<span class="sans">Sobre as ideologias tecnoprodutivas do mundo digital:</span> esboço para uma crítica ao ideário informacional

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Adriano Parra
Cíntia Medina

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volume 2 ⁄ número 2 ⁄ dez 2021 ↘ Artigo

Sobre as ideologias tecnoprodutivas do mundo digital: esboço para uma crítica ao ideário informacional

Adriano Parra & Cíntia Medina

O presente artigo resulta de pesquisas realizadas pelos autores no âmbito de seus respectivos programas de pós-graduação, bem como de projetos de pesquisa e extensão para a realização de doutorado e pós-doutorado por parte dos autores, que agradecem as valiosas contribuições de Cristiano Carvalho e Luciene Medina.

 

Pangloss dizia às vezes a Cândido: “Todos os acontecimentos estão encadeados no melhor dos mundos possíveis; pois, afinal, se não tivésseis sido expulso de um lindo castelo a grandes pontapés no traseiro pelo amor da senhorita Cunegunda, se não tivésseis sido submetidos à Inquisição, se não tivésseis percorrido a América à pé, se não tivésseis dado um bom golpe de espada no barão, se não tivésseis perdido todos os vossos carneiros do bom país Eldorado, não comeríeis aqui cidras recheadas de pistaches”. “Isso está bem falado”, respondeu Cândido, “mas é preciso cultivar o nosso jardim”.

Voltaire (Cândido, ou o Otimismo)

 

Resumo

Na última década, o entusiasmo em torno das novas tecnologias da informação e comunicação – oriundo de uma cibercultura forjada com base no surgimento histórico da internet comercial – tem levado muitos pesquisadores e movimentos do afamado ambiente virtual a concepções e formulações ideológicas baseadas no abstrato princípio de ‘justiça social em rede’. Tal engajamento e ideário políticos em torno das recentes tecnoprodutividades digitais em desenvolvimento ganharam novo fôlego com o surgimento da famigerada economia do compartilhamento, que dissemina novos modelos de negócios baseados na ‘troca entre pares’. Esse maravilhamento tecnoinformacional em curso tem mistificado as determinações que se encontram por detrás do atual estágio tecnoprodutivo do modo de produção capitalista, cuja operacionalidade mercantil tende a ocultar o vínculo das ‘benesses’ de um consumo compartilhado em rede com o crescente processo de teleassalariamento da força de trabalho em escala planetária.

1.Prolegômenos

Este artigo procura apresentar ao leitor o esboço de uma crítica ao ideário informacional contemporâneo em suas mais diversas expressões idílicas e autonomistas. Para tal, devemos desde logo salientar que nossa argumentação não partirá de terminologias sociológicas apriorísticas, nem mesmo de conceituações tipicamente funcionalistas e/ou culturalistas. Calcadas no vigor de um simbolismo que toma esse ideário como uma das forças motrizes do atual processo de reestruturação produtiva em curso no interior do modo de produção capitalista, essas ‘chaves-explicativas’, típicas de renomados especialistas do campo cibercultural, como Pierre Lévy e Manuel Castells, pouco nos podem auxiliar na compreensão do significado sócio-histórico do que tem vindo a se passar no afamado mundo digital. Uma vez que tomam a fenomenologia dos fatos cotidianos em torno de expressões materiais do campo informacional-digital – como a internet, o ciberativismo e a dita economia do compartilhamento – enquanto elementos explicativos do próprio processo de constituição do mundo digital, tais autores acabam (mesmo que não intencionalmente) promovendo uma descrição tautológica dos resultados empíricos oriundos dos processos e das relações sociais, os quais deveriam, em contrapartida, explicar.

Nesse sentido, nosso objetivo não poderia ser outro senão o de reproduzir crítica e teoricamente os processos e as relações sociais que fornecem as legalidades daquilo que cotidianamente observamos como expressões materiais e ideológicas do chamado mundo virtual, destacando, ademais, suas funcionalidades para o atual estágio de reprodução do modo de produção capitalista em sua fase monopolista-financeira. Em tal empreitada, por sua vez, nos será necessário explicitar ao leitor as querelas que se encontram calcadas tanto na práxis cotidiana do modo de produção capitalista – na qual os indivíduos em atividade de empenho prático tomam o usufruto das novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) como atividades autônomas de produção e consumo tecnológico em uma condição de maravilhamento diante dos objetos que manipulam – quanto em suas expressões ideológicas no campo teórico-reflexivo (como é o caso dos autores anteriormente mencionados, entre outros).

Ao contrário de uma posição teórica que toma unilateralmente o debate em torno dos rumos da produção material contemporânea diante do novo aparato tecnodigital como mera expressão manipulatória dos agentes econômicos em sua busca incessante por lucro ou, em suas antípodas, como possibilidades autônomas de emancipação humana diante do ‘terror econômico’, nossa argumentação pretende mostrar que tais visões unilateralizadas são elas mesmas produtos ideológicos da própria reestruturação produtiva que o capital necessita implementar em sua incessante tentativa de saída da atual crise econômica. Saída esta que ocorre via aumento de produtividade (do trabalho). Além disso, como o leitor poderá observar ao longo das próximas páginas, a problemática que envolve o excessivo destaque midiático em torno de expressões recentes como ‘indústria 4.0’, ‘quarta revolução industrial’ e ‘compartilhamento em rede’, por exemplo, nada mais revelam do que a amplificação do cunho fetichista típico do mercado burguês em sua anárquica distribuição do excedente produzido pela totalidade do trabalho social. Totalidade que, em sua reprodutibilidade material, incorpora também o dito ‘mundo virtual’ e tudo o que a ele se associa.

Entretanto, para que se logre satisfatória a exposição de nosso esboço crítico acerca do ideário informacional contemporâneo, em suas mais diversas expressões, precisamos nos defrontar com o próprio status quo estabelecido em torno daquilo que podemos chamar de ambiente tecnodigital ou, em outras palavras, de esfera tecnoprodutiva digital. Como muito se tem falado acerca desse tema, tanto no interior dos ditos meios acadêmicos universitários e nos espaços midiáticos em geral quanto no ideário próprio de um senso comum impactado com as rápidas transformações tecnológicas em curso, a tarefa de expor o esboço de uma crítica ao ideário informacional passa antes de tudo pela ‘limpeza do terreno’. Isto é, pela clarificação e desmistificação de algumas categorias e terminologias que unilateralizam o advento dos aparatos tecnodigitais no interior do modo de produção capitalista como entes autômatos diante da lógica de acumulação do capital. Tal tarefa é necessária para que possamos estabelecer uma sólida base crítico-teórica diante dos fenômenos que perpassam o chamado mundo virtual, sendo esta base exposta no item 2 deste artigo. Em seguida, no item 3, para que nossa crítica ao ideário informacional contemporâneo possa nos levar a uma reflexão mais detida sobre os atuais fenômenos que envolvem as relações entre o contexto sócio-material mais amplo e o aparato tecnodigital em particular – com destaque para a famigerada ‘economia do compartilhamento’ e seu idílico ideário ‘distributivo’ –, necessitamos realizar um resgate à ontogênese do próprio ideário informacional no interior do modo de produção capitalista, com destaque, principalmente, para a conformação de uma cibercultura calcada, sobremodo, no advento da internet comercial e em suas potencialidades técnicas e comunicacionais. Realizar tal resgate é elucidar ao leitor a antecedência histórica do largo processo de consolidação hegemônica do aparato tecnodigital no interior do ideário social e em sua condição de reprodutibilidade material em benefício da lógica de acumulação capitalista. Temas estes tão escamoteados entre os ditos especialistas e intelectuais do assunto.

Por fim, no item 4 deste artigo, superados os dois momentos expositivos anteriores – em torno de uma desmistificação das terminologias popular e teoricamente difundidas sobre o chamado avanço tecnoprodutivo digital em curso e de uma explicitação ontogenética das bases materiais que histórica e logicamente antecedem o atual panorama da chamada cibercultura –, propomos uma breve exposição crítico-teórica acerca do movimento de reprodução social assentado, entre muitos aspectos, sobre a base material de uma profunda reestruturação produtiva em curso (em benefício dos capitais em crise), cuja expressão mais destacada passa, sem dúvida, pela conformação da chamada economia do compartilhamento [sharing economy]. Instância essa na qual redunda um mistificado (e fetichista) maravilhamento tecnoinformacional que, entre suas múltiplas expressões, apresenta uma amplificada consciência ingênua (e, portanto, pouco ou nada crítica) acerca do papel histórico dos aparatos tecnodigitais em implementação no atual cenário de crise do modo de produção capitalista.

2.Notas sobre as bases ideológicas da esfera tecnoprodutiva digital

Como sabemos, a conjuntura histórica mundial da última década nos tem apresentado uma série de factualidades que expressam os impactos oriundos da famigerada ‘quarta revolução industrial’, também popularmente chamada ‘indústria 4.0’. Especialistas nos campos da economia e da tecnologia digitais têm se desdobrado em indagações e assertivas premonitórias acerca do advento e da popularização das novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) e sua progressiva implementação no interior do complexo produtivo industrial, bem como nos ditos setores de comércio e de serviços. Muitos desses proclamados ‘especialistas’, alçados ao trono dos sábios incontestáveis pela grande mídia, argumentam que a dita ‘indústria 4.0’ em curso procura revolucionar os processos tecnoprodutivos de produção1 e distribuição de bens e serviços, trazendo ‘grandes benefícios’ aos seus usuários e à ‘economia como um todo’ (Schwab, 2016). Tais cantilenas, apenas reforçadas pela exploração mais rasa de um senso comum assentado nas aparências mistificadoras da cotidianidade, revelam apenas o tono, a fina casca dos fatos consumados, o reforço do ‘olhar crítico’ sobre a obviedade aparente, o resultado acabado como sua própria substância e razão de ser. Talvez não saibam, ou melhor, não queiram ou não lhes interessa saber que, por detrás dos ‘benefícios’ advindos dessas novas tecnologias, reside um amplo complexo de relações sociais (e mesmo interpessoais) que dão sustentação e reprodutibilidade aos seus ‘frutos’.

Como é comum nas ciências econômicas de nosso tempo, cujo legado histórico de seus primeiros neoclássicos há muito é qualificado como de natureza vulgar, o objetivo ‘científico’ é transformar tudo o que seja histórico e social em abstrações econômicas, ou seja, em abstrações meramente quantitativas; passíveis, assim, de serem manipuladas enquanto dados que se encerram e se explicam em simples, mas também em cada vez mais sofisticados, modelos matemáticos. Senão vejamos, o que expressam os papagaiados índices econômicos que inundam os telejornais, a mídia impressa e os meios eletrônicos dos portais de notícias? “O produto interno bruto caiu no primeiro trimestre do ano”, “a taxa de desemprego cresceu nos últimos seis meses”, “o índice de confiança dos investidores tem sido abalado pela forte queda da bolsa”; enfim, são simples variáveis matemáticas expressas no tempo. Nada se diz sobre como e porque a riqueza produzida por uma nação em um dado período diminuiu. Nenhuma palavra proferida sobre como a produção e a distribuição dessa riqueza se converte em desemprego para muitos e em possibilidades de investimento para poucos. Escamoteia-se, pela repetição à exaustão, a raiz social das contradições que envolvem essa ‘economia pura’, as mediações sócio-históricas que em si recheiam e dão legalidade aos conteúdos apriorísticos e quantitativos do mero cálculo econômico (Vieira Pinto, 2008). Como se vê, a mediocridade do pensamento econômico vulgar apenas se intensificou ao longo de mais de dois séculos2.

Por conseguinte, não nos deve trazer qualquer admiração ou espanto que esse mesmo procedimento maçante dos economistas fosse também aplicado às inovações tecnológicas em curso, principalmente àquelas que dizem respeito às potencialidades econômicas – de rentabilidade e consumo – do mundo digital. Não sem razão, temas tão fluídos como “inovação digital”, “compartilhamento em rede”, “acesso livre a dados” e “ciberativismo” têm interessado cada vez mais empresas e consumidores ao redor do globo. A tendência é que o senso comum se encontre paulatinamente mais familiarizado com os temas e os termos do linguajar cibernético. Vejamos, assim, ao longo deste breve artigo, como se apresentam as ideologias dominantes diante da esfera tecnoprodutiva digital em desenvolvimento.

Por ora, podemos iniciar nossa argumentação partindo da aparente obviedade que se manifesta cada vez mais em nosso cotidiano: que o mundo digital em voga parece conquistar cada vez mais adeptos. Isso torna seu crescente mercado de consumo high tech uma mina de ouro em expansão para os capitais que almejam retomar suas taxas de lucro. Desse ponto de vista ‘imediato’ de investimento econômico, aplacam-se louvores midiáticos à famigerada ‘indústria 4.0’, revestindo-se de excessivo otimismo as potencialidades dessa tal ‘quarta revolução industrial’; embora muitos de seus propagadores desconheçam o seu efetivo significado sócio-histórico. Em seu revés, difundem-se os possíveis ônus dessa revolução digital, principalmente no que diria respeito a uma suposta radical alteração do atual panorama tecnoprodutivo e, consequentemente, do coetâneo mercado (da força) de trabalho. Situação essa que poderia acarretar um crescimento desmedido do exército industrial de reserva, bem como ampliar (em escala e em intensidade) os níveis de pauperização das classes trabalhadoras em todo o mundo. Todavia, se pensarmos de modo rigoroso, mesmo que ainda sem elementos suficientes para um embasamento teórico mais aprofundado, veremos que a própria utilização difusa dos termos ‘quarta revolução industrial’ e ‘indústria 4.0’ apresenta significativos problemas para uma avaliação pertinente do que realmente tem se passado entre o mundo corporativo-laboral e os entusiastas (ávidos consumidores) dos recentes avanços teleinformacionais/digitais em curso.

Em primeiro lugar, se o que estamos assistindo com mais agudez na última década é o desenvolvimento e a implementação de tecnologias informacionais digitais cada vez mais sofisticadas, não nos é permitido afirmar que tal incorporação no interior do modo de produção capitalista e, consequentemente, em seu mercado consumidor venha a substituir por completo as tecnologias analógicas e as modalidades mecatrônicas de produção industrial já existentes. Na realidade, trata-se muito mais de uma implementação aglutinadora de inovações tecnológicas, que permitem o aperfeiçoamento das técnicas de produção de bens e serviços já existentes, que de uma subsunção completa dessas técnicas preexistentes ao aparato tecnodigital em desenvolvimento.

Se observarmos a história da ciência e da engenharia modernas (principalmente nos últimos dois séculos e meio de desenvolvimento do modo de produção capitalista), veremos que aquilo que genericamente se convencionou chamar de revolução industrial3 é tão somente uma abstração intelectiva que apenas possui razão de ser na medida em que possamos compreender que aquilo que está sendo tecnicamente revolucionado, no âmbito da produção de bens e serviços, não desaparece por completo do desenvolvimento histórico da tecnoprodutividade do trabalho. Em vez disso, o aparato técnico preexistente (e, por isso, historicamente antecedente) no interior das relações sociais de produção permanece em sua existência preambular enquanto parte de um aprimoramento técnico específico que se origina no interior do complexo produtivo já existente. Nada se cria do nada. Sendo a novidade técnica uma objetivação humana até então inexistente – uma possibilidade [dýnamis] que se tornou factualidade [enérgeia] –, ela também se substancializa, ao menos em parte, como resultado de um empreendimento produtivo inédito que só pôde se apresentar como tal na medida em que se fez avançar os conhecimentos e os procedimentos técnicos já dominados e implementados no interior da produção da riqueza socialmente vigente; logo, em seu modo de produzir e distribuir seus frutos às classes que lhe competem.

Trata-se, assim, de um processo histórico-dialético de transformação em meio à permanência. Isto é, de uma processualidade socialmente contraditória de suprassunção – negação, conservação e elevação do ser em devir; em vir-a-ser – de uma condição técnica operante, mas obsoleta (diante dos limites que apresenta para a reprodutibilidade das funções que exerce em determinado contexto socioprodutivo), a um patamar técnico desenvolvido (logo, mais mediatizado) e, por isso, adequado à conjuntura socioprodutiva vigente. Patamar esse que conserva e lega para si certos traços tecno-operantes outrora inovadores, porém ainda indispensáveis à externalização das técnicas que se apresentam na atualidade como efetivamente inovadoras. Em consequência disso, o processo histórico de desenvolvimento técnico, em seus supostos saltos qualitativos, não pode se desdobrar ontologicamente (em seu modo de ser e se reproduzir) como a plena substituição de um velho e obsoleto aparato fabril em funcionamento por um novo e inovador sistema tecnoprodutivo4.

Em segundo lugar, a qualificação do atual momento produtivo do modo de produção capitalista, como sendo simplesmente resultante de uma ‘quarta revolução industrial’ ou como expressando o puro advento de uma ‘indústria 4.0’, pode levar seus propagadores à unilateralização de suas inovações. Isto é, tomando as inovações tecnoprodutivas do mundo digital como elementos desmesuradamente significativos no interior da produtividade geral da economia burguesa. Com isso não queremos afirmar seu justo oposto, ou seja, que tais inovações não sejam significativas para o aumento da produtividade técnica em geral. Pelo contrário, tais inovações têm, de fato, alterado substancial e qualitativamente a produção e a circulação de inúmeras mercadorias – sejam aquelas que já satisfaziam um conjunto consagrado de necessidades humanas, sejam aquelas que apresentam efeitos úteis inéditos. Porém, quando não observadas de modo crítico sob o prisma da ampla diversidade produtiva da economia burguesa, essas inovações podem ser tomadas como omnipresentes no interior das técnicas produtivas em curso; vistas assim, do ponto de vista técnico, como eminentemente revolucionárias diante do patamar produtivo preexistente em que se apoia a reprodução do modo de produção capitalista. A tal ponto que a própria substância desse modo de produção poderia já nem apresentar àquelas legalidades descobertas pela crítica da economia política elaborada por Marx e seus herdeiros político-teóricos.

Não é por acaso que nas últimas décadas intelectuais e acadêmicos por todo o mundo passaram a se referir ao modo de produção capitalista contemporâneo como um capitalismo “cognitivo”, “colaborativo”, “digital”, “de multidão”, “de plataforma”, “de vigilância”; ou então como uma economia “do conhecimento”, “digital”, “criativa”, “pós-industrial”, “do compartilhamento”; ou, ainda, como constituindo uma sociedade “da informação”, “do conhecimento”, “em rede” etc (Negri & Lazzarato, 2001; Castells, 2003; Sundararajan, 2018). Assim, mais do que ressaltarem as mudanças qualitativas da tecnoprodutividade digital em curso e a implementação de novos aparatos teleinformacionais em setores da economia burguesa já operantes, a utilização indiscriminada dessas adjetivações tende a privilegiar no horizonte teórico uma suposta descontinuidade socioeconômica entre um período histórico passado, presumidamente ‘pré-cognitivo’, ‘pré-informacional’ e ‘pré-digital’, e o atual momento histórico no qual o capital se apoiaria não mais nos tradicionais ciclos industriais de valorização do valor, mas nas “vendas de dados, conhecimento, bens e serviços digitais”5.

Percepções apressadas e superficiais como essas – normalmente defendidas sob uma perspectiva claramente empiricista dos fatos cotidianos – implicam em sérios problemas teóricos para aqueles que procuram efetivamente compreender os nexos causais entre essa inovadora implementação tecnoprodutiva digital em curso e o complexo industrial que já se encontra vigente no interior da economia burguesa. Para que possamos chegar a bom porto, o complexo industrial vigente deve ser analisado não apenas em sua dimensão técnica propriamente dita, mas também e principalmente em sua reprodutibilidade social (em suas formas de sociabilidade vigente), ambas compreendendo a própria totalidade do modo de produção capitalista em seus mais diversos períodos de acumulação.

Em contrapartida, mesmo que muitos desses especialistas em economia digital não considerem essa quarta revolução industrial um fenômeno total que suplantou por completo as técnicas produtivas preexistentes, há uma tentação mais ou menos difundida (entre os ditos especialistas e entre os meios de comunicação de massa) em ver esse processo se concretizar no futuro (Ford, 2019). Assim, não são raras as projeções que, mais uma vez, sob outro pretexto, determinam o fim do trabalho e a substituição dos trabalhos exercidos pela mão humana a partir do emprego de maquinarias digitais em benefício da coletividade.

Essa, por exemplo, é a visão de Arun Sundararajan, coordenador na Stern School of Business da Universidade de Nova York. Considerado um dos principais especialistas em economia e tecnologia de bens digitais em rede, Sundararajan (2018) defende a tese de que as novas potencialidades do compartilhamento digital em rede estão conduzindo o mundo contemporâneo ao fim do emprego e à ascensão daquilo que chama de capitalismo de multidão. Isto é, na criação de uma espécie de mercado interpessoal e solidário de bens e serviços digitais que, em sua visão, cria um ambiente comunitário de confiança e reciprocidade radical das trocas econômicas – o que ele, mistificadoramente chama de “mercado-dom”6 – distinto, portanto, daquilo que considera ser uma típica “economia de mercado”, própria de um “capitalismo impessoal e despersonalizado” (Sundararajan, 2018, p. 66).

Em contrapartida, proliferam-se projeções atemorizadas pelos resultados das pesquisas que fazem avançar a possibilidade distópica de uma inteligência artificial completamente ou quase autônoma (FORD, 2019). Resultados esses que, em parte, estabelecem uma suposta contraposição radical àquela visão idílica de um mercado cooperativo em rede tão disseminada por Sundararajan. Sob esse temor, aliás, residem recentes estudos prospectivos acerca dos impactos da inteligência artificial na esfera socioeconômica, como o ExperiencIA – Datos e inteligencia artificial en el sector público, da Corporación Andina de Fomento (2021), que reforça esse sentimento, porém tomando tais impactos apenas em sua aparência fenomênica.

Por um lado, surgem cada vez mais empresas e startups que fazem uso das novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs) para se tornarem mais produtivas do que seus concorrentes. Isso leva a que esses mesmos concorrentes (entre os quais empresas ‘analógicas’ que já atuam no mercado mundial) também procurem inovar suas técnicas produtivas, agora baseadas no aumento da produtividade média possibilitado por esses novos aparatos tecnodigitais. Essa legalidade, contudo, não é algo inédito e faz parte do próprio modo de ser da produção capitalista, que, por meio da progressiva inovação técnica, procura ampliar suas bases de valorização do valor – aqui tomadas como sendo parte das novas modalidades de investimento do capital adiantado. Nesse plano socioabstracional mais amplo, portanto, a concorrência entre as empresas aparece como resultado dessa busca desmedida pela valorização de seus capitais investidos. Já no plano particular da inovação tecnológica, propriamente dita, a concorrência aparece mistificadoramente como dínamo do próprio progresso técnico, ou seja, como um maravilhamento tecnológico7, que existe em primeiro lugar como mediação necessária para o ganho competitivo sobre os demais concorrentes e, em segundo lugar, como meio em si de contemplação e consumo das benesses oriundas dessa inovação propriamente técnica (Vieira Pinto, 2005). Ademais, essa inovação tecnológica aparece aqui como que revestida pelo puro néctar do progresso técnico que se encontra a serviço da humanidade. Temos então nesse cenário um conjunto de factualidades que fazem emergir (ainda que de modo aparente) a centralidade do aparato tecnoprodutivo digital como motor mesmo da inovação e, consequentemente, como produtor das possibilidades concretas de emancipação humana. Aqui aparecendo de modo mais concreto sob a forma determinada de um maravilhamento tecnoinformacional. Embora, em seu reverso, esse mesmo aprimoramento técnico expresse a possibilidade concreta de uma crescente taxa de desemprego – aqui observada sob uma clara perspectiva de classe, a perspectiva proletária do processo.

Por outro lado, a materialidade contida nessas novas tecnologias digitais e, portanto, sua potencialidade em fornecer um leque cada vez mais eficaz de efeitos úteis, parece contrapor, por si mesma e de modo mais intensificado, o velho e desgastado binômio homem-máquina. Contraposição que pode ser observada tanto pela crescente “simbiose” entre usuários e meios tecnológicos à disposição no mercado quanto pela aparente (mas não falsa) prevalência da competência informacional autônoma em vez da imediata capacidade humana de intuir e agir no mundo. E isso possui sua razão de ser na medida em que a linguagem algorítmica tem se popularizado enquanto jargão. Não sem motivo, nos últimos anos o termo algoritmo passou a fazer parte de nosso cotidiano. Seja nos meios de comunicação de massa, seja nos ambientes corporativos, seja mesmo nos círculos de especialista em tecnologia; todos, de algum modo, têm contribuído para a difusão cultural do termo algoritmo – que, diga-se de passagem, não é recente (Almeida, 2012).

Como sempre, o senso comum, fruto ideológico da cotidianidade que imediatiza os acontecimentos, toma para si os termos difundidos (em razão da própria reprodução de sua materialidade) procurando, dentro de seus limites, torná-los coerentes para si. Nesse sentido, o termo algoritmo é tomado muitas vezes como sinônimo de automação, de mera codificação pura e simples, ou seja, como algo que, sendo resultado técnico que se autonomiza de seu criador, existiria por si mesmo de modo neutro e imparcial. Por conseguinte, tais algoritmos não se mostram como aquilo que efetivamente são: frutos objetivados de interesses político-econômicos de classes, principalmente a serviço das grandes burguesias localizadas no interior das economias centrais. Porém, não é assim que tais objetivações cibernéticas se apresentam. Elas aparecem antes, na imediaticidade da vivência cotidiana, como um conjunto de abstrações concretas que ocultam a sua ontogênese sócio-histórica em detrimento de suas possíveis utilidades tecno-operatórias.

Assim, como em qualquer relação social mistificada no interior do modo de produção capitalista, a percepção individual que toma o aparente como razão de ser das coisas não é resultado de um equívoco cognitivo ou de uma compreensão puramente falsa da realidade social, mas parte constitutiva da realidade vigente, normalmente correspondente ao resultado empírico da coisa observada. Encontra-se aí, portanto, o cerne mistificador das concepções ideológicas acerca do advento das tecnologias digitais, as quais são tomadas de forma desmensurada pelo proveito técnico de suas qualidades úteis, independentemente do contexto histórico e das formas sociais a que se destinem (Vieira Pinto, 2005).

Parece então que o atual modo de viver, que inunda o cotidiano de complexas mediações tecnodigitais (de aparelhos e equipamentos cada vez mais sofisticados), expressa senão a vitória da máquina sobre o homem. Mas, será mesmo? Qualquer um saberá que essas novas tecnologias digitais são frutos da mão humana. Porém, sendo cada vez mais sofisticadas, mediatizadas por conhecimentos tecnocientíficos altamente especializados, e estando também cada vez mais subordinados aos ganhos econômicos, essas novas tecnologias digitais aparecem-nos como bens acabados, prontos para o consumo de suas benesses. Encontram-se, assim, envoltas em processos sociais cada vez mais ‘criptografados’, para usarmos o linguajar do momento. Isto é, essas novas tecnologias digitais aparecem-nos totalmente conclusas, prontas para nos servir (ou talvez para nos oprimir), sem ao menos nos revelar quais relações sociais lhes originaram ou, mais precisamente, a que funções sociais se destinam enquanto parte da imensa coleção de mercadorias atualmente produzidas e consumidas no interior do modo de produção capitalista em sua fase monopolista-financeira.

A questão de fundo, portanto, é saber a quem e a que propósitos se destinam os novos aparatos tecnodigitais à serviço da economia burguesa contemporânea. Isso passa por compreendê-los para além de seu imediato consumo improdutivo (aquele destinado apenas à satisfação das necessidades pessoais de seus usuários). Antes, porém, será proveitoso desnudar a aparente base material que mistifica (e, por isso, ideologiza) as potencialidades e o usufruto imediato desse novo aparato tecnodigital (tarefa essa a qual, em parte, nos propomos a refletir neste breve artigo).

Portanto, nesse contexto mistificador, a economia vulgar de nosso tempo – bem como seus bajuladores midiáticos e entusiastas em geral – acaba por cultuar as novidades tecnológicas do mundo digital, principalmente se essas possibilitarem a viabilização de novos negócios, o mérito técnico e, por que não dizer, de possibilidades ainda não desenvolvidas de empreendedorismo em rede (Gauzner, 1980). Não por acaso, as atuais possibilidades de compartilhamento de bens e serviços em rede – em sua famigerada e contemporânea economia do compartilhamento [sharing economy] –, por exemplo, têm levado muitos pesquisadores e entusiastas do mundo digital a reflexões que exaltam as potencialidades tecnodigitais em curso, tomando-as como alternativas concretas de descentralização da produção e oferta mercantil. Nesse sentido, esses bens e serviços digitais, digamos sob demanda [on-demand], figuram-se no imaginário cibercultural de nossos dias como itens de consumo alternativo face às mercadorias produzidas e distribuídas pelas atuais megacorporações do modo de produção capitalista, as quais são observadas, nesse mesmo registro, como organizações mercantis moralmente nefastas à conformação de uma espécie de mercado solidário entre simples indivíduos.

Todo esse ideário pode até parecer um exagero de nossa parte, mas o desmedido entusiasmo em relação às novas tecnologias digitais em rede é algo que pode ser notado em diversas explanações de muitos de seus apologetas. Tal conduta pode ser observada mesmo entre aqueles que se colocam como pesquisadores do tema, como o economista Ricardo Abramovay, o qual afirmara que

em comum com o fantasma que saía das páginas do Manifesto Comunista de 1848, o atual [momento], como mostram estes três exemplos [nos campos da energia sustentável, streamings de música e software livre], assusta por se apoiar no uso compartilhado de recursos sociais. Ele é chamado de economia colaborativa ou economia do compartilhamento. Em contraste com o de Marx e Engels, porém, ele não passa pela apropriação coletiva de meios de produção pertencentes a mãos privadas. O fantasma atual horizontaliza as relações humanas, descentraliza os instrumentos de produção e troca, abre caminho para laços de cooperação direta entre indivíduos (conhecidas como peer-to-peer  ou P2P) e empresas (business-to-business ou B2B) e contesta o uso indiscriminado dos direitos autorais como base da inovação. (Abramovay, 2014, pp. 105-106)

Como podemos observar, colocações apologéticas como as de Abramovay (que atualmente parece estar um pouco mais cético diante dos rumos tomados pela sharing economy) demonstram o poder ideológico do advento das novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) que têm popularizado na última década, principalmente no que diz respeito a uma espécie de aura progressista que se vê manifesta em suas possibilidades técnicas de compartilhamento e disseminação de informação e conhecimento entre indivíduos8. Isto é, enquanto possibilidades técnicas que, diga-se de passagem, têm sido efetivamente viáveis. Em tal condição de viabilidade técnica, Abramovay não hesita em comparar as atuais mobilizações socio-virtuais em torno das tecnologias de compartilhamento em rede – principalmente àquelas de transmissão de informações ponto-a-ponto [peer-to-peer] – com o espectro do comunismo citado por Marx & Engels (2010) à luz das insurreições proletárias que, não sem razão, culminariam com a Primavera dos Povos, no agitado ano de 1848. Porém, não nos parece grande esforço demonstrar que tal analogia é muito mais um recurso retórico de apelo moral do que parte de um argumento efetivamente científico – no sentido de proporcionar reflexões dignas de uma teoria social. Contextos históricos e objetivos de classe muito distintos separam a grandiosidade dos acontecimentos revolucionários ocorridos na Europa oitocentista com a implementação contemporânea de tecnologias digitais de compartilhamento em rede que nada propõem senão promover (ou ao menos aspirar) alternativas de redistribuição de mercadorias entre pares – o que designaremos mais a frente como ideologias do compartilhamento.

Nesse âmbito, podemos dizer que as aspirações tecnodesenvolvimentistas em voga – que tomam o advento tecnodigital como motor mesmo de uma emancipação humana in abstracto –, como aquelas expressas por Abramovay, desnudam, ao menos no plano da vivência cotidiana, o produto ideológico de um mercado mundial pautado pela implementação tecnoprodutiva das potencialidades oriundas do mundo virtual. Produto ideológico esse que se caracteriza pela unilateralização das potencialidades técnicas do aparato digital em desenvolvimento, cujos efeitos úteis devem redundar em um mundo de dever-ser.

Ao fim e ao cabo, o contexto informacional digital almejado pelo autor, revela, simultaneamente, uma materialidade socialmente determinada pela existência generalizada de um mercado que busca, por meio das inovações tecnoinformacionais do presente, uma crescente aceleração em seus tempos de rotação. Isto é, que devem viabilizar ininterruptamente a elevação dos valores existentes (dos capitais adiantados), comprando rapidamente para vender, produzindo mais e de forma ágil, circulando as mercadorias à disposição com a mesma celeridade em que as produzem. Celeridade somente possível graças aos recursos disponibilizados pelas tecnologias digitais que, dia após dia, procuram romper as amarras do tempo-espaço (Harvey, 2014).

Da perspectiva do capital, ou seja, de realização dos valores excedentes, essa funcionalidade tecnoprodutiva de tipo digital é inerente ao fim último de sua acumulação em escala ampliada – parte operacional de um processo de ampliação e intensificação dos modelos de negócios que visam uma repetição à exaustação da valorização dos investimentos alocados. Já da perspectiva do usufruto dos usuários em rede, ou seja, da satisfação de suas necessidades pessoais via consumo dos valores de uso propiciados por esse novo aparato tecnodigital, suas benesses – principalmente aquelas que, na atualidade, se mostram como vocacionadas ao compartilhamento em rede – aparecem mistificadoramente como fim último de sua existência ou, ao menos, como uma serventia coletiva que deve ser alcançada. Entretanto, por detrás de toda essa inovação que procura, na imediaticidade do cotidiano, servir com eficiência os desejos de consumo de seus entusiastas, fomentando assim novas possibilidades de negócios e novos laços sociais, há um progressivo processo de teleassalariamento da força de trabalho em escala mundial, proporcionado pela mesma popularização e disseminação dessas novas tecnologias da informação e comunicação, agora efetivamente em rede (Cant, 2021).

Às expensas das frações das classes trabalhadoras mais precarizadas ao redor do globo e dos desalentados que se encontram no interior da totalidade do exército industrial de reserva, as modalidades laborais subsumidas por essa tecnoprodutividade digital em curso ganham vida. Afinal de contas, haverá sempre aqueles que se apresentam direta ou indiretamente como os responsáveis pela produção e distribuição dos bens e serviços digitais, agora disponibilizados sobre o brilho ofuscante das comodidades on-demand (Cant, 2021).

Nesse sentido, aquilo que antes nos aparecia um mero conjunto de cantilenas, oriundas de uma ciência (?) econômica que não disfarça o seu entusiasmo pelas novas tecnologias digitais, pode agora ser observado sob o prisma da desmedida exploração do trabalho alheio. Bens e serviços digitais, produzidos e consumidos com eficácia e destreza, podem agora ser compreendidos sob o plano da atividade laboral que se encontra subjugada ao modo capitalista de se produzir e fornecer tais benesses. Todavia, nosso papel neste momento não é o de enveredarmos abruptamente por esse processo social mais amplo, que viabiliza a reprodutibilidade do mundo digital a serviço do capital. Essa é uma tarefa a ser desenvolvida posteriormente. Neste momento, cabe-nos, tão somente, apresentar ao leitor a ontogênese dos aspectos ideológicos mais correntes entre os entusiastas e os especialistas do mundo digital.

3.Ontogênese das ideologias do imaginário cibernético

Desde o advento comercial da World Wide Web, nos idos anos 1990, o entusiasmo e a curiosidade em torno das tecnologias digitais ganharam excessivos contornos de otimismo. Sem dúvida, o despertar das telecomunicações digitais e a consequente consolidação da internet como meio de conexão instantânea entre distintas regiões do globo proporcionaram um significativo salto qualitativo9 em termos de desenvolvimento geral das forças produtivas. Poder armazenar dados com maior segurança, acessar as mais diversas informações disponíveis por meio de um simples clique, bem como se comunicar instantaneamente, seja por voz e vídeo, com qualquer um a partir de qualquer lugar, são verdadeiros avanços tecnológicos10 que temos hoje à disposição – via mercado – em nossa vivência cotidiana. Tais possibilidades em nada se comparam aos volumosos arquivos em papel, às imensas enciclopédias enfileiradas na estante e aos onerosos e limitados sistemas de telecomunicação analógica tão populares na segunda metade do século XX.

Com todo esse aparato high tech a nossa disposição, embora mediado pela legalidade das trocas11, não nos é possível (nem cabível) negar que a superação do antigo mundo analógico pelo recém-nascido mundo digital traz, em termos prático-operatórios, diversos avanços e facilitismos para aqueles que, em sua condição de aptos consumidores, possam usufruir de suas benesses. Todavia, é desse pragmático utilitarismo digital que também podemos observar um excessivo sentimento de otimismo por parte daqueles que se encontram diante dos novos aparatos tecnodigitais em comercialização. Um otimismo que possui suas matrizes ideológicas estreitamente vinculadas a certas concepções ciberlibertárias12 (genéricas e idealizadas) de liberdade individual, emancipação humana e justiça social.

Não restam dúvidas, portanto, de que o advento comercial da internet – e tudo o que dela se poderia obter naquele contexto de implementação de novos recursos tecnológicos à disposição – foi um fenômeno histórico de imensa repercussão e magnitude ao redor do globo, principalmente entre as nações do chamado Primeiro Mundo. Nações essas que já se encontravam na vanguarda tecnocientífica da chamada Terceira Revolução Industrial, também conhecida como Revolução Digital ou Revolução Microeletrônica (Sevcenko, 2001). Nesse período histórico, estudos e pesquisas sobre novas redes de comunicação informacional, que vinham se desenvolvendo ao longo das décadas de 1970 e 1980, principalmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, aliados ao advento e à popularização do computador pessoal [personal computer], permitiram, já no fim da década de 1990, uma disseminação mais ampla dos recém-criados serviços online, embora ainda concentrada em certas localidades e regiões13.

Assim sendo, em tal conjuntura histórica de extrema inovação tecnológica, não seria de modo algum estranho encontramos entusiastas seduzidos com esse novo mundo propiciado pelo advento da internet comercial. Vanguardistas de plantão, exultantes com as novidades do recém-criado empreendimento virtual, cultuavam a nova rede mundial de computadores com rituais de consumo14 até então desconhecidos. Sem dúvida, essa atmosfera de entusiasmo desmedido contaminou boa parte dos emergentes especialistas no assunto, atraindo também a curiosidade de diversos cientistas sociais àquele período. O justificado entusiasmo dos cientistas da computação – corpo socioprofissional tecnicamente mais familiarizado com os procedimentos e processos envolvidos na criação da internet comercial – era acompanhado por um fascínio antropológico e sociocultural pautado por certo visionarismo tecnodesenvolvimentista. Isto é, pela crença de que o surgimento da internet seria capaz de promover um desenvolvimento social em virtude de suas inéditas potencialidades técnicas.

É certo que, no fim da década de 1990 e princípios dos anos 2000, havia uma certa desconfiança em relação aos rumos daquele admirável mundo digital, principalmente no que dizia respeito aos possíveis impactos socioeconômicos e culturais oriundos da nova exploração comercial15 da internet. Todavia, isso não impediu que muitos pesquisadores do campo das humanidades predissessem haver no horizonte do recém-criado mundo digital da internet um tempo16 de prosperidade socia’ e benesses para o conjunto da população.

Não podemos aqui anacronizar aquela moral entusiástica, típica do novo milênio, exigindo-lhe uma sobriedade apenas íntegra diante dos fatos já consumados, ou seja, em seu post festum. Contudo, seríamos passíveis e incautos se não procurássemos ir além da mera constatação celebratória daquele período. Nesse registro, aliás, repousa muito da ontogênese (histórica) que conforma o atual quadro ideológico em que se encontra envolta a mística do mundo digital. É nesse período mesmo que o pensamento sociológico é levado a se confrontar com as primeiras manifestações daquilo que se convencionou chamar de cibercultura ou cultura da internet, cujas práticas envolviam relações interpessoais até então inexistentes. Por essa condição sociocultural embrionária, muitos intelectuais foram levados a pensar que o ambiente virtual da internet permitiria um novo espaço de socialização que, não sendo de todo neutro, ao menos seria passível de pluralidade motivacional e livre disseminação do conhecimento. Assim, por exemplo, em finais da década de 1990, o estudioso da internet Pierre Lévy já argumentava que

quanto mais o ciberespaço se amplia, mais ele se torna “universal”, e menos o mundo informacional se torna totalizável. O universal da cibercultura não possui nem centro nem linha diretriz. É vazio, sem conteúdo particular. Ou antes, ele os aceita todos, pois se contenta em colocar em contato um ponto qualquer com qualquer outro, seja qual for a carga semântica das entidades relacionadas. Não quero dar a entender, com isso, que a universalidade do ciberespaço é “neutra” ou sem consequências, visto que o próprio fato do processo de interconexão já tem, e terá ainda mais no futuro, imensas repercussões na atividade econômica, política e cultural. […]. Contudo, trata-se de um universo indeterminado e que tende a manter sua indeterminação, pois cada novo nó da rede de redes em expansão constante pode tornar-se produtor ou emissor de novas informações, imprevisíveis, e reorganizar uma parte da conectividade global por sua própria conta (Lévy, 2010, p. 113).

É importante salientar nessa argumentação que Lévy não admite a possibilidade de um ciberespaço puramente neutro e imparcial, dado que ele compreende haver uma inevitável interconexão desse ambiente virtual ao mundo real da política, da economia e da cultura. Assim, sua argumentação não caminha no sentido de uma suposta neutralidade da rede, tão propagada na última década. Todavia, essa negação à neutralidade do mundo digital emerge em sua fala muito mais em função das possíveis repercussões que esse ambiente virtual poderia gerar nas atividades cotidianas preexistentes do que em relação ao complexo de interesses e antagonismos envolvendo seus produtores e usuários. Ao afirmar que o recém-criado ciberespaço (termo aqui utilizado como sinônimo de relações interpessoais viabilizadas pela internet comercial) se apresenta como um universo indeterminado que tende a manter sua indeterminação, reorganizando uma parte da conectividade global por sua própria conta, Lévy reforça sua visão caótica e ao mesmo tempo autonomista de um sistema informacional anárquico e disperso, sem qualquer lógica funcional de existência diante das instituições e dos poderes dominantes. Enfim, sem poderes hierárquicos ou modalidades de comando que tornem evidente a própria ontogênese de uma ingerência humana, aqui determinada com base nas clivagens oriundas do próprio ser e de reprodução do modo produtivo do capitalismo; totalidade em que se fez emergir o próprio mundo digital canalizado pela difusão da internet comercial.

De fato, tomado do ponto de vista meramente cotidiano, o ambiente virtual se apresenta como uma espécie de labirinto de interesses, como uma constelação cambiante de funcionalidades sob uma multiplicidade de motivações dispersas; um complexo social inesgotável de agentes envolvidos em sua aparente (mas não irreal!) virtualidade. Tudo isso nos parece inegável. Entretanto, essas são apenas constatações aparentes que advêm dos resultados imediatos sob os quais se apresenta o ambiente virtual em rede – somente uma apresentação e uma apreciação unilateral de suas potencialidades técnicas. Por isso, em sua pretensa argumentação sobre a virtualidade e a interconectividade propiciadas pelo advento da internet, Lévy demonstra, simplesmente, partir de uma constatação empiricamente caótica e generalista de um ciberespaço multiconectado em direção a uma defesa abstratamente conceitual do ambiente virtual. Defesa essa tautologicamente apoiada em sua própria constatação, ou seja, no fato de que a internet comportaria uma expansão constante de novos emissores e receptores de informação, independentemente dos interesses de seus remetentes e destinatários.

Com isso, o autor conduz seu raciocínio a uma circularidade infinita, pois aquilo que ele utiliza como argumento de defesa, isto é, a suposta indeterminação da multiplicidade de atividades que compõem o ambiente virtual é justamente aquilo que deveria ser explicado. Não por acaso, Lévy (2010) cria, como seu artifício epistemológico, o conceito de universal sem totalidade para, a partir dele, tentar compreender a cibercultura que emergia. Em tal conceituação, a suposta inexistência de uma totalidade – que no pensamento de Lévy possui o sentido de uma centralidade semântica dos sentidos contidos nas mensagens disseminadas (algo tratado por ele somente no contexto da linguagem e da comunicação) – no modus operandi da internet é absolutizada a tal ponto que as determinações históricas e os interesses contidos nesse universal se tornam entraves da sua própria argumentação.

Essa característica aparentemente plural da internet, ou seja, de ser capaz de, em algum sentido, romper com a clássica monopolização da informação e do conhecimento – típica dos tradicionais círculos midiáticos corporativistas e das esferas dos especialistas – assume no pensamento do autor uma importância desmensurada. Isso ocorre a tal ponto que Lévy (2010, p. 227) chega, naqueles idos anos do final da década de 1990, a criticar os “profissionais da ‘crítica’” que, ao seu ver, promoviam “esquetes” sobre o “apocalipse virtual” em curso, constituindo-se como formadores de opinião, de cujus “espetáculos moralizantes”, apontavam para os “malvados de sempre: a técnica, o capital, as finanças, as grandes multinacionais, os Estados”. É quase certo que, àquela época, os entusiastas de carteirinha como Lévy, exortantes com o advento cibernético da internet, precisavam conviver, de modo quase dicotômico, com os catastrofistas e conspiracionistas da inovação digital, muitos dos quais empedernidos saudosistas das tecnologias analógicas (Castells, 2003).

Entretanto, é esse mesmo contexto social de resignado saudosismo que justifica o desmedido potencial comunicacional emancipador apressadamente avaliado por Lévy. Aliás, o autor apenas demonstra sua defesa apriorística (e, por isso, não científica) de um ambiente virtual em expansão face àqueles céticos do antigo mundo analógico – como se o analógico tivesse desaparecido por completo do mundo social em desenvolvimento. Registremos, ainda, que as convicções ideológicas do autor o levam a avaliar a cibercultura, promovida pelo advento da internet, como um movimento de “continuidade aos ideais revolucionários e republicanos de liberdade, igualdade, fraternidade”, surgindo “como uma espécie de materialização técnica dos ideais modernos”. Isso lhes parece pouco ambicioso, caro leitor?! Pois bem, conclui nosso autor que o ciberespaço procederia assim a uma “verdadeira revolução”, no sentido de poder romper com o famigerado “sistema midiático”, oferecendo “as condições para uma comunicação direta, interativa e coletiva” (Lévy, 2010, p. 254).

Ainda sobre esse ideário (platônico) de igualdade, liberdade e fraternidade em uma pretensa comunidade cibernética, mas agora a partir de outro registro, podemos observar as reflexões inaugurais de Manuel Castells acerca dos primórdios da internet comercial e seus possíveis efeitos naquela que já designava como uma sociedade em rede – designação em si que, como veremos, é extremamente problemática. Em seu livro A galáxia da internet, publicado pela primeira vez em 2001, o autor reconhece haver nessa nova tecnologia informacional um potencial utilitário dependente dos interesses corporativos e comerciais em disputa. Ao contrário de Lévy (2010, p. 30), que apresenta a internet como um ente incontrolável, cujos conflitos de interesses alimentariam, por si mesmos, uma “inteligência coletiva proposta pela cibercultura”, Castells apresenta-se um pouco mais precavido, já que pôde se aproveitar teoricamente dos efeitos deletérios da bolha especulativa das empresas “ponto com” [dotcom] para compreender que a internet não era, em si mesma, um reino de liberdade, o qual se imaginara antes. Esse reconhecimento de Castells perante tal conjuntura, apesar de se tratar de uma obviedade diante da crueza dos fatos, é um exercício de sobriedade que deve ser pontuado. Todavia, assim como Lévy, Castells não foi capaz de ir além do maravilhamento tecnoinformacional representado pela internet em suas inúmeras e diversificadas interconexões. Tal compreensão maravilhada do aparato técnico constituinte da internet pode ser observada em sua falaciosa analogia histórica, segundo a qual

a Internet é mais que um mero instrumento útil a ser usado porque está lá. Ela se ajusta às características básicas do tipo de movimento social que está surgindo na Era da Informação. E como encontraram nela seu meio apropriado de organização, esses movimentos abriram e desenvolveram novas avenidas de troca social, que, por sua vez, aumentaram o papel da Internet como sua mídia privilegiada. Para desenvolver uma analogia histórica, a constituição do movimento operário na Era Industrial não pode ser isolada da fábrica industrial como seu cenário organizacional […]. Sabemos, a partir dos capítulos precedentes, que a Internet não é simplesmente uma tecnologia: é um meio de comunicação (como eram os pubs), e é a infraestrutura material de uma determinada forma organizacional: a rede (como era a fábrica). Pelas duas razões, a Internet tornou-se um componente indispensável do tipo de movimento social que está emergindo na sociedade em rede (Castells, 2003, pp. 115-116).

Como observamos, esse excerto possui alguns problemas que devem ser salientados e criticados. Em primeiro lugar, a suposta analogia histórica operada por Castells entre o ambiente fabril e a internet, como sendo similarmente dois locus privilegiados de organização combativa, não possui qualquer sustentação teórica. Comparar movimentos operários fabris – que se organizam enquanto uma classe que luta pelo controle do excedente econômico por eles produzido (sob a forma de mais-valor) – com movimentos sociais que fazem da internet sua ferramenta de protesto e/ou reinvindicação – face às demandas cotidianas de seus integrantes – é proceder a uma rasa e grosseira abstração de suas especificidades. Nessa mistificadora analogia, Castells abstrai tudo o que diferencia essas distintas realidades, deixando em sua argumentação apenas aquilo que lhes é comum, mas que também pouco ou nada explica: o fato de se tratarem de organizações humanas que procuram se articular para atingir suas metas. Logo, trata-se de um argumento demasiado genérico para ser capaz de dar conta da multiplicidade das determinações contidas em cada uma dessas situações.

Assim, o leitor haverá de convir que trabalhar em uma fábrica – produzindo mercadorias para outrem –, organizando-se enquanto classe para lutar contra os desmandos do patronato, constitui um contexto social distinto daquele que envolve um usuário da internet que canaliza a sua insatisfação e protesto em rede (on-line), filiando-se a algum movimento social de contestação presente nesse mesmo ambiente virtual. Mas esse procedimento analógico operado pelo autor possui sua razão de ser. Sua ideologia encontra-se vinculada às subversões e ao imaginário estético contidos na chamada ética ou cultura hacker. Castells, em várias passagens de sua obra, demonstra isso ao considerar os hackers um exemplo de movimento contestatório politicamente organizado, baseado em ideais pretensamente comunitários. Tomando para si essa factualidade presente na atividade cibernética dos hackers, o autor assume-os como constituintes de uma nova espécie de movimento contracultural, prenhe de indignação, capaz de promover uma ciberguerra aos comandos do poder (Castells, 2003).

Entretanto, isso não configura um elemento suficiente para que se possa transitar, sem mediações, das lutas de classes que envolvem a disputa pelo controle e pela distribuição do excedente econômico para as lutas sociais que abrangem grupos (diga-se de passagem, minoritários) que atuam no interior do ambiente virtual para desestabilizar certas instituições de poder. Por mais que, em algum nível de sua vivência cotidiana, os hackers expressem em suas lutas uma parte constituinte das lutas de classes que transpassam o modo de produção capitalista – pois, de algum modo eles procuram combater um conjunto de poderes institucionais que, em última instância, também são formas de dominação e gerenciamento do capital –, suas táticas e estratégias não passam pela disputa e pelo controle do excedente econômico, mas pela desestabilização do que consideram ser parte do sistema.

Ademais, trata-se de uma luta eminentemente travada no interior dos círculos restritos ao ambiente virtual, pois sua atuação depende de conhecimentos tecnocientíficos e informacionais muito específicos e pouco difundidos entre a população – típicos de uma cultura nerd. Nesse sentido, esse ambiente virtual representa apenas uma expressão digital circunscrita do mundo real, constituído este de uma totalidade mais ampla de formas de poder e dominação, as quais encontram suas determinações elementares no interior do circuito de valorização do valor. Não queremos com isso subestimar a relevância desse ou de qualquer outro modo de ciberativismo para a constituição de uma luta social mais ampla que possa, em alguma medida, provocar danos ao próprio modo de produção capitalista. Porém, esse não parece ser nem o propósito imediato de tais lutas nem a confluência das indignações passíveis de explicitar as próprias lutas de classes em curso. Lutas essas que são muito mais complexas e abrangentes do que aquelas travadas por aqueles que possuem e dominam as ferramentas subversivas das redes.

Em segundo lugar, Castells só pode proceder a essa mistificadora analogia histórica, pouco determinada, portanto, porque parte de duas periodizações autodeterminadas em seu pensamento: uma nova “Era da Informação” que se contraporia a uma antiga “Era Industrial”. Voltamos aqui àquele aspecto ideológico que discutimos no item anterior, o qual dizia respeito à unilateralização das inovações tecnológicas do presente em sua pretensa subsunção absoluta aos aparatos tecnoprodutivos do passado. Castells é mais um daqueles pensadores que se valem de jargões como “sociedade em rede” e “sociedade da informação”, por exemplo, para demonstrar uma suposta superação do mundo analógico diante dos novos aparatos tecnodigitais. Assim, o autor pode apresentar o elemento industrial – tomado de forma simplista como sinônimo de fábrica – como uma era passada face aos avanços informacionais em curso. O ponto central aqui é a inexistência de uma visão abrangente da sociedade burguesa e, mais precisamente, de seu modo de produzir e distribuir o excedente econômico. O seu ainda vigente modo de produção capitalista.

Por um lado, a ascensão da internet comercial como um meio de comunicação tendencialmente universal (em escala mundial) não significa, de modo algum, o fim da produção de mercadorias em larga escala, sejam essas mercadorias as mais diversas. Tal forma de produção, a qual nos referimos como sendo o ente industrial da sociabilidade burguesa, não desapareceu de cena por conta do advento do mundo digital e, mais precisamente, do surgimento da internet comercial. O mercado burguês continua exibindo sua rica e diversa coleção de mercadorias (sejam elas tangíveis ou intangíveis), às quais também se agregam novos bens e serviços propiciados pelo próprio advento da internet. Por outro lado, a terminologia referente a uma suposta sociedade em rede parece não levar em consideração que os indivíduos e os grupos sociais que possuem um acesso satisfatório e sistemático ao mundo digital encontram-se restritos, basicamente, às classes sociais com médios ou elevados padrões de consumo; condição essa, inclusive, mais notória no período de publicação da obra de Castells17. Trata-se, assim, de uma assertiva que se desnuda, demasiado otimista para os padrões da época ou eminentemente classista, sendo típica de uma visão de classe média consumidora.

Por tudo isso, as argumentações de Castells em relação às potencialidades do mundo digital acabam por cair no mesmo tipo de elaborações ideológicas de Lévy, as quais tendem a um enaltecimento da internet como meio, em si mesmo, de organização, mobilização e reestruturação social. Nesse âmbito, o maravilhamento tecnoinformacional presente – que foca apenas em seus efeitos úteis, socialmente descontextualizados – não aparece como simples produto de uma práxis cotidiana que toma como imediatas e úteis as questões eminentes que precisam ser resolvidas de modo prático – como no caso dos hackers ou de outros movimentos do mundo virtual que se fazem valer da internet para atingir certas finalidades intervencionistas. Não se trata disso, já que tal maravilhamento emerge no interior das próprias elaborações teóricas realizadas por aqueles que se debruçam à distância dos fatos, propondo-se a refletir sobre eles, mas que, presos à fenomenologia dos objetos que procuram investigar, não são capazes de superar a sua aparência.

Portanto, podemos observar que, na gênese aparentemente caótica da cultura digital, muitos pesquisadores e intelectuais, como Lévy e Castells, ávidos por compreender seu significado sócio-histórico, não foram capazes de ir além de suas factualidades. E quando o tentaram, viram-se, eles próprios, seduzidos por suas potencialidades. Por sua vez, isso não diz respeito a qualquer tipo de limitação cognitiva ou inabilidade intelectual por parte de tal intelectualidade. Pelo contrário, isso é o resultado mesmo de uma aparência tecnologicamente abrangente e plural, pois o surgimento do ciberespaço (e, em sua superfície, de um ideário cibernético) apresenta-se, ao mesmo tempo, como o desabrochar de uma cultura virtual efetivamente diversa e descentralizada. Uma cultura que se mostra enquanto tal no agir prático-operatório da vivência cotidiana, velando, nesse mesmo âmbito, suas próprias determinações. Logo, apresentando-se apenas na penumbra de uma síntese momentânea, mas efetiva, de um breve decurso histórico tecnoinformacional de ineditismo e curioso fascínio.

Nesse sentido, desde seus primórdios, enquanto uma simples rede informacional entre computadores, a vocação tecnológica da internet e de seu ambiente virtual é a de se expandir aos quatro cantos do mundo, podendo, sob o mero prisma de suas funcionalidades técnicas, ser acessada e usufruída por qualquer população do planeta, independentemente das peculiaridades culturais que possuam. É assim que tal aparato tecnodigital, enquanto mero valor de uso, aparece aos olhos do agir cotidiano. Por esse motivo, à primeira vista, o ciberespaço em expansão poderia ser observado enquanto simples ambiente tecnológico plural e tendencialmente universalizante. Porém, essa compreensão continua sendo uma simples e genérica constatação das possibilidades de abrangência sociocultural da internet e de tudo o que ela representa enquanto efeito útil, abstraindo-se, assim, as mediações que também a fazem ser, ao menos em nosso contexto histórico de produção e reprodução da acumulação capitalista, um meio técnico a serviço da expansão do mercado burguês.

Assim sendo, tal configuração, aparentemente plural e inclusiva, é suficiente para que se mistifique suas próprias determinações sócio-históricas, a ponto de ofuscarem os olhares pretensamente mais atentos. Lévy e Castells viram – e continuam vendo18 – na aparência universalizadora da internet aquilo que ela efetivamente aparenta ser: plural e democrática. Todavia, enquanto pesquisadores da sociedade, não conseguiram superar a imediaticidade dessa aparência ao reforçarem suas concepções ideológicas e suas visões de mundo, atendo-se, assim, ao fato consumado de que o mundo virtual seria por si mesmo uma esfera tecnológica de grande potencial conectivo e transformador entre indivíduos… E nada mais. Essa foi a herança teórica deixada pelo advento de uma cibercultura ainda em gérmen. Resta-nos, portanto, adentrar nos desdobramentos contemporâneos de seu ideário.

4.Ideologias do compartilhamento: are we the cyberworld?

Vimos até agora que o reflexo teórico oriundo de um imaginário cibernético não foi casual ou simplesmente persuasivo entre parte de uma intelectualidade que procurava desbravar, já nos idos da década de 1990 e princípio dos anos 2000, o ineditismo da internet comercial e, digamos, de sua nova culturalidade. Pelo contrário, tal reflexo – aqui entendido como um conjunto de ideias e reflexões acerca de determinado contexto socioeconômico e cultural – foi, ele mesmo, fruto de uma série de movimentos sociais vinculados ao ambiente virtual em rede. Ambiente esse propiciado, justamente, pela viabilidade técnica de uma internet comercial em expansão. Tais movimentos sociais em rede, típicos de um ciberativismo em conformação – como a própria ética hacker apreciada por Castells, mas também como aqueles vinculados a aspirações de software livre, de open access e, mais recentemente, de neutralidade em rede ou mesmo vinculados a uma nova cultura maker –, constituíram e continuam constituindo (junto com o processo de fetichismo/reificação no qual se unilateraliza a valoração dos indivíduos pela capacidade que estes possuem de valorar suas mercadorias perante o mercado burguês) a razão de ser dos equívocos teóricos de muitos pensadores e pesquisadores do mundo digital ao redor do globo.

Entretanto, esses movimentos são resultantes daquele maravilhamento tecnoinformacional19 que citamos anteriormente, que se potencializou com o advento de um ambiente digital inserido no interior de um modo de produção capitalista em permanente crise. Indicamos tal contexto pois, desde o final da década de 1980, os sucessivos entraves oriundos de uma superprodução de capital em escala mundial têm se intensificado, ocasionando, assim, uma generalizada (e objetiva) piora na qualidade de vida das diversas frações das classes trabalhadoras em todo o mundo, inclusive daquelas de extração média de consumo – as nebulosas e as heterogêneas classes médias urbanas (Carcanholo, 2010).

Desse modo, não seria um exagero de nossa parte afirmar que tal conjuntura histórica tem, nas últimas quatro décadas [1981-2021], potencializado uma generalizada insatisfação popular com os rumos do sistema capitalista mundial, inclusive entre grande parte das camadas médias urbanas residentes em regiões economicamente centrais do mercado mundial. Tal percepção pode ser factualmente corroborada pelas sucessivas manifestações populares ao redor do mundo, principalmente, pós-Queda do Muro de Berlim, exibindo em sua fenomenologia mais candente os afamados movimentos antiglobalização (Dardot & Laval, 2017). Nesse contexto socioeconômico e cultural de insatisfação generalizada, podemos observar que, além das típicas manifestações de rua, que devêm as mais diversas formas de organização popular in loco (um âmbito clássico de exasperação das revoltas populares/proletárias), os efeitos úteis propiciados pelo ambiente virtual em expansão – como manifestos em novas serventias destinadas a realizarem os seus valores de uso – canalizaram para si parte dessa insatisfação generalizada. Assim sendo, desse novo processo de insatisfação em rede (algo inédito no decurso histórico das manifestações cotidianas das lutas sociais vinculadas às lutas de classes), assistimos, desde meados da década de 1980 e com mais força a partir de finais da década de 1990, a confluência mais explícita de duas modalidades de ciberativismo que tentam se apresentar proativas ante aquilo que consideram ser os desmandos de uma ordem mercantil global: a. por um lado, uma modalidade de engajamento coletivo que, dispondo de ferramentas virtuais e conhecimentos tecnocientíficos e informacionais aprimorados, propõe uma subversão das institucionalidades político-jurídicas vigentes e; b. por outro lado, uma modalidade de engajamento coletivo que procura promover alternativas legais de compartilhamento digital, fomentando, a seu ver, mecanismos de solidariedade e justiça social em rede.

Em relação à primeira modalidade de ciberativismo, digamos mais subversiva, sua manifestação mais notória encontra-se, justamente, no interior da própria cultura hacker, cuja ética – se assim podemos no referir à sua postura e às suas aspirações – já se apresentava de modo embrionário em entusiastas da Revolução Microeletrônica nas décadas de 1970 e 1980, como o jornalista Steven Levy e o filósofo Ted Nelson, este último, a quem se atribui a criação de termos informáticos até então desconhecidos, por exemplo, virtualidade e hipertexto (Castells, 2003; Sundararajan, 2018). Por sua vez, dessa ‘ética’ hacker – posta em movimento pela própria materialização de um aparato tecnodigital em desenvolvimento diante das sistêmicas crises econômicas das últimas décadas – surgiriam outros movimentos de engajamento político-digital, como o Movimento Software Livre [Free Software] e o Movimento de Acesso Aberto [Open Access], todos copartícipes de um princípio geral de embate e subversão diante dos grandes monopólios econômicos do mundo digital, expressos, sobremodo, na consolidação de megacorporações informacionais, como a Microsoft e a Apple.

Considerando tudo aquilo que o mundo digital apresenta como restrito a um conjunto de regulações, patentes e direitos de propriedade privada, podemos dizer que é justamente essa conformação legal vigente que tal modalidade de ciberativismo visa driblar por meios algorítmicos alternativos. Criar softwares de código aberto que possam ser replicados e utilizados por outrem; romper com a lógica dos algoritmos criptografados pelos fabricantes de softwares comerciais por meio da geração de cracks e emuladores; elaborar sistemas operacionais alternativos de livre acesso (como foi o caso da criação do Linux e, posteriormente, do Ubuntu); todas essas atividades constituem a práxis dessa modalidade subversiva de ciberativismo, que desafia a legalidade institucional do ambiente virtual. A subversão aqui não é simplesmente um recurso linguístico: todos esses ativistas, em alguma medida observados como transgressores do mercado em rede estabelecido, desafiam a suposta confiabilidade e o reiterado sigilo que seria constituinte do ambiente informacional, fomentando, para isso, práticas que possam burlar e pôr a nu a legalidade institucional e os interesses comerciais por detrás desse sistema informacional em rede.

Tal postura, independente das finalidades particulares que procura atingir – por exemplo, protestar contra uma dada ordem institucional vigente, coletar e disseminar informações sigilosas para o grande público (vide o movimento WikiLeaks), avaliar e demonstrar as fragilidades da rede ou até mesmo obter formas alternativas de remuneração, via pirataria digital –, aparece aos olhos de muitos como uma ética moralmente condenável, já que promoveria a insegurança dos usuários em rede (Andrade, 2020). Todavia, outros tantos observam a atitude eminentemente subversiva dos hackers e de seus associados como alternativas concretas para a construção de um mundo democraticamente livre e plural (Assange, 2013). Liberdade e pluralidade essas que, mais uma vez, poderiam ser obtidas pela mera destreza técnica propiciada pelos aparatos alternativos do ambiente virtual em sua progressiva tentativa de corrosão institucional. Não por acaso, essa ética hacker assumiu seu aspecto (aparentemente) progressista e libertário no diversificado mercado da indústria cultural, ao fomentar, desde o início da década de 1980, o estabelecimento de novos nichos de consumo geek (primordialmente nos Estados Unidos e em parte da Europa Ocidental), baseados, sobremodo, na literatura ficcional dos ciberpunks (Ciccone, 1992).

Sem dúvida, esse novo caldo cultural de insurgência em rede – que, relembremos, possui mais de três décadas de existência entre os extratos de médio consumo estadunidense e europeu – ultrapassou as fronteiras informacionais do ambiente virtual, consolidando na vivência cotidiana verdadeiros estilos de vida urbano baseados em um progressivo consumo high tech. Aquilo que atualmente se vislumbra como parte de um estilo californiano, oriundo das big tech do Vale do Silício, fora no passado parte considerável de um ciberativismo juvenil de entusiasmada transgressão – vide as várias biografias disponíveis de Steve Jobs e seus associados. Sobre esse espírito de aparente liberdade transgressora, herdado de uma estética subversiva e de uma rebeldia sem causa (pelo menos do ponto de vista de uma proposição política mais ampla para todas as parcelas da população que não participam do mesmo nível de consumo informacional, senão mesmo de uma clara perspectiva proletária), Slee (2017) comenta que,

à medida que o Vale do Silício se tornou mais rico e mais poderoso, as crenças de que você pode fazer o bem fazendo bem, e de que os mercados podem de fato ser usados para dar escala a esforços por mudança social, acabaram fagocitadas pela cultura da internet. É um ponto de vista às vezes chamado de “ideologia californiana”. Da pobreza global às liberdades civis, à educação e à saúde, a cultura de internet vê a combinação de tecnologia e de mentalidade empresarial como a chave para resolver os maiores problemas do mundo (Slee, 2017, p. 31).

É desse ideário, herdado de um ciberativismo aparentemente transgressor, que encontramos as bases para aquela segunda modalidade de ciberativismo anteriormente citada, a qual pretende combinar o uso das tecnologias digitais com uma espécie de mentalidade empresarial. Trata-se, por isso de uma modalidade de ativismo em rede que se apresenta mais polida e socialmente responsável do que sua antecessora, propondo o direcionamento dos interesses de mercado para o combate das injustiças sociais20. Nesse sentido, suas atividades econômicas (já que fazem parte do mercado) não propõem o usufruto das tecnologias digitais como mero meio de subversão ao sistema capitalista, à ordem burocrática e à legalidade jurídico-mercantil, tal como disseminado pelos entusiastas da ética hacker. Pelo contrário, é dessa “ideologia californiana”, apontada por Slee, que desaguam as atuais alternativas de compartilhamento em rede; alternativas essas que não buscam um caminho transgressor ao estado de coisas – conforme exultam as ideologias vinculadas àquela concepção embrionária de ciberativismo –, mas que fazem desse estado de coisas (da positividade mercantil vigente) um suposto meio de promoção da igualdade e justiça sociais, pois, como afirma o cofundador da OuiShare21, Antonin Léonard: “nos vemos como criadores de projetos relevantes buscando criar uma sociedade melhor, com mais justiça social” (Sundararajan, 2018, p. 50).

Aspirações como essa têm, ao longo da última década, conformado o atual cenário ideológico que perpassa a famigerada economia do compartilhamento [sharing economy], claramente uma tendência tecnodesenvolvimentista (de emancipação humana via aparatos tecnológicos) em ascensão22. Suas concepções pró-distributivas, baseadas numa idealizada capacidade de trocas mercantis mais humanas entre indivíduos, podem ser facilmente detectadas entre seus principais ideólogos e canais de comunicação, que têm crescido vertiginosamente no mesmo período. Não é raro, hoje em dia, encontrarmos sites e organizações como a Peers.org, eventos promocionais como a OuiShare Fest, palestras motivacionais como o TED Talk e até manifestos ciberlibertários vinculados ao ideário dos commons-based peer-to-peer network. Todos como disseminadores23 das supostas benesses de uma economia colaborativa baseada no compartilhamento entre indivíduos que procuram estabelecer relações de confiança entre seus pares – pares aqui, tratados por seus apologetas, como sinônimo de iguais. Mas o que reivindicam e propõem os ideólogos do compartilhamento em rede? O que pensam como alternativas de justiça social? E, principalmente, quais são seus argumentos e suas concepções teóricas de mundo? Será que aquilo que propõem apresenta alguma viabilidade diante da práxis social do modo de produção capitalista?

Primeiramente, precisamos esclarecer ao leitor que a crescente multiplicidade de organizações vinculadas ao ideário do compartilhamento em rede, bem como de suas diversificadas áreas de atuação – que vão desde a implementação de plataformas digitais em rede para o compartilhamento de bens e serviços, passando pela promoção de organizações e eventos acerca da temática colaborativa, até o estudo de suas vertentes de atuação diante dos atuais aparatos jurídico-comerciais –, dificulta-nos uma compreensão sucinta de sua ampla conformação social. Aliás, esse princípio de compartilhamento em rede (o qual tem se disseminado mundo afora), muito mais do que um ideário ou um conjunto de aspirações que fazem uso das tecnologias em rede, é a manifestação, no plano reflexivo, de um complexo produtivo-ideológico mais amplo de relações sociais (e virtuais) que tende a se ampliar nos próximos anos.

Nesse sentido, tratar da economia do compartilhamento, mesmo que apenas sob o foco de suas concepções ideológicas, é ter de lidar com uma nova modalidade de reestruturação produtiva da qual se tem valido o próprio modo de produção capitalista em suas mais diversificadas franjas de acumulação. Obviamente, não é nossa tarefa neste artigo – embora deva ser em pesquisas futuras – esmiuçar a intrincada teia de nexos causais que vinculam a economia do compartilhamento à totalidade do modo de produção capitalista, especialmente no que tange a sua contribuição para a reprodução do ciclo do capital industrial; ciclo esse já elucidado por Marx (2017) quando de sua crítica da economia política. Todavia, desejamos aqui apresentar uma breve explanação crítica das mistificações que perpassam a crença distributiva do compartilhamento em rede, mesmo que sintetizada apenas em alguns de seus ideólogos.

Em segundo lugar, precisamos ressaltar que nem todos os entusiastas do compartilhamento em rede assumem efetivamente o seu viés pró-mercado, embora, no frigir dos ovos, eles não possam negar suas premissas libertárias. Isto é, parte dos apologetas do compartilhamento em rede não demonstram aceitar, ainda que isso não seja efetivamente possível, as regras do jogo mercantil – a legalidade das trocas – como meio necessário para a promoção daquilo que consideram ser uma forma de justiça distributiva em rede. Porém, aqui se reveste de justificações morais e apelos sentimentais o seu suposto distanciamento face aos tradicionais mecanismos da economia de mercado. Distanciamento esse que elevaria suas práticas mercantis a uma práxis de comunhão e troca entre indivíduos. Essa premissa é fomentada, por exemplo, pelo especialista em tecnologias do compartilhamento, Arun Sundararajan, que busca reforçar suas convicções a partir do pensamento antropológico de Hyde, quem afirma que todas

as eras devem buscar o equilíbrio entre [o individual e o social] e, em todas elas, a dominância de um ou de outro trará consigo o apelo por seu oposto. Pois quando, por um lado, não há como impor uma identidade contra a massa e não há oportunidade para ganhos privados, perdemos os tão conhecidos benefícios de uma sociedade de mercado – suas liberdades, seu tipo de inovação, sua variedade individual e material etc. Porém, por outro lado, quando o mercado reina sozinho e, especialmente, quando seus benefícios derivam da conversão de uma propriedade de dom em commodities, os frutos da troca de ofertas se perdem. Nesse ponto, o comércio é adequadamente associado à fragmentação da comunidade e supressão da vivacidade, fertilidade e sentimento social (Hyde, 1983, p. 47; apud Sundararajan, 2018, grifo nosso).

Certamente, um dos aspectos que nos chama a atenção no excerto escolhido por Sundararajan é o extremo tom de conciliação na fala de Hyde. Uma conciliação que não se furta de mencionar os “benefícios de uma sociedade de mercado”, embora este, quando “reina sozinho” converte “uma propriedade de dom em commodities”. Nesse sentido, a fala de Hyde, assinalada por Sundararajan, denota uma moralização da esfera das trocas; esfera na qual existiria uma espécie de dicotomia moral entre uma prática mercantil voltada à riqueza pessoal e aos ganhos comerciais e uma que busca, na troca de bens e serviços entre indivíduos, uma reciprocidade capaz de agregá-los em comunidade. Trata-se, portanto, de uma relação aparentemente antípoda entre duas modalidades (idealizadas) de troca: uma suposta modalidade típica de uma economia de mercado versus uma também suposta modalidade baseada nos princípios abstratamente éticos de uma economia de dom24.

Assim, no âmbito da sharing economy, os bens e serviços disponibilizados pelas novas tecnologias digitais aspirariam sua condição de dons, ou seja, de bens e serviços ofertados e demandados entre os membros de uma comunidade orientada ao mero usufruto daquilo que é trocado, embora essa aspiração passe, necessariamente, pela sua incorporação ao cimo das realizações comerciais. Mas como é possível conceber a economia do compartilhamento como uma economia de dom se aquilo que é ofertado (como bem ou serviço que aspira satisfazer seu valor de uso em rede) passa necessariamente pela realização da lucratividade das plataformas de tecnologia digital que se valem dessa modalidade de troca virtual? Depois de muito se deter sobre as vertentes do compartilhamento em rede que pendem entre a defesa das trocas desinteressadas entre indivíduos e a defesa de trocas comerciais que, ao menos, incomodariam os objetivos de lucratividade das tradicionais megacorporações do sistema capitalista, Sundararajan (2018, p. 66) não esconde sua argumentação conciliadora entre um mercado “impessoal e despersonalizado” e uma instância de trocas que se encontraria “mais conectada” e “enraizada na comunidade”. Ele trata a economia do compartilhamento, por conseguinte, como um conjunto de “novas atividades econômicas” existentes “entre as economias de dom e as economias de mercado” (Sundararajan, 2018, p. 71).

Mais uma vez, não é preciso muito desenvolvimento teórico para demonstrar a fragilidade de tal argumentação, uma vez que, não obstante o recurso tautológico, trocas nada mais são do que trocas. O modo de produção capitalista, a despeito dos anseios morais e das possíveis benevolências dos agentes econômicos que interagem no mercado, não oferece nada mais do que a troca de mercadorias (Marx, 2017). De nada vale o apelo moral a justiça distributiva em rede se, em última instância, o próprio compartilhamento digital também se encontra determinado pela forma-mercadoria; um modo de ser que, antes de tudo, precisa afirmar seu valor em vez de seu valor de uso. Nesse sentido, o consumo de bens e serviços trocados no âmbito do compartilhamento em rede, a despeito dos desejos pessoais de seus apologetas mais altruístas, não é um fim em si mesmo, mas apenas um meio de reafirmação do próprio mercado burguês, um mercado voltado em sua totalidade para a produção ampliada de um excedente que precisa, necessariamente, ser acumulado, ou seja, reinvestido. Aliás, as legalidades que perpassam essa tendência inevitável da circulação capitalista já foram amplamente desenvolvidas por Marx (2017) em sua crítica da economia política.

Entretanto, não se engane o leitor sobre o ardor da batalha de ideias que conforma os manifestos mais pujantes em defesa do compartilhamento em rede. Se pesquisadores entusiastas, como Sundararajan, tendem aos mais diversos artifícios retóricos (os quais podem ser facilmente refutados por uma crítica sistemática de seus pressupostos) de apelo às trocas justas – justiça essa que não comparece efetivamente no âmbito processual da economia política –, acadêmicos pró-manifesto peer-to-peer (P2P), como Michel Bauwens, se fazem valer de artifícios epistemológicos e princípios filosóficos in abstracto para contra-argumentar e mesmo tentar subverter a crítica marxiana ao modo de produção capitalista. Assim, de modo um pouco mais perspicaz, mas não menos mistificado, Bauwens, junto com Kostakis e Pazaitis, procuram deslocar as determinações do modo de produção capitalista para aquilo que chamam de modo de troca (Bauwens, Kostakis, & Pazaitis, 2019).

Perceba o leitor que, para o desenvolvimento de uma argumentação que procura evidenciar as potencialidades de emancipação social via dispositivos de compartilhamento em rede, esse deslocamento categorial constitui um artifício lógico-formal de enorme coerência interna – ao menos sob um ponto de vista meramente conceitual. Desse modo, a argumentação estabelecida pelos autores não se restringe à elaboração de uma defesa moral, pura e simples, do compartilhamento em rede, mas de uma demonstração lógico-formal aos adeptos da sharing economy – e, em especial, àqueles adeptos dos recursos de compartilhamento peer-to-peer (P2P) –, de que as categorias (propriamente marxianas) vinculadas à compreensão ontológica do modo de produção capitalista limitariam uma concepção antropológica mais abrangente sobre os diferentes modos de troca que a humanidade teria vivenciado. Para isso, Bauwens, Kostakis & Pazaitis (2019), a partir do referencial filosófico de Karatani (2014), afirmam que o pensamento marxiano teria abandonado uma concepção mais abrangente de intercâmbio social [Verkehr] – descrita por Karatani como um termo presente em A ideologia alemã – para se restringir apenas às trocas que ocorreriam sob o modo de produção capitalista. Assim, os autores tomam emprestado o pensamento de Karatani para afirmar que

Marx se concentrou no estudo da economia capitalista limitando sua observação à troca em uma única modalidade, a saber, a troca de mercadorias [commodities]. Assim, o Estado, a comunidade e a nação tiveram um papel secundário. Karatani sugere um retorno à noção [marxiana] de Verkehr, categoria incialmente destinada àquelas questões mais abrangentes. [Ele] considera o Estado e a nação derivados dos modos de troca em vez de exclusivamente da troca de mercadorias (Bauwens, Kostakis, & Pazaitis, 2019, pp. 47-48).

Prosseguem ainda os autores citando diretamente Karatani:

Em O capital, Marx tentou explicar esses sistemas grandiosos e ilusórios [o Estado e a nação] a partir do modo básico de troca de mercadorias. Podemos ver o Estado e a nação como derivados históricos dos modos de troca básicos. [Isso] nem é uma fantasia comunal, nem uma imagem ideológica; eles têm bases firmes e necessárias. É precisamente por isso que eles não podem ser facilmente dissolvidos (Karatani, 2014, p. 573; apud Bauwens, Kostakis, & Pazaitis, 2019, p. 48).

Portanto, a partir de tais compreensões, Marx teria sido aquele que não teria dado a devida atenção às diversas modalidades de troca já experenciadas pela humanidade e, portanto, teria, em sua crítica da economia política, um limite teórico que impossibilitaria aos pesquisadores das inovações tecnodigitais uma compreensão aprofundada sobre as possibilidades efetivas de uma emancipação social dos indivíduos via dispositivos de compartilhamento em rede, em especial dos aparatos peer-to-peer. Bem, como dizer?… Nos excertos dos autores encontramos tantos equívocos teóricos em relação ao pensamento marxiano que, a fim de procedermos ao encaminhamento final de nossas considerações, apenas nos deteremos em dois aspectos centrais dessa insustentável interpretação.

Em primeiro lugar, Bauwens, Kostakis & Pazaitis (e de quebra Karatani) demonstram não compreender as distintas determinações históricas contidas na categoria marxiana de intercâmbio [Verkehr]. A partir de uma leitura atenta aos trechos em que Marx faz uso do termo, e em especial em A ideologia alemã, é possível verificar que o conteúdo lógico-processual dessa categoria diz respeito tanto às modalidades genéricas de relação interpessoal (não propriamente econômicas) que se apresentam no decurso da história humana quanto às diferentes modalidades de intercâmbio econômico dos produtos excedentes obtidos com base na exploração do trabalho de outrem – condição essa tão abrangente que, de fato, não se apresenta como uma exclusividade do modo de produção capitalista. Nesse sentido, para Marx e Engels, autores de A ideologia alemã, não se trata de apresentar o intercâmbio interpessoal (em sua diversidade de atos de troca de qualquer espécie) como um atividade humana essencialmente genérica e atemporal, válida para qualquer formação societal já experienciada pela humanidade (ou seja, como uma definição trans-histórica abstratamente isolada, típica de modelos econômicos liberais), mas de, justamente, criticar a naturalização da circulação das mercadorias, típica do modo de produção capitalista, como potencialmente existente (ainda que em gérmen) em modalidades pretéritas de intercâmbio e apropriação do trabalho excedente. Aliás, essa postura teórica constitui um dos sentidos críticos daquela obra. Além disso, Marx & Engels (2007) não se restringem à utilização do termo Verkehr, valendo-se também da categoria Austausch [troca]; esta sim muito mais relacionada às diferentes modalidades de troca de produtos excedentes, no sentido propriamente econômico do termo.

Em segundo lugar, ao longo de sua vasta obra e, em especial, em O capital, Marx jamais propôs derivar o Estado e a nação da esfera da “troca de mercadorias”. Aliás, essas formas organizativas (constituintes do modo de ser da sociabilidade burguesa), reconhece Marx (2017), são elas mesmas instâncias necessariamente constitutivas de um mercado que, mais do que trocar mercadorias, o faz sob a tendência processual de exploração do trabalho assalariado. Assim, em sua opus magnum, o autor não se preocupa em derivar a política institucional da base material econômica, mas tão somente demonstrar a inevitável naturalização e justificação das categorias econômicas, genericamente transladadas e desistoricizadas pelo pensamento burguês. Procedimento esse que, em consequência, anacroniza as aspirações capitalistas da Idade Moderna – típicas de seu modo de produção e distribuição da riqueza social – à sociabilidade de períodos históricos anteriores completamente distintos. Essa mistificadora operação intelectiva criticada por Marx parece não apenas ter sido incompreendida por Bauwens, Kostakis & Pazaitis (bem como por Karatani), sendo reiterada por eles em suas argumentações pró-manifesto P2P. Os autores argumentam, por exemplo, que o

P2P não é algo novo. Ele existe desde o início da humanidade e foi inicialmente a forma dominante de relacionamento nas sociedades nômades de caçadores-coletores. No capitalismo industrial (e mais tarde nos sistemas socialistas de Estado), os bens comuns e a dinâmica do P2P foram deixados à margem. No entanto, com a disponibilidade de tecnologias baseadas nos aparatos digitais ponto-a-ponto, os bens comuns e a dinâmica P2P agora podem aumentar a um nível global e criar artefatos complexos que transcendem as possibilidades de modelos baseados apenas no Estado e no mercado (Bauwens, Kostakis, & Pazaitis, 2019, p. 47).

Para que possamos cessar as possíveis indagações do leitor face a essas mistificações operadas por esse conjunto de autores, podemos dizer que a produção, a distribuição, a troca e o consumo que se fazem presentes no interior do modo do produção capitalista (independentemente de sua fase de acumulação) são momentos diversos de uma mesma objetivação processual da riqueza humana muito distintos daquilo que os economistas políticos clássicos e, posteriormente, os (vulgares) economistas neoclássicos pensavam (e ainda pensam) ser as formas históricas embrionárias de um capitalismo em potência – projeções idealizadas de um mercado burguês transcendental, típicas daquelas robinsonadas smithianas e ricardianas tão criticadas por Marx em sua vasta obra. Logo, ao contrário do que professam os ideólogos das tecnologias do compartilhamento ponto-a-ponto, como Bauwens e seus seguidores, por exemplo, o pensamento marxiano compreende tão somente que o modo como as mercadorias são trocadas e, consequentemente, consumidas no âmbito do mercado burguês depende antes de tudo do modo como elas foram produzidas. Um modo de produção que não diz respeito aos aspectos técnicos de sua efetivação (embora isso também compareça), mas às relações sociais que, historicamente, antecedem essa produção historicamente determinada.

Já dizia Marx em seus Grundrisse que “a troca só aparece independentemente ao lado da produção e indiferente em relação a ela no último estágio [de consumo]”; estágio no qual “o produto é trocado imediatamente para [a efetivação desse] consumo”. Porém, prossegue o autor, “não há troca sem divisão do trabalho”, o que no contexto histórico-determinado do modo de produção capitalista corresponde, necessariamente, a uma “troca privada” de produtos do trabalho humano, a qual se “pressupõem [uma] produção privada”. Sendo que, a “intensidade” e a “extensão” das trocas, bem como seu “modo” de existência, encontram-se “determinados pelo desenvolvimento e pela estrutura da produção” (Marx, 2011, p. 53).

Assim, não é possível desassociar a esfera da circulação das mercadorias – o modo de troca do mercado burguês – da esfera de produção e realização do mais-valor – o modo de produção no qual o produto excedente se materializa enquanto valor (econômico); enquanto um mais-valor. Não se trata por isso de conceber a troca de mercadorias como uma nefasta troca de comodities, típica de uma economia de mercado ao mesmo tempo em que se tenta conceber a troca de bens e serviços compartilhados em rede como algo distinto da circulação sob o julgo ampliado do capital, ou seja, como uma troca mercantil de não mercadorias… Uma impossibilidade teórico-prática sem fim.

Mais uma vez, reiteramos que tais ideologias – especialmente aquelas vinculadas ao atual estágio material de compartilhamento em rede – não expressam mais do que um maravilhamento tecnoinformacional que tende a se intensificar. Mostramos aqui que sua manifestação dependeu em larga medida do surgimento (ontogenético) de um ambiente virtual que, ao longo das últimas quatro décadas, tem proporcionado avanços significativos à tecnoprodutividade vigente. Pesquisadores e entusiastas das tecnologias digitais em desenvolvimento encontraram no ciberespaço, no ciberativismo e na cibercultura em geral uma espécie de refúgio aos desmandos do capital. Percepção essa fortalecida por uma visão de mundo típica de uma classe média consumidora das inovações high tech.

Assim, se nesse segmento de consumo as benesses do mundo digital parecem ofuscar a lucratividade das plataformas digitais viabilizadas pelos monopólios das principais big techs25, na esfera cotidiana do teleassalariamento, os contingentes proletários envolvidos nesse compartilhamento em rede percebem-se progressivamente como os elos mais fracos de uma promessa emancipatória que não se faz sentir. Ao contrário, essa promessa, tão proclamada por seus entusiastas, vem promovendo seu justo oposto: uma profunda precariedade e insalubridade laborais para grandes frações das classes trabalhadoras em todo o mundo – incluindo aqui algumas frações mais qualificadas de profissionais do campo tecnocibernético e informacional (Liy, 2019). Como mostram os últimos acontecimentos noticiados, a mística do empreendedorismo digital e do trabalho on-demand tem dado lugar ao desnudar das contradições que envolvem as cantilenas do engajamento social em rede face à exploração desmedida do labor de milhões de prestadores de serviço à disposição de um clique (RIBEIRO, 2020).

Desse modo, oculta-se, por todos os lados, a forma social do trabalho que produz e reproduz esse complexo produtivo-ideológico. Em seu lugar, o ciberativismo (tanto o de ontem quanto o de hoje) exulta a mera forma técnica dos recursos disponibilizados em rede, congratulando-se e comportando-se como uma comunidade virtual que se une para formular alternativas sustentáveis de desenvolvimento econômico e justiça social para todos. A divisão técnica do trabalho – que se traveste sob o maravilhamento tecnoinformacional de nossos dias – exulta-se no limiar de uma quarta revolução industrial; como se esta trouxesse em seu alvorar os meios técnicos que, porventura, nos emanciparão. Porém, o pensamento marxiano já nos ensinara a mais de 150 anos que a divisão social do trabalho em benefício do mercado não redunda tão somente de sua divisão tecnoprodutiva, mas da orientação desta à acumulação de capital. Ele mostrara aos ideólogos da economia política a contraditoriedade imanente entre o valor de uso e o valor das mercadorias, desdobrando-se tal contradição em uma composição tecnoprodutiva que se vê determinada por sua composição de valor (Marx, 2017).

Sem dúvida, tudo o que é social pode ser encarado sob o vago rótulo de humanidade. Direitos humanos, finalidades humanas, emancipação da humanidade; todos ideais in abstracto de realização das potencialidades irrestritas do ser social que se pensa ser humano. Nesse vasto guarda-chuva ideológico, não existem barreiras à utopia de uma sociedade igualitária. Todavia, é sob esse mesmo registro genérico que se pode tomar as inovações tecnoprodutivas do mundo digital como meios, em si mesmos, de libertação dos seres humanos dos problemas que reiteradamente emergem sob as mais diversificadas formas de pauperismo, violência e insatisfação popular. Essas tecnologias digitais, bem como a cibercultura e o ciberativismo que delas emergem, não pairam no éter do livre arbítrio. Logo, não constituem, em si mesmos, dispositivos destinados ao simples usufruto de seus efeitos úteis. No interior do modo de produção capitalista, elas assumem funções sociais que, dadas as suas determinações, pouco podem, em si, contribuir para a alteração radical do estado de coisas. Os interesses geopolíticos imperialistas das economias centrais ou em vias de – principalmente dos capitais estadunidenses, chineses e europeus que, há décadas, se beneficiam do pioneirismo científico que dominou os avanços tecnoinformacionais –, o direcionamento de vultosos investimentos para as startups do mundo digital e a hegemonia de uma aparente cultura de consumo high tech, baseada na crença desmedida de uma sociedade em rede, são elementos mais do que suficientes para esboçarmos uma crítica às ideologias tecnoprodutivas do mundo digital.

Portanto, todas as concepções ideológicas aqui apresentadas (e tantas outras que não puderam ser esmiuçadas neste breve artigo) expressam em seu âmago o maravilhamento tecnoinformacional que toma como absolutos os efeitos úteis das tecnologias digitais, desconsiderando a operacionalidade de suas formas sociais. Se abstrairmos da vida cotidiana os antagonismos, as clivagens e as contradições sociais, teremos sempre como resultado as miraculosas soluções para os problemas conjunturais do mundo. Tomando para si os resultados imediatamente palpáveis dos objetos externalizados pela mão humana, sempre poderemos conceber, com base em um genérico e idealizado plano de abstração, determinados meios neutros e eficazes de extirpação dos dilemas sociais. Não contaminando seus modelos com indagações demasiado radicais – pois delas não poderão se propor medidas práticas para sanar as questões sociais da história a quente –, os ideólogos do mundo digital poderão continuar bradando: “we are the cyberworld!”. Nós, por outro lado, a partir de uma crítica materialista que procure ir à raiz da sociabilidade vigente, estaremos aqui para refutar a mistificadora aparência desse lindo e encantado vale de silício.

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Vieira Pinto, Á. A sociologia dos países subdesenvolvidos: introdução metodológica ou prática metodicamente desenvolvida da ocultação dos fundamentos sociais do “vale de lágrimas”. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

Adriano Parra parra.pesq@gmail.com

Mestre em Planejamento e Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC, com ênfase nos estudos sobre as relações entre a cultura material, o mundo do trabalho e suas manifestações no interior da economia do compartilhamento.

Cíntia Medina soucime@gmail.com

Doutoranda em História Social pela Universidade de São Paulo. Bolsista vinculada à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e facilitadora docente da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp).