicável a compartilhamentos e repostagens.
5.Transparência na comunicação
Muito se falou das regras aplicadas ao influenciador digital quando ele pratica marketing de influência. Porém um ponto deve se tornar claro: fora de uma campanha publicitária, o usuário de internet que atua como influenciador digital, terá as prerrogativas de liberdade de expressão que são restringidas no caso de uma comunicação publicitária.
Para facilitar o entendimento, cita-se dois exemplos: de acordo com o inciso III artigo 46 da Lei de Direitos Autorais, não constitui ofensa a direitos autorais a citação de passagens de outras obras “para fins de estudo crítica, ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra”28.mesma forma, um usuário de internet que também atua como influenciador digital pode comparar subjetivamente marcas e produtos colocados no mercado, pois não é infração ao registro de marca, a citação de marca em discurso se este não tiver conotação comercial e não ocorrer prejuízo ao caráter distintivo da marca (inciso IV do artigo 132 da LPI)29.
Em suma, quando um usuário de internet está realizando atividades de marketing de influência, ele não pode citar obras de terceiro, nem comparar subjetivamente marcas e produtos. De outro lado, quando não está atuando no âmbito de uma campanha publicitária, desde que respeite os limites da legislação, o usuário da internet pode realizar tal ação.
A situação se torna mais complexa quando o usuário de internet recebe produtos ou serviços de alguma marca e não possui a obrigação de realizar qualquer conteúdo. A marca os envia para criar uma relação com tal usuário e espera que eventualmente ele mencione tal produto ou serviço em suas redes sociais, mas o usuário não é obrigado a fazê-lo. Essa prática é comumente chamada de envio de “recebidos” para influenciadores digitais.
Para o influenciador também há um racional econômico em realizar postagens sobre os “recebidos”, pois isso incentivará a marca a mandar mais produtos ou serviços e, eventualmente, até contratar uma parceria remunerada. Porém, nesse cenário, não há nenhuma obrigação do influenciador digital em divulgar os “recebidos” e, se postá-los, pode até falar de forma negativa sobre o que recebeu.
A grande dificuldade posta é que se o influenciador digital não for claro sobre o contexto da publicação acerca do “recebido”, o público que o acompanha poderá achar que aquele produto está sendo endossado apenas porque o influenciador o acha bom, quando, na verdade, pode existir um interesse econômico por trás causando tal comunicação, como, por exemplo, incentivar a marca a mandar mais produtos.
Como não há contratação prévia de divulgação dos produtos ou serviços, a publicação sobre “recebidos” não é publicidade. Lembre-se, segundo o artigo 5º da Lei Federal n. 4.680/65 propaganda (e publicidade) é “qualquer forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado”. No caso do “recebido” não há remuneração para difusão de mensagem publicitária, há o envio pelo anunciante de produtos e serviços como liberalidade, mas que podem acabar sendo divulgados, também como liberalidade do influenciador.
Isso não significa, porém, que o influenciador digital possui liberdade de expressão absoluta para falar em suas redes sociais, incluindo-se sobre “recebidos”, pois a transparência na comunicação não é princípio apenas consumerista. O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) prevê no inciso II de seu artigo 4º que a “disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção” do “acesso à informação, ao conhecimento”. Ora, é direito do usuário da internet ter acesso à informação verídica, principalmente se isso pode influenciar seu hábito de consumo.
Explica-se: a transparência e veracidade na internet são essenciais para proteger os usuários de receberem informações incompletas que podem afetar suas decisões. No exemplo dos “recebidos”, isso não significa dizer que o influenciador digital deve cumprir com todas as obrigações aplicáveis à publicidade, como o CDC e o CBAP, entre outras, quando for falar sobre um “recebido”. Significa, por sua vez, que se há um interesse do influenciador, econômico ou não, para fazer uma postagem sobre um “recebido” que não é claro ao usuário de internet, o influenciador digital deve ser transparente sobre o contexto que o fez comentar sobre aquele produto, bem, serviço, marca, pois o usuário de internet só terá a informação completa se o influenciador passar a ele e, uma vez que tal informação pode influenciar suas escolhas futuras, é direito do usuário ter acesso a ela.
Nota-se que essa não é uma preocupação apenas brasileira. Como dito no início deste artigo, o FTC fez um documento inteiro direcionado à divulgação de comunicações feitas por influenciadores digitais (Federal Trade Comission, 2019). Para o órgão, o influenciador digital deve sempre tornar claro qualquer relação financeira, empregatícia, pessoal ou familiar com uma marca. Assim, vai além do “recebido”.
A lógica do FTC é prezar pela transparência da comunicação realizada pelo influenciador digital. Por exemplo, caso o influenciador seja da família da marca que está divulgando, ele tem uma razão pessoal para divulgá-la e qualquer comunicação relacionada a tal marca, desde o início, não é neutra. Da mesma forma, caso o influenciador tenha um interesse econômico para divulgar produtos da marca, como no caso dos “recebidos”, é importante que o usuário da internet esteja informado deste contexto.
É claro que o que significa ser transparente é subjetivo e os limites dessa transparência são pouco claros, até mesmo porque na internet contextos se embaralham; um usuário da internet pode usar sua conta nas redes sociais para exercer seu direito à liberdade de expressão, mas também pode usá-la para publicar conteúdo de uma campanha publicitária.
Relembra-se, assim, o final da hipótese ora construída: os agentes que realizam marketing de influência não possuem a obrigação de observar as regras jurídicas aplicadas à publicidade quando estiverem realizando uma comunicação não publicitária (mesmo que econômica), porém devem, em todos os casos, serem transparentes sobre as comunicações que fizerem em redes sociais.
Dessa forma, conclui-se que usuários de internet, incluindo-se influenciadores digitais, não podem fazer qualquer tipo de comunicação em redes sociais. O uso de tais redes deve ser consciente e transparente, principalmente quando feito por pessoas com tanta capacidade de influenciar terceiros. Se preocupar com o teor do que é disponibilizado em redes sociais é essencial para que o uso da internet seja democrático e isso atinge, por óbvio, influenciadores digitais30.
Essa conclusão, porém, deixa vários pontos em aberto, como, por exemplo: o influenciador digital tem a obrigação de falar tudo que recebe em sua residência ou apenas deve deixar claro que recebeu gratuitamente o produto quando for falar dele? Se um usuário da internet fala uma informação inverídica sobre um produto, ele pode ser responsabilizado por tal informação? Como? Quais são os limites de uma comunicação controversa e uma comunicação falsa? Se o usuário também realiza marketing de influência, as respostas dessas perguntas são diferentes? Não se espera responder essas perguntas com esse artigo, mas sim demonstrar como este tema é complexo.
O que é certo, porém, é que transparência e veracidade nas comunicações é indispensável para que o direito à informação na internet seja atingido; isso vale tanto para influenciadores digitais, bem como para qualquer usuário na internet. Em suma, seja transparente em suas comunicações.
6.Conclusão
Muitos conceitos foram apresentados e discutidos no âmbito deste artigo. Cabe, então, recapitulá-los brevemente nessa conclusão.
A pergunta de pesquisa que foi apresentada era a seguinte: o marketing de influência é uma forma de comunicação publicitária e por isso deve cumprir com as regras jurídicas aplicáveis à publicidade? Já a hipótese construída com base em tal pergunta foi: os agentes que realizam marketing de influência devem cumprir com as regras jurídicas aplicadas à publicidade, mas não possuem a obrigação de observá-las quando estiverem realizando uma comunicação não publicitária (mesmo que econômica), porém devem, em todos os casos, serem transparentes sobre as comunicações que fizerem em redes sociais.
Primeiramente, para que fosse possível responder tal pergunta e testar a referida hipótese, foi explicado o significado do termo “influenciador digital”. De uma forma geral, compreendeu-se que se trata de usuários de redes sociais que conseguiram estabelecer, perante seu público, credibilidade em uma indústria específica através de suas atividades em mídias sociais (Subb, Nyström, & Colliander, 2019, p. 109).
Os influenciadores digitais, por sua capacidade de influenciar o público que os acompanha acabam sendo contratados por empresas para que façam parte de suas estratégias de comunicação publicitária para divulgação de marcas, produtos, bens ou serviços. Essa atividade é chamada de marketing de influência.
Por ser comunicação publicitária, demonstrou-se que se aplica ao marketing de influência as normativas aplicáveis ao setor publicitário. Não se trata de restrição desmedida à liberdade de expressão e sim equilíbrio entre interesses conflitantes (liberdade de iniciativa e liberdade de expressão X proteção ao mercado consumidor). Assim, respondeu-se à pergunta de pesquisa ora elaborada.
Entre as normativas aplicáveis ao marketing de influência ressalta-se a importância das regras dispostas no CDC. Evidenciou-se que os influenciadores digitais e anunciantes que utilizam dessa técnica de comunicação publicitária devem pautar suas atuações em observância ao princípio da boa-fé objetiva que, por sua vez, implica na aplicação dos princípios da transparência e confiança.
Desses princípios, aparece outro: o da identificação publicitária. Verificou-se que pela estrutura do mercado de marketing de influência, em que o influenciador se utiliza das suas próprias redes para veicular conteúdo publicitário, a observância da identificação publicitária pelos agentes que atuam com marketing de influência se mostra fundamental.
Mas não é só essa obrigação aplicável aos agentes que atuam com marketing de influência. As normas previstas no CDC sobre publicidade, regras setoriais publicitárias, regulações publicitárias, normativas de autorregulamentação do Conar, entre outras, são aplicadas a tais agentes quando eles, via marketing de influência, realizam comunicação publicitária. No mesmo sentido, ressaltou-se a importância de que nas atividades de marketing de influência sejam respeitados direitos de terceiros, como direitos de propriedade intelectual e direitos da personalidade.
Assim, comprovou-se a primeira parte da hipótese deste trabalho. Em relação à segunda, foram analisadas as comunicações não publicitárias, mas que possuem fins econômicos, como é o caso dos chamados “recebidos”. Apesar de se defender que nesse tipo de comunicação não incidem as normas aplicáveis ao setor publicitário, entende-se que é dever do influenciador ser transparente em suas comunicações, por conta do direito à informação na internet e especialmente pela capacidade do influenciador digital de influenciar comportamentos de terceiros.
Este artigo tratou de temas importantes relacionados ao marketing de influência e à comunicação publicitária, mas está muito longe de ter esgotado o tema. Tópicos como o estudo da definição de marketing de influência; impactos dos influenciadores digitais em fake news; influenciadores digitais infantis; cuidados contratuais a serem observados nesse tipo de contratação; responsabilização do influenciador digital pelo conteúdo veiculado por ele; formas de tornar o conteúdo publicitário transparente, entre outros precisam ser aprofundados academicamente para que esse fenômeno seja compreendido e endereçado considerando interesses sociais. Assim, concluo este trabalho afirmando: ainda falta muito para entendermos as implicações jurídicas do marketing de influência, mas é isso que o torna interessante.
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