A era da pós-verdade no cenário político contemporâneo

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Antonio Edson Ribeiro de Almada

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volume 1 ⁄ número 3 ⁄ jun 2021 ↘ Artigo

A era da pós-verdade no cenário político contemporâneo

Antonio Edson Ribeiro de Almada

Resumo

Um fenômeno recorrente na atualidade tem sido as famigeradas notícias falsas, popularmente conhecidas como fake news, sejam elas ligadas a efemeridades cotidianas ou mesmo a eventos de amplo espectro, como as eleições de um dado país.  O uso de informações falsas não é novo na humanidade, possuindo reiterados capítulos ao longo da história. Todavia o que torna a sua utilização na atualidade tão destacada se deve ao grau de impacto que as mesmas causam nos tecidos sociais por força da velocidade e abrangência da rede mundial de computadores. Os efeitos desse fenômeno no plano político são incontestes, podendo influenciar resultados eleitorais e, da noite para o dia, gerar uma convulsão social em face de uma suposta informação de interesse público. Diante dessa conjuntura, este trabalho visa a estudar os impactos que essa prática causa no plano político, seja a nível internacional, seja em território nacional, como forma de compreender como novas formas de sociabilidade advindas do mundo da informação podem influir diretamente nos desdobramentos da arena política, constituindo o período vivenciado sob o uso dessas notícias a chamada era da “pós-verdade”.

1.Introdução

A construção e uso de notícias falsas é uma prática que pode ser percebida ao longo da história, podendo ser ilustrada com diversos capítulos1. Todavia nos dias atuais essa prática ganha força por meio do fluxo rápido e capilarizado de informações no seio da sociedade globalizada. Com o advento das Tecnologias da Informação e Comunicação voltadas para a interação de usuários, no caso, as redes sociais, essa prática assumiu contornos distintos.

A velocidade2 do trânsito de informações na rede mundial de computadores trouxe às notícias falsas um efeito considerável nas relações sociais, influenciando no consumo de produtos e serviços, na imagem de pessoas e instituições, bem como se fazendo instrumento para disputas políticas. Devido à magnitude desse fenômeno social, foi cunhada a expressão “pós-verdade”, como sendo a definidora da atual conjuntura mundial.

Partindo desse panorama, este trabalho se debruça sobre os efeitos das notícias falsas no cenário político, apresentando definições metodológicas de como ocorre o desenvolvimento de uma notícia falsa, e de como essa informação é empregada no atual contexto político, utilizando-se algumas capitulações ocorridas no plano nacional e internacional para demonstrar a ocorrência desse fenômeno.

Em face dos episódios ocorridos recentemente no Brasil e no mundo, este trabalho irá abordar esse fenômeno por meio da ótica política e como esse fato está sendo utilizado por diversos grupos para a construção de seu projeto de poder. Mediante o conceito de pós-verdade e de reflexões acadêmicas sobre essa prática, será feito um estudo de como essas notícias falsas são elaboradas e como elas se capilarizam na rede mundial de computadores, servindo aos mais diversos usos, principalmente às novas formas de se “fazer política”.

Será feito um levantamento de como as Tecnologias da Informação e Comunicação influem nesse panorama, principalmente na confecção de algoritmos computacionais que direcionam aos usuários das redes determinados tipos de notícias com base em seus perfis de busca na internet, constituindo-se tal ramo do conhecimento como um novo instrumento na disputa de grupos de poder pela hegemonia em nichos comerciais, sociais e políticos. Em paralelo a essas ações, serão elencadas as medidas tomadas por várias nações, incluindo o Brasil, para o combate à produção e disseminação de notícias falsas.

Por fim, após as explanações será feita uma análise das consequências que esse fenômeno produz, como forma de demonstrar os riscos para o ordenamento social da prática de uma distorção intencional da realidade, seja pelas possíveis violações à integridade física e moral dos indivíduos, seja pela desestruturação/destruição de organizações públicas e privadas, tornando a ordem social instável e sujeita a arroubos oportunistas.

2.Sociedade da Informação e Pós-Verdade

Nos tempos atuais vivemos a chamada era da sociedade da informação e do conhecimento3, período este caracterizado pelo amplo acesso a diversos saberes, bem como pela facilidade em se comunicar a nível mundial, produzindo assim uma sociedade global e interligada. Nessa conjuntura, as Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs4 têm papel fundamental para que a população mundial possa exercer o seu papel de sujeito na construção de uma nova ordem internacional globalizada.

Uma característica dessa nova ordem é o imediatismo e a velocidade no trânsito de informações. Um acontecimento ocorrido em qualquer parte do mundo já é de conhecimento público na maioria das nações em questão de minutos, bem como os conhecimentos relativos à cultura e às práticas de determinados povos estão a um clique de distância de um indivíduo qualquer em um dado país. O que era privilégio de poucos no passado, agora está acessível a todos que possam se conectar à internet. A informação, que antes era tratada como uma mercadoria rara, agora se torna um meio para a construção das relações humanas.

Nessa mesma linha, os avanços científicos e tecnológicos, alinhados ao sistema de capital a nível global vão se capilarizando nas mais diferentes regiões do planeta, fazendo parte não só das organizações comerciais e da estrutura administrativa dos estados, mas das rotinas das populações. Isso é demonstrado na utilização de um smartphonetablet ou computador para ter acesso a bancos ou serviços públicos, usar um streaming para ouvir músicas e ver vídeos, ou para navegar nas famosas redes sociais, como o Facebook, Twitter e Instagram.

Diante desse contexto, ao se proporcionar aos indivíduos uma grande quantidade de informações, tantas quanto se possa imaginar, produziu-se assim um empoderamento nas pessoas para que se consuma dados sobre o que conflui com as suas individualidades. Essa tendência foi sendo gestada em paralelo com as diversas configurações sociais, produzindo-se um ambiente virtual marcado pelos individualismos dos sujeitos que o consomem, bem como pelos seus anseios e subjetividades. Pela necessidade de se satisfazer as individualidades de terceiros, sem se importar mais com o que é verdade ou não, nasceu assim a pós-verdade5.

As notícias falsas, popularmente conhecidas como fake news, formam a ambiência da pós-verdade, podendo ser concebidas nas mais variadas searas da vida em sociedade, estando muito ligadas às emoções de seus “interlocutores”. Alguns autores estão se detendo ao estudo desse fenômeno, não só para catalogar as inumeráveis manifestações que possam surgir, mas para conseguir construir um padrão. Dessa forma, Gomes, Penna e Arroio (2020), trazem uma metodologia para identificar e sistematizar a construção de uma notícia falsa. Assim:

Outro fator que favorece a credibilidade das fake news foi pensado por volta do ano 350 a.C. É a persuasão, descrita por Aristóteles como sendo dependente de três variáveis: logos, pathos e ethos. O logos refere-se ao modo lógico no qual o orador se expressa pelo discurso. O pathos é relativo à forma com a qual o orador invoca as emoções do seu público. E o ethos é a maneira com a qual o orador se apresenta como figura competente (GOUVÊA, 2017). Ou seja, para que uma inverdade possa tomar contornos de uma possível verdade, há um apelo por intermédio do discurso da racionalidade e das emoções (GOMES; PENNA; ARROIO, 2020, p. 3).

Para entender como se dá a construção de uma notícia falsa, será transcrita uma fake news analisada no estudo desenvolvido por Gomes, Penna e Arroio (2020), com base na metodologia aristotélica descrita cima. A notícia tem relação com uma campanha de vacinação contra a febre amarela, em que um áudio anuncia um suposto problema envolvendo o fármaco utilizado na política pública. Senão vejamos:

Ethos “Meninas, boa tarde. Estava aqui em casa escutando o Roberto Canazio. Até estou tentando entrar no site da rádio Globo para ver se eu consigo pegar essa entrevista dele. Se vocês conseguirem, entra no Roberto Canazio. Ele entrevistou hoje a dermatologista falando sobre a vacina da febre amarela.
Logos Gente, ela é muito perigosa. Ela falou que quem tomar vai ter a reação. Não tem essa será que vai ter. Vai ter a reação. Ela falou que 50% dos casos vêm …
Pathos … a óbito, que é para a gente tomar cuidado, pensar muito bem antes de tomar essa vacina e antes de dar a vacina para as nossas crianças, tá? …”.

Por meio da transcrição apresentada, percebe-se como uma notícia falsa se estrutura, sempre tentando alinhar um viés lógico/racional com as emoções dos sujeitos que a utilizam, para assim se tornar uma justificativa para que os “interlocutores” possam tomar decisões ou mesmo sustentar argumentos diante de um dado debate ou mesmo ao expressar suas opiniões em redes sociais, estando “imune” a enganos6. As fake news agem na subjetividade dos indivíduos, a partir de suas visões de mundo construídas em seus processos de sociabilidade.

Na atual conjuntura política vivenciada pela comunidade global, as notícias falsas no contexto da pós-verdade ganham proeminência nas novas configurações das disputas políticas pelo poder. Em um ambiente em que os sentimentos se sobrepõem aos fatos, tal condição não deixaria de ser aproveitada como trampolim político para a imposição de projetos eleitorais obscuros e eivados de oportunismos e especulações de lobistas e/ou grupos hegemônicos. É nesse cenário de “incertezas” que são forjadas não só estratégias de chegada ao poder, mas também de permanência, conforme podemos observar adiante.

3.Fake News e Cultura Política na Atualidade

Conforme se observa, tanto no Brasil como mundo, as notícias falsas estão presentes no ambiente político. Sua utilização não ocorre só como argumentação para defesa ou acusação a determinados projetos ideológicos por parte dos sujeitos que usam o espaço virtual para o embate de ideias, mas também como uma nova prática política por parte de candidatos e organizações, com vistas ao alcance e perpetuação no poder.

A característica principal das notícias falsas no âmbito político é que as mesmas se somam à conjuntura vivenciada por cada país, à cultura daquele local e às condicionantes históricas que antecedem o momento atual. Com relação ao conteúdo, este pode ser dos mais variados tipos, envolvendo desde a vida pessoal de adversários, teorias da conspiração, falseamento de dados públicos, entre outros.

Podemos encontrar exemplos claros de uso de fake news em vários episódios políticos, como no impeachment da presidente Dilma Rousseff7, em 2016, e na eleição do presidente Jair Bolsonaro8, em 2018; na eleição de Donald Trump9 para a presidência dos Estados Unidos, em 2016, assim como na votação da saída do Reino Unido10 da União Europeia em 2020, constituindo-se tanto esses como uma série de outros eventos em evidentes utilizações de notícias falsas com o objetivo de alcançar o poder e consolidar um dado projeto político.

Na nova conjuntura política, os tradicionais meios de comunicação vão perdendo não apenas o interesse, como a sua credibilidade perante os espectadores, uma vez que estes são supridos pelas redes sociais e pela internet de notícias que lhes interessam. Portanto, basta somente que a notícia de um evento vá ao encontro das crenças pessoais desses sujeitos, produzindo um cenário em que qualquer um pode estar falando uma verdade ou uma mentira. O definidor de fidedignidade da notícia/informação é a subjetividade do “interlocutor”.

Para entendermos como as notícias falsas ganham capilaridade no meio político, faz-se necessário compreender como se dá a cultura política11 do local em que as notícias ocorrem. É preciso considerar os fatores históricos e sociais que permeiam essa realidade para que possamos depreender os potenciais alvos de fake news e quais grupos políticos se beneficiam com o seu uso. A partir desses indicadores, é possível determinar padrões para esse fenômeno.

Diante desse panorama, percebemos que a cultura política12 da atualidade se molda à realidade social, não só sob a perspectiva dos sujeitos, mas no próprio modo de se fazer política, conforme as análises trazidas acima. O governo de Donald Trump, à frente da presidência dos Estados Unidos de 2017 a 2020, demonstrou como as fake news podem ser utilizadas não só para a chegada ao poder, mas como um instrumento de manutenção do poder frente as coalizões políticas e sociais que venham a surgir. Ivelise de Almeida Cardoso (2019) destaca que

O apoio à ideia de ‘notícias falsas’ por figuras do “establishment” (classe dirigente, ideológica, política e econômica do país), como o presidente dos EUA Donald Trump, está em claro alinhamento com a crença situacionista de que os meios de comunicação moldam intencionalmente a percepção da realidade experimentada pelo público em geral como um meio de consolidar o poder. O recente aumento do fenômeno de ‘notícias falsas’ fornece um exemplo mais notório das maneiras pelas quais as novas mídias moldam as percepções da realidade na era da pós-verdade, como ocorreu nas eleições do EUA (BLEAKLEY, 2018). […] Não existe um indivíduo que tenha popularizado o conceito de notícias falsas tanto quanto o presidente do EUA, Donald Trump: a crença de que ele não teria sido eleito sem apoio desse gênero de mídia, a predileção de Trump por rotular meios de comunicação tradicionais como difusores de falsas notícias aos que publicam reportagens com as quais ele discorda, tornaram-se sinônimo de seu mandato (WEBER, 2017). Ao apropriar-se do conceito de notícias falsas e reformulá-lo para se adequar à sua agenda anti-establishment, Trump enfraqueceu essencialmente a própria noção de verdade e realidade na era moderna. Em grande medida, a presidência de Donald Trump reflete o ápice da era da pós-verdade (CARDOSO, 2019, pp. 17-19).

A cultura política produzida na atualidade não só transplantou as notícias falsas para o seu fazer político, mazela potencializou mais ainda a relativização da verdade em face do uso institucional dessa prática contra os meios tradicionais de comunicação ou mesmo contra instituições científicas como universidades e institutos de pesquisa, acirrando ainda mais as disputas nos contextos sociais. Mesmo com a pandemia do novo coronavírus e as suas pesadas consequências, podemos observar a ocorrência desse fenômeno13, seja na explicação da origem do surto, medidas de combate e contenção ou mesmo na vacinação da população, prejudicando assim os esforços para solução dessa crise.

O uso de tecnologias para difusão de notícias falsas vai muito além da simples informação posta na rede, mas na seleção de perfis suscetíveis a receber determinados tipos de notícias com base em seus padrões de busca na internet14. Desse modo, os agentes difusores de notícias falsas selecionam perfis na rede que serão mais “bombardeados” com notícias a partir do momento que o mesmo acessar a internet, seja por cookies ou outros meios disponíveis online. Além de ser um uso corrupto dos dados pessoais de uma pessoa, tais práticas evidenciam em que nível o uso de fake news se encontra.

O modo de agir das notícias falsas não engloba somente as facilidades e estratégias do mundo digital, ele se soma às próprias configurações do comportamento humano na atualidade. Conforme o que foi citado acima, para além da grande quantidade de conteúdo disponível na rede mundial de computadores, provocando uma tendência nos usuários da internet de absorverem somente os “dados” que convergem para a sua individualidade, ainda temos a prática comportamental da homofilia15 adaptada ao ambiente de rede. Conforme destacam Recuero e Gruzd (2019):

Homofilia é uma característica das redes sociais conectada ao fato de que as pessoas tendem a ter contato com pessoas similares, em termos de gostos, background etc. (MCPHERSON, SMITH-LOVIN & COOK, 2001). A homofilia auxilia na compreensão da tendência de uma determinada informação espalhar-se mais dentro de determinado grupo, especialmente em grupos políticos, como o trabalho de Adamic & Glance (2005) apontou, ao focar blogs políticos e suas relações igualmente polarizadas. Blogs filiados a um mesmo grupo político tendiam a conectar-se com outros blogs de mesma ideologia, com apenas algumas poucas conexões entre os dois extremos. Esta discussão está diretamente relacionada à criação de bolhas, grupos partidários, por exemplo. Esses grupos são homófilos em termos de partidarismo, crenças e posicionamento político. O efeito câmara de eco, assim, pode facilitar a circulação de fake news eleitorais (SHAH & KUMAR, 2018). As cascatas de fake news, para os autores, têm características diferentes dos movimentos sociais humanos, pois apenas pequena parcela dos usuários envolvidos é responsável por grande quantidade de manifestações. Outros trabalhos também apontaram para a mídia partidária como especialmente suscetível à propagação de fake news (VARGO, GUO &AMAZEEN, 2017), de modo particular por conta da homofilia. (RECUERO, GRUZD, 2019, p. 34)

Como toda manifestação de origem social com resultados negativos, o uso de notícias falsas necessita ser combatido por meio de processos educacionais e de poder de polícia , seja administrativa, ostensiva ou judiciária, por parte das autoridades competentes para que a sua utilização seja desestimulada. É preciso criar mecanismos de controle sobre as informações produzidas, com foco nas consequências que esses dados podem ocasionar, sendo assim estipuladas punições específicas para os novos usos que as informações ganharam.

4.Medidas Tomadas para Combater as Fake News

Devido às graves consequências advindas dos usos das notícias falsas, vários países e organismos internacionais estão promovendo políticas de combate a essa prática. Seja por intermédio da aprovação de diplomas legais específicos para a matéria ou mesmo com a criação de órgãos especializados na checagem de dados, é possível observar um vasto conjunto de medidas, que aos poucos vão produzindo novas reconfigurações sociais e no mundo virtual.

É perceptível que os governos de diversas nações, incluindo o Brasil, diante das instabilidades atuais e vindouras, estão optando por tomar ações preventivas/repressivas para o combate às fake news. Essas ações são observáveis em pleno combate à pandemia, pois, em face do grande número de notícias falsas, foi necessária uma tomada de decisão das autoridades, como se observa no Estado do Ceará16, com a promulgação de uma lei específica com previsão de multa como penalidade a quem difundir fake news direcionadas ao combate de surtos.

No plano internacional, vemos que as nações já estão se organizando para rever os poderes que certas organizações comerciais possuem no ambiente virtual e a sua corresponsabilidade perante os fenômenos originados na rede mundial de computadores. Ao final do ano passado, tanto nos Estados Unidos como na União Europeia, foi analisado pelas casas legislativas o monopólio exercido por algumas organizações como o Facebook17, o Google18 e a Amazon, que inviabilizam a competição comercial, bem como concentram grande poder diante do mundo virtual, mas sem grandes contrapartidas ou responsabilizações, o que enseja uma redefinição dos marcos legais e metodológicos sobre a matéria19.

Mesmo com o envolvimento da cúpula do atual governo federal brasileiro com o uso de fake news, observamos inciativas de combate as notícias falsas como a CPI das Fake News20, cujos desdobramentos continuam em andamento até o presente momento, com a descoberta de verdadeiras redes de difusão de informações falsas em solo nacional e de levantamentos direcionados a punir os responsáveis por esta prática, principalmente no decorrer do pleito eleitoral de 2018.

Na Europa, países como Reino Unido21, Alemanha22 e República Checa23 já estão implementando medidas de combate às fake News. Organismos internacionais, como as Nações Unidas24, também estão se dedicando a essa tarefa. Percebe-se que é de entendimento geral que o uso e difusão dessas informações levam a uma desestruturação da ordem social global podendo produzir prejuízos incalculáveis a várias pessoas e instituições.

A partir da conjuntura apresentada, uma nova prática que está sendo disseminada é a verificação de fatos25. Essa metodologia veio do jornalismo e hoje está incorporada à rotina de várias organizações – desde grandes empresas até o poder público – para poder resguardar essas instituições de eventuais contratempos ocasionados por notícias falsas. A partir desses mecanismos de verificação de dados, podemos perceber o esforço das instituições em tentar proteger não só a sua reputação, mas de conseguir dar credibilidade aos dados por elas produzidos e/ou veiculados.

A verificação de fatos é entendida como um procedimento complexo, mas que, face aos seus potenciais resultados contra as fake news, ganha especial atenção. Todavia, para que este procedimento seja feito da forma correta, deve-se observar três fases26, sem as quais, o processo de verificação resta prejudicado. Estas fases são: encontrar afirmações; encontrar os fatos; e corrigir o registro.

A partir das ações expostas, podemos compreender que, na contramão do fenômeno das notícias falsas, tem-se um conjunto de ações articuladas entre diversas instituições, governos e organismos internacionais com vistas não só ao combate as fake news, mas na criação de novos padrões de produção e consolidação de informações, bem como na educação das novas gerações para que estas saibam lidar com uma realidade multifacetada e rica em saberes.

5.Considerações Finais

Encerrando as considerações deste artigo, passamos às análises sobre os impactos das notícias falsas na ordem social e na vida dos indivíduos. A primeira ideia a ser destacada sobre esse fenômeno é que o mesmo não pode ser encarado senão como uma manifestação negativa em primeira mão, pois o seu cerne consiste em uma distorção da realidade, o que implica consequências das mais variadas possíveis a depender do caso concreto.

Na seara jurídica, uma consequência de uma notícia falsa direcionada a um indivíduo é a prática do crime de calúnia ou difamação, conforme tipificações trazidas no Código Penal Brasileiro. Caluniar importa em imputar um fato tipificado como crime a uma pessoa, ao passo que difamar diz respeito a associar a um indivíduo uma conduta ou condição que ofenda a sua honra(imagem social), no contexto de sua individualidade. (convivência coletiva)

Na seara social, uma fake news pode produzir várias consequências desde um mero gracejo na internet sobre um dado fenômeno ou mesmo ensejar a renúncia por parte de uma parcela significativa da população mundial a não aderir as campanhas de vacinação contra a COVID-19, no contexto da pandemia do novo coronavírus. Para além da mera notícia, ainda temos o seu uso por determinadas organizações, com o auxílio de algoritmos computacionais e Tecnologias da Informação e Comunicação, na construção de projetos de poder político.

Imaginar como a fase de maior desenvolvimento tecnológico da humanidade está por produzir o falseamento da própria produção de conhecimento quando nos deparamos com notícias falsas que defendem que a Terra seja plana, ou mesmo com a deturpação de fatos históricos e a defesa de doutrinas políticas rechaçadas no passado como o nazismo e o fascismo, faz-nos perceber que o conhecimento em si não basta para que uma sociedade esteja mais evoluída, mas que os seus valores e os seus processos socioeducacionais estejam alinhados em um projeto comunitário de convivência harmônica e de cidadania a nível global.

Nesse período de maior desenvolvimento tecnológico da humanidade é devastador ver não só o faseamento da verdade, mas do próprio conhecimento como no caso de notícias falsas que afirmam que a terra é plana, que deturpam fatos históricos e que trazem à tona doutrinas políticas rechaçadas como o fascismo e o nazismo. Diante de situações como estas, percebe-se que o conhecimento em si não basta para que uma sociedade esteja mais evoluída, mas que os seus valores e os seus processos socioeducacionais estejam alinhados em um projeto comunitário de convivência harmônica e de cidadania a nível global.

Quando nos deparamos com o que se entende por sociedade da informação e o que é preciso para caracterizá-la27, podemos perceber o grande contraste entre essa fase do desenvolvimento humano e a atual era da pós-verdade. Dessa forma, a atualidade, por meio de seus fenômenos e de suas configurações sociais, traz a necessidade de repensar os paradigmas da modernidade e a solução de problemas do momento, como as fake news.

Pensar nos resultados dos problemas implica também refletir sobre as soluções que podem ser implementadas. Acima citamos algumas medidas que o Estado brasileiro, outros países e organizações internacionais estão tomando para combater o uso e propagação de notícias falsas na rede mundial de computadores. Todavia, para uma maior efetividade dessas medidas, faz-se necessário pensar em estratégias educacionais para que a população seja instruída a usar com autonomia e conhecimento as soluções tecnológicas do mundo atual, sendo uma metodologia a ser empregada o letramento midiático e informacional28.

Diante do vasto cenário descrito, é perceptível que ainda acontecerão muitas situações envolvendo o uso de notícias falsas, principalmente em um contexto tão conturbado como o atual, devido à pandemia do novo coronavírus. Diante disso, faz-se necessária uma articulação entre os diversos setores da sociedade, atuando em duas frentes – uma contra o vírus e outra contra as fake news – para que essa prática seja combatida.

É preciso punir os divulgadores de notícias falsas, ação essa que não carece de amparo legal no direito brasileiro, conforme citamos no caso da calúnia e da difamação, bem como nas devidas responsabilizações civis, o que todavia pode muito bem ser ampliado a depender da boa vontade legislativa. Paralelamente a isso, é preciso trabalhar na sociedade uma nova ideia de internet e seus usos, sendo isso instrumentalizado por meio de projetos educacionais, seja nas instituições de ensino, seja nas organizações sociais, como empresas, igrejas, órgãos públicos, sindicatos, entre tantas outras, que realizando os esforços necessários, com certeza conseguirão conter esse negativo produto da sociabilidade no mundo virtual, com resultados no mundo real.

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Antonio Edson Ribeiro de Almada

Sociólogo, Advogado e Professor, cursando atualmente o Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE.