Resumo
O presente artigo visa discutir a utilização de técnicas de rastreio de aparelhos celulares pelo Estado no curso da pandemia do Covid-19 como forma de controle do deslocamento populacional e do cumprimento de medidas de isolamento social. Por meio da análise de dados de georreferenciamento de aparelhos celulares, ora levantados por empresas de tecnologia, ora pelo registro do deslocamento dos aparelhos de telefonia móvel por empresas do setor, foi possível aos órgãos estatais responsáveis pelo controle da pandemia identificar tendências de mobilidade e de aceitação das medidas de isolamento social que, por sua natureza interventiva, podem afetar liberdades individuais. Com o objetivo de estudar a existência de eventual conflito entre o direito à saúde e o exercício de garantias fundamentais como a privacidade e o sigilo de dados, propõe-se nesta pesquisa a análise do tema sob a ótica dos dois princípios de justiça definidos pelo filósofo político John Rawls na obra “Uma Teoria da Justiça” (1971), refletindo em qual medida é possível limitar liberdades fundamentais em prol do bem-estar da sociedade num contexto de crise sanitária mundial que tende a aumentar a desigualdade econômica e social num futuro próximo.
1.Introdução
O presente artigo objetiva analisar a utilização pelo Estado de dados de georreferenciamento oriundos de aparelhos celulares como forma de controle do cumprimento das medidas de isolamento social pela população, sob a ótica dos princípios de justiça formulados pelo filósofo John Rawls.
A visão do problema sob a ótica da teoria rawlsiana é justificada pela necessidade de reflexão das limitações de liberdades fundamentais em razão de uma tutela coletiva emergencial, decorrente do impacto da pandemia do Covid-19. É certo que a imposição de controle da movimentação das pessoas no meio social como importante medida para evitar o contágio do coronavírus é vista no mundo científico como importante instrumento de combate à disseminação da doença, contudo, também é preciso pensar, sob a ótica do autor, acerca do impacto da escolha coletiva em detrimento da liberdade do indivíduo.
Como marco teórico, será utilizada a obra “Uma teoria da Justiça”, de John Rawls, autor responsável por elaborar uma sofisticada concepção de princípios de justiça que norteiam os primados das instituições da estrutura básica da sociedade, numa perspectiva inovadora da justiça como equidade.
No tocante à metodologia, o artigo está estruturado em pesquisa doutrinária, especialmente do campo da filosofia política, bem como de outras referências bibliográficas veiculadas à pandemia da Covid-19 e à tutela do direito à privacidade.
2.Da nova ordem estabelecida pelo surgimento do coronavírus
O ano de 2020 trouxe um novo panorama de vida para a população mundial: a catastrófica pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, popularmente conhecido por Covid-19. Em razão desse novo cenário de incertezas, milhões de vidas foram ceifadas, o sistema público de saúde de diversos países entrou em colapso, milhões de empregos formais e informais foram extintos, inúmeras empresas foram encerradas e a economia do planeta foi duramente impactada.
Essa doença, que já vitimou milhões de pessoas e acometeu outras centenas de milhões por todo o mundo, foi reconhecida pela OMS – Organização Mundial da Saúde como pandemia, o mais alto nível de alerta da entidade, na data de 11 de março do ano de 2020 (OPAS-Brasil, 2020), sem previsão de afastamento da referida situação até os dias atuais.
Em razão do surto repentino da doença e do alto grau de contaminação do coronavírus, a OMS, com base em estudos especializados, vem orientando aos Estados-membros que sigam uma série de medidas profiláticas e repressivas denominadas de estratégias de vigilância para infecção humana por Covid-19 (WHO GLOBAL, 2020).
Dentre as providências recomendadas, destacam-se, além da vacinação, a rápida detecção de casos, medidas de controle de deslocamento populacional, testagem, gerenciamento de casos suspeitos, monitoramento epidemiológico a longo prazo e avaliação dos impactos tanto nos sistemas de saúde quando na sociedade como um todo (WHO GLOBAL, 2020, p.1).
Como se pode perceber dos itens enumerados pela OMS nas estratégias de vigilância, as medidas de controle ultrapassam as barreiras dos hospitais (e dos limites geográficos de Municípios, Estados e países) e definem uma nova concepção de cautela social que se estende desde o controle da liberdade de locomoção e de reunião até preocupações com os impactos da doença no meio social, inclusive no campo das relações de trabalho e desenvolvimento econômico.
2.1.Do rastreamento de dados de geolocalização como mecanismo de contenção da pandemia
Em relação ao Brasil, com base nas orientações editadas pela Organização Mundial de Saúde, foi publicada a Lei Federal no 13.979, em 6 de fevereiro de 2020, por meio da qual a União estabeleceu as medidas a serem adotadas em todo o território nacional para evitar a disseminação da Covid-19.
Fruto de intenso debate político, as medidas propostas tanto na referida lei ordinária, como naquelas arroladas nos Decretos Federais nos 10.282 e 10.344/2020 e na Medida Provisória no 926/2020 (esta última posteriormente convertida na Lei no 14.035/2020), foram recorrentemente objeto de interpelações judiciais em todas as esferas do Poder Judiciário (PEREIRA, 2020). Dentre os principais objetos de interpelação, as restrições ao deslocamento social ganharam um destaque ímpar, competindo ao Supremo Tribunal Federal resgatar a importância do pacto federativo na condução de políticas públicas e edição normativa de atos que atendam o direito constitucional à saúde em diversas oportunidades.
À título de exemplo, merece menção por sua relevância a decisão colegiada da Corte Suprema proferida no início da pandemia no Referendo na Medida Cautelar na ADI 6.341/DF, por meio da qual deu-se ênfase à competência comum de todos os entes federativos para implementar, no âmbito de suas esferas, as medidas essenciais ao combate da pandemia prescritas na Lei no 13.979/2020: por vezes contrárias às manifestações do Poder Executivo Federal, notadamente daquelas relativas às restrições da liberdade de locomoção e do exercício de atividades econômicas. Afinal, como consignado na ementa do julgado em evidência, “[…] O exercício da competência da União em nenhum momento diminuiu a competência própria dos demais entes da federação na realização de serviços da saúde […]” (BRASIL, 2020, p.2).
Traçados os limites de atuação dos entes federativos em prol do direito social à saúde por força do disposto no art. 24 da Constituição Federal, no que tange ao objeto do presente trabalho, cumpre destacar que a Lei no 13.979/2020, além da previsão do distanciamento social (isolamento e quarentena), enumerou outros importantes instrumentos científicos que serviram de fonte para a promoção das medidas de rastreamento de dados dos celulares da população, dentre eles, a promoção de estudos ou investigações de natureza epidemiológica (art. 3o, I, II e IV, respectivamente).
Associado à imunização da população, uso de máscaras, higienização das mãos e dos ambientes coletivos, além do adequado distanciamento social, referido monitoramento foi amplamente difundido e apontado como uma das principais medidas adotadas no país para evitar a disseminação do coronavírus em território brasileiro. Referida diligência, registre-se, embora tenha sido mais popular no início da pandemia, permanece sendo executada (BARBON, DIEGUES; 2022), especialmente após a difusão da atual variante da cepa (ômicron), dada sua maior transmissibilidade.
Esta providência, embora não esteja textualmente descrita na Lei no 13.979/2020, deriva tanto da previsão expressa do art. 72 da Lei no 9.472/1997 quanto dos comandos assinalados nos arts. 3o, IV, e 5o da Lei no 13.979/2020, que autorizam a investigação epidemiológica e o controle pelas autoridades sanitárias dos contatos com pessoas infectadas e da circulação em áreas de contaminação. A análise conjunta dos dispositivos em destaque permite assentar que, ao menos no campo dos serviços de telecomunicação, a coleta de dados pode ser repassada a terceiros pelas prestadoras quando houver anuência expressa e específica do usuário ou quando não permitir a identificação direta ou indireta do titular do dado.
A ideia de implementação de medida sanitárias restritivas com base nos dados de deslocamento da população, sobretudo aqueles extraídos de smartphones, já havia sido implementada desde a epidemia do ebola na África e do surto da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) na Coréia do Sul nos anos de 2014 e 2015, respectivamente (MCDONALD, 2016, p. 6; 19).
Implementado em países como África do Sul, Áustria, Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos, Itália e Israel (TILT, 2020), a ideia de utilização de dados de geolocalização de aparelhos celulares como mecanismo tecnológico de controle de deslocamento social passou a ser observada por diversos países por meio de diferentes formas de prospecção e de tratamento de dados que serão adiante explanadas no artigo. Mas, antes de abordá-las de forma mais detalha, cabe um questionamento prévio: qual a importância dessa medição da quantidade de pessoas circulando nas cidades para o controle da pandemia?
Em primeiro lugar, a formulação de um Índice de Isolamento Social (ISS) permite ao Estado modular a intensidade das políticas públicas de controle de infecção, controlar estoques de insumos hospitalares, formular e implementar estratégias de retomada das atividades econômicas eventualmente paralisadas pela pandemia, dentre outras cautelas. Afinal, quanto menos pessoas circularem, menor será a chance de contágio. Nesse sentido, acrescenta-se que o percentual de isolamento recomendado para que o sistema de saúde não entre em colapso é de 70%, com sugestão inicial de um nível maior para o Brasil (75%), considerando as necessidades locais do país (SOARES, 2020).
Em segundo lugar, esse levantamento também constitui forma eficaz de verificar a obediência da população às restrições oficiais de isolamento, autorizando a aplicação de sanções (em sua grande maioria pecuniárias) no caso de descumprimento.
Num outro ângulo da questão, a publicidade do ISS possui um viés educativo, pois serve de parâmetro para a população decidir quando se sente segura para interagir em ambientes externos, caso possua a disponibilidade de ficar em casa por tempo indeterminado.
Estudos revelam, inclusive, que o uso do rastreamento dos dados em apreço possui importância em todas as fases da pandemia (MACHADO; MENDES; 2020, p. 111-112). Na fase de aceleração, o conhecimento de dados agregados de localização permite a avaliação da eficácia do monitoramento de regiões e Municípios e construção de modelos epidemiológicos que expliquem e antecipe a disseminação do vírus. Nas fases de desaceleração e preparação, podem ser utilizados para a contenção de novas ondas de propagação, decisões sobre suspensão ou retomada de atividades, análise comportamental dos cidadãos. Por fim, também são importantes no momento do declínio da curva de contágio, sobretudo para testes de impacto das intervenções promovidas pelo Estado ao longo da pandemia, dentre elas a avaliação de prós e contras das medidas de restrição de deslocamento e de quarentena.
Essas técnicas de perfilamento de dados, que possibilitam o tratamento automatizado de dados agregados de geolocalização e, consequentemente, de modelos analíticos de mobilidade (MACHADO; MENDES; 2020, p. 111-112), podem ser enumeradas, de forma breve, da seguinte forma (TILT, 2020): a) colheita direta de dados de deslocamento de celulares por empresas de telefonia móvel; b) interpretação de dados de geolocalização, ativados pelos próprios usuários em seus aparelhos celulares, porém controlados por empresas que não compõem o setor de telecomunicações; c) relatórios de aplicativos instalados nos telefones móveis por usuários, mas controlados por empresas de ramos diversos dos da telecomunicação.
Na primeira modalidade, empresas de telefonia móvel trabalham com a elaboração de “manchas de calor”, que reúnem dados de concentração de pessoas que se conectam à antena de uma certa região, associadas a outras “manchas” de deslocamento. Após esse primeiro levantamento, efetuado num período determinado (22h às 2h), mede-se o índice de isolamento pela quantidade de conexões desses aparelhos às diversas antenas de telefonia existentes na localidade. Parte-se da presunção que o local em que o aparelho celular permaneceu das 22 às 2h é o local de residência do usuário e assim, qualquer deslocamento de 200m desse ponto inicial de medição, atestaria que o usuário teria saído de casa e violado as recomendações de isolamento (ROLFINI, 2020). Esse, por sua vez, foi o método adotado pelo Estado de São Paulo no programa SIMI – Sistema de Monitoramento Inteligente.
Já a segunda forma foi a adotada pelos Governos dos Estados de Pernambuco e Santa Catarina, que contrataram empresa que utiliza dados presumivelmente públicos, capturados em momento anterior à pandemia pelas operadoras de telefonia, e que já eram usados para fins de divulgação de propaganda. Para essa tecnologia, pressupõe-se que, ao ativar os dados de geolocalização do aparelho, o usuário automaticamente anui com o recolhimento e posterior utilização de informações de geolocalização dos usuários. Com base nessa autorização nem sempre totalmente consciente, um sistema automatizado denominado bot faz uma leitura diária da localização dos aparelhos, pressupondo que aqueles que permaneceram no mesmo ponto por determinado lapso estariam em suas residências.
Por fim, a pesquisa promovida pelo portal de notícias Tilt (2020) enumera que empresas de tecnologia como a Apple, Google e Facebook também disponibilizaram aos governos de diversos países relatórios elaborados com base em dados de celulares. Essas informações são extraídas dos registros de ativação de geolocalização em aplicativos de mapas online, de monitoramento de trânsito e de redes sociais (o popular check in) e, em sua maioria, constam dos relatórios de forma anonimizada, sem vinculação aos dados cadastrais dos usuários.
Exemplo disso é a plataforma denominada “COVID-19: Relatórios de mobilidade da comunidade”, disponibilizada pela empresa Google para monitorar as tendências de deslocamento da população de países em todo o globo. Conforme colhe-se do sítio eletrônico, os dados apresentados, sob forma de estatísticas, demonstram as tendências de deslocamento das seguintes categorias: varejo e lazer; mercados e farmácias; parques; estações de transportes públicos; locais de trabalho e residencial.
De acordo com o conglomerado, que assegura a anonimização das informações e o respeito à privacidade de seus usuários, os relatórios são produzidos a partir de “[…] conjuntos de dados agregados e anônimos de usuários que ativaram a configuração Histórico de localização, que fica desativada por padrão. Aqueles que optaram por usar esse recurso podem desativá-lo a qualquer momento […]” (GOOGLE, 2022).
Ainda de acordo com o relatado pelo portal Tilt (2020), o Facebook, empresa que atua na área de mídias de conexões sociais, também disponibilizou três relatórios diversos sobre a movimentação dos brasileiros, que informavam desde a “[…] probabilidade de pessoas de uma mesma área entrarem em contato com grupos de outra […]” (TILT, 2020), até tendências de movimento baseadas em adesão ao isolamento e informações sobre “[…] conexão social (amizades) para ajudar a prever propagação da doença e áreas mais atingidas […]” (TILT, 2020).
A estes modelos, Cohen, Gostin e Weitzner (2020) acrescentam, ainda, outro desenvolvido pelas empresas de tecnologia Apple e Google com o objetivo de propiciar outras formas de rastreio da população. Referidos sistemas automatizados permitem que as autoridades sanitárias controlem, por meio de aplicativos, alimentados por dados transmitidos via bluetooth, os casos infectados e o círculo de convivência e contato desses pacientes. Esses sistemas, todavia, soam limitados porque dependem exclusivamente da vontade dos usuários comunicarem se estão contaminados ou se tiverem contato com pessoas doentes.
Sobre o tema, conforme defendido por Corrêa e Luz (2020a), não se pode excluir o componente político e econômico das medidas extremas de monitoramento de dados eletrônicos e privados num momento crítico como o que vivemos. Importante, contudo, que seja ponderado se o uso dessas tecnologias no combate à Covid-19 (e, consequentemente, na tutela da saúde e da vida) implica também na assunção de riscos a valores de igual quilate, tais como a privacidade e a liberdade dos indivíduos (de locomoção, de manifestação em redes sociais, etc).
Com efeito, não se menospreza a gravidade dos problemas causados pela pandemia, seja em relação à própria continuidade e integridade da vida de todos que habitam o planeta, ou em razão da profunda crise que tende a intensificar a desigualdade econômica numa perspectiva mundial. Tais particularidades tornam a discussão mais importante ainda!
E, para tanto, é preciso refletir se as referidas medidas tecnológicas constituem o único meio de controle do deslocamento social nesse momento extremo da história ou se é preferível a escolha de um meio de obtenção dessas informações que não afetem de forma tão profunda direitos basilares como o da privacidade e da liberdade.
Nesse impasse entre restrição da locomoção de indivíduos por força de dados de monitoramento passíveis, teoricamente, de violação da privacidade dos usuários de telefonia, urge a necessidade de apreciar o dilema sob o viés da filosofia política. E, nessa proposta de investigação, o presente trabalho refletirá, com base na Teoria da Justiça de John Rawls, sobre formas de equilibrar o conflito entre interesses privados e contenção de desigualdades econômicas e sociais em situações extremas como a que se desenha desde o início da pandemia.
3.Análise dos conflitos decorrentes do monitoramento de aparelhos celulares, no contexto da pandemia, sob o enfoque dos princípios de justiça de rawls
3.1.Da síntese do conflito
Como sustentado anteriormente, o monitoramento de aparelhos celulares para fins de controle da efetividade do isolamento social suscita uma série de críticas sobre eventual desrespeito às garantias fundamentais da liberdade e da privacidade. Afinal, seria possível asseverar que, em nome da saúde da coletividade, medidas restritivas sejam impostas em detrimento de garantias fundamentais tão imprescindíveis ao indivíduo?
Dois importantes exemplos dessa conflituosidade no Brasil, citados por Corrêa e Luz (2020b), são a edição da Medida Provisória no 954/2020 e a instituição do SIMI/SP, o Sistema de Monitoramento Inteligente lançado pelo Estado de São Paulo e que apura o índice do isolamento social com base nas “manchas de calor” na citada localidade.
A Medida Provisória em comento, publicada em 17 de abril do ano de 2020, dispunha sobre o compartilhamento de dados cadastrais de usuários de telefonia móvel (nome, número de telefone e endereço de pessoas físicas e jurídicas) com a Fundação IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística enquanto perdurasse a situação de emergência decretada em razão da pandemia, haja vista a impossibilidade técnica de realização de entrevistas pessoais pelo órgão de estatísticas. Referida medida de urgência, cuja vigência foi encerrada sem a competente conversão em lei, teve sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal pelas ADIs 6387, 6388, 6389, 6390 e 6393.
Sobre o assunto, concluiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, pela manutenção da cautelar anteriormente deferida pela Min. Rosa Weber nos autos da ADI 6387, suspendendo a eficácia da MP no 954/2020. Na liminar deferida ad referendum (BRASIL, 2020), a Ministra Relatora ponderou que a norma não delimitou a finalidade específica da pesquisa, a necessidade de uso dos dados e nem os mecanismos técnicos e administrativos de proteção do sigilo e da higidez dessas informações.
Em que pese referida decisão não trate de forma específica sobre o monitoramento do deslocamento populacional com base em dados extraídos de aparelhos celulares, extrai-se do julgado da ADI 6387 a preocupação da Corte Suprema com a interferência desproporcional à privacidade e à intimidade dos usuários de telefonia móvel caso fosse autorizado o compartilhamento de dados para fins de promoção de censo demográfico, adiado naquele momento por força dos riscos de contágio do Covid-19.
Trazendo as conclusões do debate jurisprudencial brevemente relatado, quanto ao objeto do presente trabalho, é possível inferir um claro conflito entre interesses sociais e individuais nessas medidas administrativas que propiciem a interferência indevida nos dados pessoais extraíveis dos aparelhos celulares. Num exercício de paralelismo, tal como relatado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 6387, o monitoramento promovido com base em dados telefônicos não consentidos demanda informações claras sobre sua real finalidade e necessidade, da extensão da interferência estatal e, sobretudo, dos mecanismos de proteção ao sigilo dos dados cadastrais.
Dessa forma, numa primeira análise, é possível aferir que, da forma como proposto o monitoramento, o direito à saúde, tutelado com base na requisição de informações para fins de formulação de políticas públicas, ainda que motivado pela situação extrema da pandemia, é capaz de colocar em xeque as garantias fundamentais do direito à privacidade e ao sigilo de dados telefônicos prescritos no art. 5º, X e XII e art. 6º, caput, todos da Constituição Federal.
Por sua vez, o SIMI/SP também já foi contestado judicialmente em mais de uma instância. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o tema foi ventilado em uma série de habeas corpus que não mereceram acolhida em razão da não verificação de constrangimento ao direito de locomoção dos pacientes. À título exemplificativo, restou consignado na decisão monocrática proferida pela Ministra Laurita Vaz no Habeas Corpus no 574.431/SP que a coleta de dados anonimizados fornecidos pelas empresas de telefonia ao Sistema de Monitoramento de Inteligência do Estado de São Paulo não seriam capazes de individualizar os titulares dos dados e que o dano à privacidade, na hipótese em apreço, dependeria de exame em via mais apropriada (BRASIL, 2020)
A despeito da diversidade das causas de pedir das decisões em comento, é possível inferir que, até o presente momento, o cerne da preocupação dos que questionaram o uso de dados georreferenciais de aparelhos celulares como forma de controle da pandemia local reside na possibilidade de violação da intimidade dos donos desses aparelhos monitorados. Essa cautela não é exclusividade brasileira, tanto que os acordos firmados pelo Sistema de Saúde do Reino Unido (NHS) com empresas como Amazon, Microsoft, Google, Faculty e Palantir foram objeto de questionamentos pela plataforma de mídia global OpenDemocracy em sede judicial (CRIDER; FITZGERALD, 2020).
Na investigação empreendida de forma preparatória à interpelação judicial, a OpenDemocracy, com base nos acordos divulgados pela NHS, aferiu que os dados colhidos pelo sistema público tornar-se-iam propriedade intelectual das empresas Faculty e Palantir e seriam utilizados como banco de dados para ações de treinamento da Faculty e Palantir. Logo, os dados particulares colhidos em situações excepcionais acabariam por servir para fins diversos daqueles coletados.
Num levantamento sobre o tratamento de dados de geolocalização promovido pela Coréia do Sul para conter o avanço da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) no ano de 2015, identificou McDonald (2016, p. 6-7) que parte das 17.000 quarentenas impostas pelo governo com base no estudo de algoritmos não possuíam relação causal direta com os casos efetivos de infecção. E, como se não bastasse o risco à economia, aponta o pesquisador que ainda não se conhece como foi promovido o gerenciamento e o descarte dos dados coletados. Ademais, reconheceu o autor que o próprio consentimento ao compartilhamento de dados pessoais, nas hipóteses em que consentido pela população local, muitas vezes foi autorizado com base em informações pouco claras e provocadas pela ansiedade de evitar um mal maior à sociedade sul coreana.
Depreende-se de todo esse panorama de interpelações judiciais que o tema causa grandes discussões sobre a forma como esses mecanismos de controle de isolamento social podem violar direitos fundamentais como o da privacidade. Apesar de legítimo o questionamento, não se pode desconhecer que essa restrição de liberdades fundamentais, em outro ângulo, constitui uma importante ferramenta para que sejam retomadas as atividades econômicas do país e, consequentemente, para que mais pessoas possam voltar a trabalhar, buscar novos empregos após as sumárias demissões, ou mesmo, como defende SEN (2009, p. 231-232), dispor de sua liberdade para pôr em prática suas capacidades.
Por mais que haja previsão legal na Lei de Telecomunicações para a extração desses dados de forma automatizada pelas operadoras de telefonia (art. 72), forçoso reconhecer a existência de um concreto conflito entre direito coletivo e individual nesse panorama. De um lado, uma política de controle de dados pessoais (anonimizados ou não), obtidos sem autorização prévia dos titulares, o que põe em xeque garantias individuais e, do outro, uma necessidade premente de tutela coletiva, sob pena de aumento sem precedentes das desigualdades sociais e econômicas.
Nesse sentido, inclusive, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou estudo ainda no início da pandemia avaliando os possíveis impactos da doença na economia: aumento de 25 milhões de desempregados, crescimento do subemprego, perda de até 3,4 trilhões de dólares de renda e estimativa do aumento de até 35 milhões de pessoas trabalhando em situação de pobreza até o fim de 2020 (NAÇÕES UNIDAS – BRASIL, 2020). De lá pra cá, as estatísticas continuam desanimadoras, como comprova a estatística promovida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística com base nos dados do 3º trimestre de 2021: há no Brasil 13,5 milhões de desempregados, 5,1 milhões de desalentados, uma taxa de desemprego de 12,6% e de subutilização de 26,5% (BRASIL, 2022).
3.2.Breve panorama dos princípios de justiça de rawls
Traçadas as linhas preliminares sobre o conflito entre direitos individuais e coletivos oriundos da atual crise sanitária, pergunta-se: qual a relevância da análise do tema sob a perspectiva da obra “Uma Teoria da Justiça”, de John Rawls? A análise da doutrina rawlsiana ganha importância no atual cenário político-econômico porque apresenta um panorama sobre a possibilidade de convivência do respeito às liberdades fundamentais, aliada à promoção de políticas que preguem a diminuição equitativa das desigualdades econômicas.
Sob o enfoque da justiça como equidade, o problema da restrição da liberdade em razão da “perda” de parte da intimidade do indivíduo e o respectivo impacto no crescimento/bancarrota da economia mundial, pode ser visto em uma perspectiva que concilie interesses conflituosos, sem esquecer da primazia da liberdade.
Em uma breve síntese de sua teoria, Rawls propõe que cidadãos livres e iguais, revestidos por um véu de ignorância que permita analisar de forma imparcial as ponderações sobre a criação de um consenso originário, escolham princípios de justiça que pautem o cumprimento de seus planos racionais de vida numa sociedade bem-ordenada e regulada por uma concepção geral de justiça (RAWLS, 2000a, p. 45-78).
A ideia da abstração da posição original é uma das principais inovações da doutrina rawlsiana, hábil a permitir a criação de um ambiente hipotético em que as pessoas possam decidir em pé de igualdade, livres da ingerência de contingências ou de desigualdades que influenciem seu poder de negociação, de forma democrática, quais as concepções de bem e de justiça devem ser seguidas por todos (RAWLS, 2000a, p. 65-66).
A despeito da crítica formulada por SEN sobre a dificuldade de se definir, na posição originária, princípios únicos que orientem o funcionamento de uma sociedade norteada pelos parâmetros da justiça quando “[…] há interesses gerais genuinamente plurais e, às vezes conflitantes, que afetam nossa compreensão da justiça […]” (SEN, 2009, p. 56-57), Rawls destaca que a questão deve ser vista sob outra perspectiva.
Para o autor, a abstração de um sujeito pactuante na posição original e outro que vive na sociedade bem-ordenada serve apenas de parâmetro para a explicação de um ideal de justiça como equidade, pois quem é apontado como ponto de partida desse conceito de justo são os intérpretes da teoria (RAWLS, 2000a, p. 71-72).
Dessa forma, reservado o caráter abstrato da teoria da posição original e a coexistência de pluralidades no meio social, resta firme a ideia de que o conjunto de princípios rawlsianos passam a constituir uma concepção política de justiça coletiva, que serve de parâmetro geral de atuação dos indivíduos, ainda que não correspondam ao entendimento particular de cada um e nem sejam elencados como prioridades no plano racional de vida das pessoas.
Dentro das acepções acima assinaladas, os dois princípios de justiça formulados por Rawls são sintetizados da seguinte forma:
[…] 1o Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para todos.
2o As desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefício de todos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos. […] (RAWLS, 2000b, p. 333)
O primeiro deles prega, em apertada síntese, a distribuição igualitária de liberdades básicas iguais. Ressalte-se que, ao utilizar de forma dupla o vocábulo “igual”, o autor busca dar ênfase não só ao aspecto de distribuição, como também ao conteúdo isonômico dessas liberdades básicas.
Rawls (2008, p. 74) enumera um rol de liberdades básicas a serem tuteladas pelo princípio em referência, quais sejam: política; de expressão e reunião; de consciência e de pensamento; individual ou de integridade da pessoa; direito de propriedade pessoal e proteção contra prisão ou detenção arbitrárias. Excluem-se de forma expressa da lista acima descrita a liberdade contratual e de propriedade dos meios de produção, vistas pelo autor como não fundamentais e, portanto, excluídas da proteção do primeiro princípio.
Por pensar em uma concepção plural de convivência social, o enunciado em questão deve ser compreendido como desprovido de caráter absoluto, sendo permitido ao Estado de Direito formular limitações ao gozo, sobretudo quando conflitarem uns com os outros. Deve ser advertido, todavia, que, em se tratando de liberdades básicas, o primeiro princípio deve sempre ser aplicado de forma prioritária em relação ao segundo princípio.
Por sua vez, numa perspectiva macro da sociedade, o autor dedica-se no segundo princípio à formulação de um enunciado que verse sobre compartilhamento das desigualdades sociais e econômicas de forma coletiva e proporcional dentre os diversos níveis de representatividade na sociedade.
Em síntese, a aplicação do segundo princípio de justiça é dividida em duas partes: o princípio de diferença e um sistema de livre acesso aos cargos para quem tiver talento e dedicação. Essa dupla percepção do tema possibilita um maior controle da distribuição das desigualdades sociais e econômicas, corrigindo tanto a distribuição de renda e riqueza, como também propiciando a todos o amplo acesso aos cargos dotados de autoridade e responsabilidade (bens primários sociais). Assim, ao permitir que todos possam ocupar cargos importantes na sociedade, consequentemente, criam-se mecanismos de distribuição de oportunidades que irão beneficiar os menos favorecidos a alcançarem seus objetivos de vida.
De raízes igualitárias, o princípio de diferença prega que, quando não for possível distribuir direitos e deveres de modo a melhorar a situação de todos, a solução a ser adotada deve ser, preferencialmente, a igualitária (RAWLS, 2008, p. 91). Dessa forma, ao pregar um ideal de equidade de distribuição de acesso a bens primários, o autor coloca em prática um primado de justiça de social e permite colocar todos em pé de igualdade para disputar seus objetivos de vida e não apenas depender do suporte estatal ou de caridade para sobreviver.
Faz-se necessário observar que a doutrina rawlsiana faz uma defesa intransigente das liberdades fundamentais, especialmente da igualdade e da liberdade, porque acredita que a isonomia formal auxiliará na obtenção da justiça distributiva na sociedade bem-ordenada.
Trazendo essas reflexões sobre as aplicações dos princípios de justiça para a perspectiva do objeto da presente pesquisa, é preciso ponderar que a defesa intransigente do direito à privacidade do usuário de telefonia móvel, sem parâmetros objetivos, pode afetar, ainda que indiretamente, o aumento das desigualdades econômicas e sociais. Afinal, sem o fornecimento desses dados, mais difícil será controlar a disseminação do vírus e mais tempo será necessário para se recompor a economia e, consequentemente, retomar a distribuição de cargos e empregos na sociedade num segundo momento de apuração das disparidades.
Será possível então defender-se a prioridade absoluta da aplicação do primeiro princípio de justiça quando não pudermos distribuir recursos de forma igualitária no atual contexto da pandemia do Covid-19? Em caso positivo, como manter o ideal de implementação de justiça em nossos planos racionais de vida quando o exercício de nossas liberdades constituírem motores de aumento da desigualdade social e econômica?
Refletir sobre as nuances da aplicação dos princípios de justiça rawlsianos num ambiente quase distópico como os tempos de enfrentamento de uma pandemia, é permitir pensar sobre a aplicação de uma concepção geral de justiça que tutele tanto interesses individuais quanto coletivos.
3.3.O monitoramento de celulares visto sob a perspectiva do 1° princípio de justiça
Conforme discutido anteriormente, o levantamento de índices de isolamento social com base na coleta de dados de geolocalização de celulares, visto como uma das principais bandeiras dos Estados para monitorar quem cumpre as regras de contingenciamento social, é visto com suspeição por muitos.
Num breve exercício de enumeração das questões que tornam esse sistema questionável, destacam-se os seguintes: a) ineditismo da medida; b) desconhecimento da amplitude dos dados extraídos; c) obscuridade sobre as regras de tratamento das informações pelas empresas de telefonia e pelo Estado, inclusive procedimentos de guarda e eliminação futura; d) dúvidas sobre efetiva anonimização das informações; e e) sentimento de invasão de privacidade e de tolhimento da liberdade de ir e vir.
De acordo com a teoria de Rawls, no momento da escolha dos princípios de justiça na posição originária, as liberdades fundamentais são definidas pelos pactuantes do contrato social como direito máximo de proteção na estrutura básica. Ainda que estes bens primários (RAWLS, 2008, p. 110) não sejam talhados como absolutos (notadamente em razão da possibilidade de conflito com outras liberdades), é inquestionável o seu grau de supremacia para a Teoria da Justiça de Rawls.
Parte desta acepção repousa na referência de que o autor defende o ideal liberal como o mais adequado para o regime democrático (RAWLS, 2000a, p. 203), de modo que a proteção de direitos fundamentais básicos será sempre um dos pilares de sua teoria e, dessa forma, sempre deverá se sobrepor sobre questões de índole sociais e econômicas.
Por meio desta perspectiva, seria correto asseverar que o direito à privacidade do usuário da telefonia móvel, derivado de uma liberdade básica fundamental, poderia se sobrepor ao dever do Estado de tutelar a coletividade, nesse contexto de pandemia, por meio do monitoramento do ISS por “manchas de calor” ou por dados filtrados por empresas gerenciadoras de redes sociais?
Se pensarmos de forma isolada na percepção da liberdade individual, teremos uma resposta positiva, ainda que moralmente questionável. A letra fria do primeiro princípio de justiça de Rawls será sempre um norte para a defesa intransigente dos direitos individuais fundamentais, inclusive porque uma das preocupações desse modelo do justo é a prioridade da esfera individual do pactuante.
Concluir em prol da primazia de direitos individuais na hipótese sob exame, longe de configurar medida de índole puramente egoísta, é coadunar-se com preocupações extremamente relevantes. Primeiramente, porque trata-se de técnica de prospecção de dados pessoais nunca antes promovida de forma tão ampla, ainda que em tempos não muito remotos escândalos como os da Cambridge Analytica e os relatos de espionagem de líderes mundiais pelo ex-agente da Agência de Segurança Nacional americana tenham vindo à tona e gerado uma onda mundial de preocupação com a circulação não autorizada de informações privadas na internet (CORRÊA; LUZ, 2020a).
Outra questão que suscita dúvidas é saber que os elementos estão sendo colhidos à revelia dos usuários, sem que se tenha certeza de quais informações são obtidas, se os dados são individualizados ou anonimizados, quem será responsável pela guarda e proteção, se há um mecanismo de controle externo ou mesmo se tais informações serão efetivamente utilizadas para o fim proposto e eliminadas ao final da pandemia.
Merecem destaque, pela pertinência, a lembrança da existência de garantias legais à anonimização de dados utilizados em pesquisa, pleitos de bloqueio e eliminação de informações que os titulares julgarem excessivas, impertinentes ou que não sejam tratadas em conformidade com a lei, além do direito de obter esclarecimentos sobre o compartilhamento e até sobre a possibilidade de não fornecer o consentimento, conforme prescrito no art. 18, IV, VII e VIII, da LGPD.
A ausência de transparência do processo, por mais que possua autorização legal decorrente da interpretação conjunta das Leis nos 9.472/97 e 13.979/2020, possibilita a criação de outros riscos ao processo. Outros questionamentos levantados por Machado e Mendes (2021, p. 129-133) demonstram que a técnica empregada para tratamento dos dados de georreferenciamento pode acarretar riscos de reidentificação dos usuários e desvirtuamento da função e da finalidade da medida.
O primeiro dos fatores de risco acima detalhado decorre da possibilidade de inferir a identificação de grupos de usuários por meio de dados auxiliares criados quando há o levantamento por certo período contínuo de dados de geolocalização. Para Pyergelis, Troncoso e De Cristofaro (2020 apud MACHADO; MENDES, 2020, p. 130-131), a variação da localização do aparelho em certo período de tempo, uma das informações mais relevantes para esse tipo de monitoramento epidemiológico, é justamente o fator que facilitaria a reidentificação de certo grupo de usuários, o que possibilitaria, consequentemente, a identificação de dados de natureza sensível e até mesmo a obtenção de informações adicionais sobre o seu perfil de deslocamento e trajetórias percorridas.
Exemplo concreto desse risco pôde ser verificado no ano de 2020 (MACHADO; MENDES, 2020, p. 131-132) quando membros da comunidade LGBQT e trabalhadores latinos sofreram ataques discriminatórios após a publicação de reportagens que identificavam casos de Covid-19 entre a população LGBQT da Coréia do Sul e trabalhadores de fábricas de embalagens de carnes nos Estados Unidos. Nesse sentido, inclusive, diversos registros de hostilidade a possíveis infectados da Covid-19 foram divulgados na mídia brasileira (RODRIGUES, 2020).
O segundo risco apontado por Machado e Mendes (2020, p. 132-13) é o do desvirtuamento da função e da finalidade da medida que, na falta de medidas claras sobre o processo de gerenciamento de dados, possibilitem ao Estado, ao seu bel prazer, identificar grupos de interesse como migrantes e opositores políticos para monitorar suas ações com o objetivo de tolher o exercício de liberdades públicas.
Numa leitura rawlsiana, é possível inferir que a Lei no 13.979/2020 está em consonância com o primeiro princípio de justiça do autor, pois a mens legis da norma é focada, eminentemente, na formulação estatal de políticas de defesa de informações pessoais frente ao interesse da coletividade.
No entanto, como se percebe no atual panorama, tal como ocorre com os aplicativos de rastreamento de dados utilizados em outros países pelas autoridades de vigilância sanitária (COHEN; GOSTIN; WEITZNER, 2020), o controle do ISS por meio de manchas de calor ou de relatórios antigos de empresas de telefonia ou de redes sociais, não especificam quais dados são obtidos. Desse modo, impossível a tarefa de avaliar, de forma objetiva, eventuais danos à privacidade (ou mesmo sua extensão), restando apenas a clara suposição de que dados não necessários podem ter sido recolhidos sem necessidade e sem uma custódia segura.
Ademais, como se não bastassem os riscos à intimidade dos titulares de telefonia móvel, ainda é possível que se configure violação à liberdade de ir, vir e ficar. Tal como destacado por COHEN, GOSTIN e WEITZNER (2020), há países que controlam o cumprimento da quarentena de forma automatizada, inclusive para fins de aplicar multas para aqueles que desrespeitarem as regras de isolamento social (ex. Taiwan).
Em prol da efetividade do controle de rastreamento por aplicativos, os autores (COHEN; GOSTIN; WEITZNER, 2020) indicam, ainda, estudos que sugerem que o coronavírus poderia ser eliminado se 80% dos usuários de telefonia optassem pela ativação desses sistemas para controle e quebra de contágio ou, ainda, 56% da população mundial.
Nesse cenário promissor, é tentador pensar que abrir mão da nossa liberdade e, consequentemente, da nossa intimidade ou de assumir o receio de que nossos passos estão sendo monitorados por um grande irmão desenvolvido pela Apple ou Google, parecem pequenas perdas se vislumbrarmos um futuro próximo de diminuição do número de afetados pela pandemia (física ou economicamente).
Contudo, para que essa medida seja adotada de forma minimamente invasiva, é preciso, tal como prescrito no § 1º do art. 3o da Lei 13.979/2020, que esse controle de deslocamento preencha alguns requisitos mínimos, quais sejam: a) determinação com base em evidências científicas; b) limitação temporal e espacial; c) vinculação à finalidade de promoção e preservação da saúde pública; d) respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas.
Apenas à título exemplificativo, em prol do controle da pandemia, hoje a Rússia coleta informações sobre “[…] telefonemas, arquivos, câmera e dados de rede […]” (MAGENTA, 2020), enquanto na Coréia do Sul a divulgação de informações precisas de localização “[…] levou a acusações de adultério contra alguns dos infectados[…]” (MAGENTA, 2020). Pelo que se percebe, a ausência de um regramento claro e minimante invasivo coloca em choque direitos individuais numa perspectiva global.
Ademais, eventual desvio de finalidade ou desrespeito dessas regras implicaria na criação de uma temerária rede de vigilância de monitoramento de escala mundial, sem limites ou controle dos dados apurados, bem como na criação de um precedente histórico de relativização de direitos individuais. E essa situação só tem a piorar com a adoção das tratativas de compartilhamento de dados entre países, tal como ocorre na União Europeia (LINDE; COLOMÉ, 2020).
Num sistema global de monitoramento que pregue a unificação da limitação das esferas da intimidade e da liberdade de locomoção e de reunião, pode-se, finalmente, chegar a um paralelo com a aplicação do primeiro enunciado de Rawls. Afinal, uma ampla limitação dessas liberdades básicas fundamentais colocaria a todos (ricos e pobres com acesso à telefonia móvel) no mesmo nível de igualdade no mundo digital, pois a maior parte da sociedade mundial teria tolhida, de forma semelhante, as mesmas parcelas de sua intimidade.
Assim, para que se alcance um ideal de justiça por equidade, é preciso lidar de forma contínua com direitos e liberdades conflitantes, com a variação de preceitos ao longo do tempo, com a evolução da sociedade e, sobretudo, com o esforço contínuo de tentar atribuir a primazia necessária para que essas liberdades fundamentais básicas sejam sempre aplicadas de forma igualitária entre todos, sem que haja prejuízos apenas aos mais desfavorecidos.
3.4.O monitoramento de celulares visto sob a perspectiva do 2° princípio de justiça
Se por um lado é possível concluir que um sistema de monitoramento de todos os passos dos usuários de telefonia móvel, nesse contexto de pandemia, possa, por meio da restrição de liberdades básicas fundamentais, reunir os indivíduos num sistema semelhante de direitos relativizados, na perspectiva econômica e social o paradigma é diverso.
Ao formular o 2o princípio de justiça destinado à estrutura básica da sociedade, Rawls trata das possibilidades de proporcionar vantagens a todos quando uma situação inicial de igualdade é tida como ponto de referência (RAWLS, 2008, p. 79). No caso sob exame, essa nova edição da posição originária pós-pandêmica, em que as liberdades básicas fundamentais foram reduzidas de forma abrupta em razão de um novo contexto socioeconômico, seria possível colocar em prática a ideia de que, se não houver uma distribuição de recursos que melhore a situação de todos, deve ser buscada a distribuição igualitária?
A aplicação do princípio de diferença nesse contexto em que cada vez mais se vê o aumento da desigualdade social e econômica, coloca em xeque a ideia de prioridade do ideal de liberdade igualitária. Afinal, como vou pensar na primazia do direito à privacidade e à liberdade de ir, vir e permanecer quando colocamos como contraponto, do outro lado, que o exercício desses direitos afetará sobremaneira a economia?
Sobre a inquestionável prioridade das liberdades fundamentais descritas por Rawls, Hart (1973, p. 554) pondera que a impossibilidade de se trocar uma liberdade básica, ainda que por tempo limitado, de forma consciente, por alguma vantagem material, não parece uma concepção correta.
Seguindo essa linha de raciocínio, parece sedutora a ideia de que algumas liberdades podem ser negociadas pelo indivíduo quando este precisar ou desejar ter algum ganho financeiro (ainda que seja para a subsistência). No contexto da pandemia, então, qual seria o problema de abrir mão da liberdade de locomoção e de alguns dados pessoais em troca de um retorno rápido do funcionamento de empresas e indústrias pós-controle da quebra de contágio pela medição do ISS?
Equalizar o exercício destas liberdades e garantias com ganhos de ordem econômico-social não é uma impossibilidade para a teoria rawlsiana, principalmente quando se está diante daquilo que o autor denomina de “circunstâncias extremas” (RAWLS, 2008, p. 76).
Contudo, para que uma concepção de justiça previamente acordada na posição originária possa ter a pretensão de se tornar longeva e permanente, é preciso ter em mente, tal como apontado pelo próprio Hart (1973, p. 553) que, a depender dos momentos de incerteza, fatalmente o indivíduo fará escolhas que o prejudiquem menos de forma isolada, do que pensar em outras que causem menos danos à coletividade.
Assim, numa nova acepção do primeiro enunciado de justiça rawlsiano (no cenário pós-pandemia), promovida a diminuição de parcelas das liberdades básicas fundamentais de forma igualitária – afastando-se, portanto, da regra apriorística de prevalência -, é possível aplicar a regra do segundo enunciado àqueles que perderam renda, emprego ou recursos no atual panorama de crise socioeconômica pandêmico.
Uma outra preocupação do autor sobre a delimitação dos princípios de justiça na mencionada posição originária é a questão da definição de uma concepção de justiça que vigore na sociedade, definindo direitos e deveres, bem como pautando a atuação de todas as instituições e, sobretudo, que estabeleça uma linha mestra de atuação dos planos racionais de cada um que seja, novamente, norteada pela ideia de melhoria de todos.
Assim, se o indivíduo possui como imperativo categórico a ideia de que, na medida de nossas desigualdades, devemos batalhar para crescer juntos, seja por meio de ajuda financeira, formulação de programas legais que incentivem a distribuição de meios de se obter nova inserção no mercado de trabalho ou, infelizmente, renunciando a bens muito caros como a liberdade e a privacidade (ainda que de forma esporádica, parcial e temporalmente limitada nesse contexto extremo).
Dessa forma, ao “abrir mão” do livre direito de ir, vir e permanecer, bem como de parte dos dados pessoais eletrônicos, o indivíduo estaria colocando em prática uma concepção geral de justiça que se preocupa com o bem comum. Assim, além de doar cestas básicas, dar gorjetas para restaurantes e entregadores de aplicativos, manter o pagamento de contratos mesmo sem a contrapartida da prestação do obreiro, consentir com o rastreamento da geolocalização (dentro de parâmetros aceitáveis e seguros) para fins de vigilância do contágio do Covid-19 pode constituir verdadeiro exercício de um dever natural negativo.
Tal como explicitado por Rawls (2008, p. 137), “[…] os deveres naturais se caracterizam por se aplicarem a nós independentemente dos nossos atos voluntários […]”. Assim, a obediência à determinação do Estado de deixar que a geolocalização do aparelho celular seja monitorada em prol de um fim social (diminuição do contágio para fins de preservação da vida e, num segundo momento, como requisito sine qua non para a retomada econômica), nessa acepção rawlsiana, constituiria apenas um dever negativo de não contribuir para o sofrimento alheio.
Harari (2020) alerta que, no contexto do combate à pandemia, é preciso pensar, por um lado, que as ações adotadas nesse momento possuem consequências de longo prazo e que devemos, sim, pensar além dos índices de mortalidade, mas também em que tipo de mundo queremos viver doravante. Sugere, inclusive, que a humanidade opte pela solidariedade global como mecanismo para superar a crise sanitária e as econômicas que coexistem no atual momento.
Nesse sentido, uma visão global de mundo exige uma postura ativista do Estado, sem a qual jamais conseguiremos retomar ao status quo pré-pandemia. Será preciso uma série de medidas que busquem, tal como preceitua o princípio de diferença de Rawls, que as desigualdades sociais e econômicas sejam resolvidas de forma isonômica, melhorando as condições dos mais atingidos pela crise.
E nessa perspectiva, a adoção de políticas como concessão temporária de auxílios-emergenciais não nos parece a única postura estatal a ser adotada para diminuição dessa disparidade social. Tal como sugerido pela OIT, cabe aos Estados a adoção de medidas urgentes que vão muito além do que fornecer álcool em gel e máscaras de proteção contra o coronavírus, como também “[…] a ampliação da proteção social, o apoio à manutenção de empregos (ou seja, trabalho com jornada reduzida, licença remunerada e outros subsídios) e aos benefícios fiscais e financeiros, inclusive para micro, pequenas e médias empresas[…]” (NAÇÕES UNIDAS – BRASIL, 2020).
Além de medidas de proteção salarial e de fomento à produção por meio de benefícios fiscais e facilitação de acesso ao crédito por empresas familiares e de pequeno porte, políticas de ações afirmativas de acesso a cargos públicos e ao sistema profissionalizante e educacional serão muito bem-vindas nessa nova ordem mundial.
Essa promoção de medidas legislativas e proposição de políticas públicas inclusivas nesse momento de crise passa longe da ideia defendida por Nozick (1974 apud GARGARELLA, 2008, p. 37-39) de que a obrigação estatal de exigir que alguém contribua para o bem-estar do outro possa caracterizar um novo tipo de escravidão.
Pelo contrário, a proposta rawlsiana de compartilhamento de desigualdades – para que possamos manter o padrão de igualdade entre todos -, parte de um pressuposto senso internalizado de justiça de construção de uma sociedade bem-ordenada que coopera entre si em prol de uma justiça distributiva.
Ademais, numa perspectiva institucional, auxiliar os mais prejudicados social e economicamente nessa fase não se resume apenas à prática de atos de caridade, mas também a pressionar o governo para que fortaleça o sistema legislativo de modo a criar fontes de produção de renda e riqueza, equilibre as forças de trabalho entre patrão e empregado e, sobremaneira, disponibilize um Poder Judiciário íntegro e imparcial que possa dirimir conflitos com foco na justiça como equidade.
Tal como destacado por Forst (2010), devemos focar na compreensão de que o ideal de distribuição de justiça rawlsiana possui como fim a construção de uma sociedade mais justa por meio da cooperação de todos. Assim, é preciso pensar que a proposta de unir esforços seja vista “[…] como sistema de complementariedade e realização mútuas, semelhante a uma orquestra na qual as capacidades individuais produzem uma obra comum […]” (FORST, 2010, p. 20).
Conclui-se, portanto, que o cultuado princípio de diferença de John Rawls possui extrema importância em tempos de pandemia, quando as desigualdades socioeconômicas cada vez mais se tornam nítidas e difíceis de se consertar. Assim, ter em mente uma concepção de distribuição das desigualdades que surgem entre todos, de forma igualitária, mostra-se como um caminho a ser trilhado quando as perspectivas de um mundo melhor e repleto de oportunidades parece cada vez mais distante.
4.Considerações finais
Com base em todo o panorama exposto, conclui-se que as medidas adotadas para controle do isolamento social com base em dados de geolocalização de celular, tanto no Brasil, como no mundo todo, padecem de legitimidade porque foram adotadas sem prévia discussão com a sociedade.
Muito embora a crise sanitária, em razão de sua gravidade e da velocidade de contágio da Covid-19, não fosse compatível com um prévio debate popular, medidas de esclarecimentos sobre quais informações são coletadas, especificação da política de extração, guarda e exclusão pós-pandemia, além de solicitações automáticas de consentimento do compartilhamento de dados, trariam um maior grau de transparência ao processo. Sem tais cautelas, como a práxis vem demonstrando em países da Europa e da Ásia, restam configurados fortes indícios de violação às liberdades fundamentais e, notadamente, da intimidade dos usuários de telefonia.
Ainda que a teoria de justiça de Rawls defenda que a primazia da liberdade deva ser o valor último a guiar a construção de uma sociedade cooperativa bem-ordenada e influenciada por uma concepção originária de justiça, deve ser ponderado que, em situações extremas, o bem-estar coletivo precisa ser privilegiado.
Contudo, numa diferente percepção sobre o tema, a restrição das liberdades básicas fundamentais nesse contexto pandêmico mundial, coloca em condições relativamente equânimes todos os cidadãos, pois as limitações à privacidade e ao direito de locomoção passa a ser estendida a todos de forma igual (independentemente de sua classe socioeconômica), promovendo-se, portanto, o sistema semelhante de liberdade preconizado por Rawls.
Dessa forma, ao colocar em pé de igualdade referidas liberdades básicas, é possível promover-se medidas que potencializem a diminuição das desigualdades sociais e econômicas, sem que seja violado o primeiro princípio de justiça. Referida premissa, portanto, propicia na prática a aplicação do princípio de diferença rawlsiano, pois cria-se um cenário em que o nivelamento das liberdades permite a construção de um novo acordo social que discuta a distribuição de bens sociais primários em novos termos, mas focados numa concepção una de justiça equitativa.
Assim, diante do cenário econômico desolador, pensar numa fórmula de distribuição de meios de obtenção de oportunidades de sobrevivência e desenvolvimento que prime o alcance coletivo de sucesso, com a divisão das desigualdades de forma proporcional, parece um necessário sonho de um mundo mais justo e igual nesse mundo pós-pandemia.
Referências
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