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Isabella Henriques, Pedro Hartung, Thaís Rugolo

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volume 3 ⁄ número 1 ⁄ ago 2022 ↘ Artigo

A dimensão coletiva do sharenting e a responsabilidade compartilhada pela sua prática

Isabella Henriques & Pedro Hartung & Thaís Rugolo

Resumo

O artigo tem como objetivo a análise do fenômeno do sharenting, assim compreendido como o compartilhamento de imagens e informações de crianças e adolescentes por mães, pais ou outros familiares adultos, o qual possui contornos complexos, evocando, de um lado, os direitos de imagem, intimidade, autonomia informacional, privacidade e proteção aos dados pessoais de crianças e adolescentes e, de outro, a liberdade de expressão dos adultos familiares. Apesar de em um primeiro momento a prática parecer se restringir à esfera da individualidade de ações de pais, mães e familiares, a coletivização do fenômeno é essencial para que se possa entender a complexa dinâmica existente para além da autonomia dos indivíduos, inserindo-se em um contexto de uma economia centrada em dados pessoais e no modelo de negócios criado a partir deles, tendo as plataformas digitais especial relevância nesse cenário. Diante desse quadro, o artigo aborda a essencial discussão acerca da responsabilidade compartilhada de todos os agentes que compõem esse ecossistema.

1.Introdução

A Internet e as novas TICs (tecnologias da informação e comunicação), entre várias outras inovações, potencializaram a ampliação do contato entre as pessoas, tornando mais fácil compartilhar momentos com amigos, familiares e redes de contato. No Brasil, a digitalização atinge, hoje, todas as faixas etárias, desde crianças da mais tenra idade, que chegam a ter acesso a smartphones até mesmo por volta dos 2 anos de idade1, até os idosos, que, progressivamente, utilizam com maior frequência as tecnologias digitais2. Deste modo, ainda que o acesso não seja uniforme, com maior quantidade de desconexão e menos qualidade de acesso entre as pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica3, a Internet já chega à maioria das residências. Segundo dados da TIC Domicílios 2021, 82% das casas brasileiras possuem acesso à Internet4.

Apesar de o ambiente online apresentar um grande potencial de ganhos e possibilitar o incremento de inúmeras oportunidades para toda a sociedade, seus aspectos negativos, relacionados aos riscos que envolve, não devem ser ignorados.

Nesse cenário, merecem especial atenção as plataformas digitais, instrumentos que possibilitam a interação de duas ou mais partes, cujo modelo de negócio caracteriza-se pela interação em rede e conectividade constante, além de trocas econômicas e sociais5.

O crescimento da importância das plataformas digitais, especialmente as redes sociais, como formas de comunicação e socialização alavancaram a intensidade de uso do ambiente digital. É nesse sentido, que ao compartilharem suas experiências e visões de mundo ou buscarem reconhecimento e aceitação social, os adultos podem acabar expondo crianças e adolescentes, sejam seus sobrinhos, primos, netos ou filhos, a riscos e ameaças diversos.

O sharenting é um fenômeno da sociedade hiperconectada, cuja expressão representa um
neologismo, pela junção das palavras share (do verbo compartilhar em inglês) e parenting (a ex-pressão em inglês para o cuidado de mães e pais em relação a seus filhos). O termo ganhou amplificação quando, em 2015, foi mencionado no artigo “Is Sharenting A Growing Problem On Social Media?”6 da Columbia Broadcasting System (CBS), canal de televisão da Cidade de Nova York, entrando, no ano seguinte, no Collins English Dictionary. Contudo, antes mesmo da popularização deste termo, em 2012, a palavra oversharenting já havia sido citada pelo jornalista Steven Leckart em artigo para o jornal The Wall Street7, sua intenção era caracterizar uma tendência excessiva por parte dos adultos, de compartilhar muitas informações e mídias de seus filhos na internet. Ambos os conceitos, portanto, expressam a ideia de compartilhamento da imagem de crianças e adolescentes, no ambiente digital, por adultos, principalmente, os próprios pais e mães, mas, também, outros familiares.

Apesar de as relações em análise envolverem precipuamente mães, pais e seus filhos ou filhas, a efervescência de uma economia da atenção e da plataformização8 da vida e seus impactos nesse contexto precisam ser levados em consideração. Dessa forma, é essencial analisar como o (over)sharenting tem sido escalonado a partir da relevância das redes sociais na vida das pessoas e o papel que a exposição de crianças e adolescentes possui em uma economia centrada em big data, ou seja, na extração, em grande escala, de ideias, novas formas de valor e maneiras que alterem o mercado, organizações, cidadãos e governos (Mayer-Schönberger, 2013).

Assim, em meio a esse cenário, o objetivo do presente artigo é justamente explorar e sistematizar os reflexos, no campo do Direito, dessa prática, que tem se mostrado uma tendência contemporânea, em especial, o reflexo deste fenômeno diante das relações sociais e econômicas envolvidas, sobretudo, diante de uma escala de corresponsabilidades, notadamente, entre família, empresas, Estado e toda sociedade.

Para tanto, o artigo está dividido em quatro partes, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira parte, a partir de revisão bibliográfica, apresenta-se o conflito entre o direito à liberdade de expressão e de exercício do poder familiar de mães, pais e familiares e o direito à privacidade de crianças e adolescentes. Na segunda parte, igualmente baseada em revisão bibliográfica, trata-se da plataformização das famílias no contexto de big data9 e de vigilância massiva. Na terceira parte, a partir de revisão bibliográfica, defende-se a análise e o estudo do fenômeno na dimensão coletiva para fins de ampliação da responsabilização pelos danos porventura originados da prática do sharenting. Por fim, na quarta parte, combinando-se revisão bibliográfica com análise documental de legislações nacionais e marcos regulatórios internacionais, evidencia-se a necessidade de ser efetivada a responsabilidade compartilhada entre famílias, sociedade, empresas e Estado em relação ao fenômeno investigado.

2. Conflitos de direitos: entre a liberdade de expressão, o poder familiar e a privacidade

A análise mais aprofundada do fenômeno do sharenting exige que sejam consideradas todas as suas complexas conexões, bem como o tratamento que lhe pode ser endereçado pelo ordenamento jurídico.

Por um lado, é inegável o direito de mães, pais e familiares adultos à liberdade de expressão, com a devida garantia de exporem suas visões de mundo sem sofrerem qualquer espécie de censura, direito garantido, no Brasil, pela Constituição Federal10. Por outro prisma, crianças e adolescentes, igualmente, são titulares de diversos direitos fundamentais como proteção integral, imagem, honra, intimidade, proteção de dados11 e privacidade12, sendo legítima a expectativa de não terem sua vida exposta por terceiros, sejam eles seus responsáveis legais ou desconhecidos.

Ao exporem suas parentalidades na Internet, os genitores, consequentemente, expõem a vivência de seus filhos e filhas, gerando dilemas éticos, especialmente acerca da representação autônoma da identidade de todos os envolvidos (Blum-Ross & Livingstone, 2017), exposição que chega não só aos familiares e amigos, mas para desconhecidos, inclusive de forma massiva ainda quando o adulto se expressa em primeira pessoa, tornando públicas situações que, muitas vezes, são afetas ao núcleo familiar (Medon, 2021).

É relevante mencionar que o sharenting não evoca questionamentos relacionados apenas à exposição com contornos negativos da criança ou do adolescente relacionado. Ainda em situações nas quais o compartilhamento de informações, vídeos ou fotografias represente a criança ou o adolescente em situações positivas, apresentando, por exemplo, suas habilidades de dançar ou cantar, ainda assim, ronda sobre esta circunstância o direito à privacidade da criança e do adolescente.

Nesse cenário, a definição sobre o que é um compartilhamento excessivo não é cristalina. Afinal de contas, o compartilhamento diário da vida de uma criança ou de um adolescente pode ser tão nocivo quanto algum compartilhamento que tenha sido pontual, dado o registro digital de tudo o que é compartilhado. Essa superexposição, no entanto, não indica uma consciente vontade de mães, pais e responsáveis legais em colocar seus filhos e filhas em risco, pelo contrário, a maior parte deles envolvem o compartilhamento de informações pessoais na Internet (Steinberg, 2017).

A princípio, a utilização das tecnologias digitais de comunicação para o compartilhamento de informações acerca da vida de crianças e adolescentes, por seus familiares, não deve ser enxergada a partir de um viés determinantemente negativo, pois ao compartilharem sua parentalidade nas redes sociais, pais, mães e responsáveis legais podem se conectar a outras famílias, construindo conexões potentes e positivas (Steinberg, 2017). Por outro prisma, porém, podem além de afetar o direito da criança e adolescente à intimidade, autodeterminação informativa e privacidade, muitas vezes contra a vontade deles, gerar a sua exposição a situações perigosas como a coleta maliciosa de imagens e vídeos para venda em sites pornográficos (UNICEF, 2017).

Para além de problemas que possam ocorrer na vida presente, ao escrever a história da criança e do adolescente online, pais e mães podem contribuir para criar situações em que, no futuro, as crianças sejam hostilizadas por seus pares (Steinberg, 2017) ou tenham que lidar com rastros digitais (Bruno, 2016) como, por exemplo, no ingresso em instituições acadêmicas ou no mercado de trabalho (Chester, Milosevic & Montgomery, 2017).

Ao discutir os riscos a que crianças e adolescentes são expostos no ambiente online, é essencial abordar a classificação de riscos do projeto CO:RE (Children Online Research and Evidence), que conta com a autoria de Sonia Livingstone e Mariya Stoilova, cujo trabalho, apresentado em 2021, propôs uma reclassificação das tipologias de risco, apresentando quatro categorias. Por isto, a tipologia anterior que abordava os riscos de conteúdo, contato e conduta, foi revisitada para enquadrar as relações ainda mais dinâmicas possibilitadas pela evolução da conexão, incluindo-se a dimensão do risco de contrato, no contexto de relações comerciais que expõem crianças e adolescentes a ameaças à sua privacidade.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) igualmente entende, em sua revisão das tipologias de risco, pela inclusão do quarto elemento, analisando como as interações comerciais e de consumo afetam os direitos de crianças e adolescentes digitalmente (OECD, 2021).

Sendo assim, além dos riscos relativos à privacidade, o sharenting, consoante classificação do Projeto CO:RE (Cildren Online Researc and Evidence) (Livingstone & Stoilova, 2021) e a abordagem da OECD evoca preocupações quanto aos risco de conduta, ou seja, o contato potencialmente prejudicial iniciado por um adulto, conhecido ou não, cujo alvo é uma criança ou adolescente. Nesse sentido, a exposição de informações da criança, pode facilitar a interação e, com isso, situações nefastas como bullying, perseguição (stalking) ou aliciamento (grooming), sexual ou não (OECD, 2021). O risco de conduta, portanto, é um risco interpessoal, considerado pela relação de um usuário com outras pessoas, afetando a sua privacidade e comunicação em grupo.

Contudo, há no fenômeno do sharenting dimensões da privacidade online ainda mais profundas, embora pouco abordadas nessa perspectiva, como a da privacidade institucional e da privacidade comercial (Livingstone, Nandagiri & Stoilova, 2019). A partir da privacidade institucional considera-se a perspectiva da relação de crianças e adolescentes com o setor público ou instituições sem fins lucrativos, que podem tratar dados pessoais desde o nascimento de um indivíduo, para questões administrativas, por exemplo, o que pode possibilitar o cruzamento de informações entre agências governamentais, organizações religiosas e outros agentes, afetando a privacidade dos titulares dos dados. A seu turno, a privacidade comercial caracteriza-se pelo uso de dados pessoais para interesses econômicos, como o tratamento de dados pessoais por empresas de tecnologia. Esse aspecto será abordado em tópico adiante apresentado.

3. A plataformização das famílias

As plataformas digitais são conceituadas pela Comissão Europeia (2016, pp. 2-3)13 a partir de algumas características específicas, como criação de novos mercados com base na coleta e processamento de grandes quantidades de dados e no beneficiamento em rede, com maior valorização do serviço conforme aumenta-se a base de usuários. Para Ana Frazão, essas características possibilitam que as referidas plataformas digitais desempenhem um verdadeiro intermédio entre as empresas, seus produtos e serviços, e os consumidores (Frazão, 2019).

Segundo alguns autores, as plataformas digitais têm sido essenciais para a estruturação de diversos setores sociais, que passaram a se relacionar intrinsecamente a partir das soluções apresentadas pelas gigantes tecnológicas. José Van Djick, uma das principais especialistas no assunto, explica14 que a plataformização da sociedade ou sociedade de plataformas refere-se à “inextrincável relação entre plataformas online e estruturas societais. Muitos dos nossos setores sociais, seja transporte, saúde, educação ou jornalismo, têm se tornado quase inteiramente dependentes das infraestruturas digitais providenciadas pelas cinco grandes empresas de plataformas dos Estados Unidos…”.

Nesse contexto de informatização, cumpre entender como as famílias interagem nessa dinâmica. Isso porque, não é raro, ao navegar pelas redes sociais, que se depare com perfis de bebês, crianças ou de famílias inteiras. Esses perfis, geralmente, são gerenciados por pais e mães e possibilitam a criação de conteúdos centrados na vivência familiar. Até porque, é fato que as redes sociais deixaram de ser território exclusivamente pertencente aos jovens. Adultos, pessoas de meia idade e até mesmo os idosos também são usuários desses espaços digitais: segundo pesquisa realizada no Brasil em 2019, 41% da audiência das redes sociais é de pessoas com mais de 35 anos15.

Dessa forma, conteúdos familiares também passam a obter um grande espaço de audiência e permitem que se fale em uma plataformização das famílias, ou seja, no compartilhamento de circunstâncias familiares como conteúdo nas plataformas digitais.

Isso porque, as redes sociais são concebidas para que os usuários possam compartilhar conteúdos em rede. Para quem se utiliza desse ambiente como forma de trabalho, monetizando os compartilhamentos, as publicações devem ter um ritmo constante, pois os algoritmos entregam conteúdos que geram engajamento a um número maior de pessoas16.

Além disso, algumas plataformas possuem como forma de monetização o pagamento direto ao usuário pelo conteúdo que gera impacto na plataforma17.

Ao estabelecer engajamento estável, o perfil atrai e mantém os usuários ativos, consumindo os conteúdos produzidos, por consequência, esses usuários mantém a plataforma digital em evidência. As redes sociais, portanto, precisam da ação dos criadores de conteúdo para manterem sua base de usuários ativa. É a lógica do seu funcionamento.

Por outro lado, esses espaços digitais também se constituem como uma vitrine para que empresas anunciem seus produtos e serviços na própria rede social, por meio de anúncios em display. Nesse sentido, quanto maior a quantidade e engajamento dos usuários na plataforma, melhor o retorno para os anunciantes e maior a renda para as redes sociais e plataformas digitais18.

Shoshana Zuboff (2020) explica a economia centrada em big data como parte do modelo de negócio consolidado na era do capitalismo de vigilância19. Conforme explica Tim Wu (2016), o usuário das plataformas e mídias sociais está no centro de uma disputa econômica. Assim, as aplicações de Internet20, em sua maioria gratuitas, são concebidas para gerar renda a partir do direcionamento de anúncios publicitários aos seus usuários. Esse direcionamento de anúncios pode ocorrer de duas maneiras principais: publicidade contextual e comportamental. A publicidade contextual refere-se à veiculação em mídias especializadas, atraindo um consumidor que demonstra prévio interesse ao conteúdo, produto ou serviço anunciado, ocorrendo uma adequação da comunicação mercadológica ao contexto em que o consumidor está inserido (Doneda, 2010). É o caso, por exemplo, do leitor de um site de receitas que se depara com uma publicidade de determinada marca de extrato de tomate ao visitar esse site.

A publicidade comportamental tende a garantir uma assertividade ainda mais elevada, pois considera as informações pessoais coletadas daquele indivíduo ou grupo de indivíduos, como seus hábitos de consumo, páginas acessadas, traçando um perfil de interesses com o objetivo de direcionamento de mensagens comunicacionais relacionadas aos seus gostos e preferências (Doneda, 2010).

Esse perfilamento21 é preocupante, na medida em que, muito embora as maiores empresas de tecnologia digital disponham em suas políticas de privacidade e termos de uso que seus produtos são permitidos apenas para pessoas maiores de 13 anos, estima-se que uma criança abaixo dessa idade possa ter cerca de 72 milhões de pontos de dados22 a seu respeito em posse de grandes companhias. Muitos desses, aliás, podem ser provenientes de rastros digitais resultantes do sharenting.

Além disso, há situações em que o próprio conteúdo exposto já contém algum tipo de publicidade, realizada conforme contratação previamente entabulada com alguma empresa anunciante. Isso explica, por exemplo, porque imagens de bebês e crianças vestindo roupas de determinada marca ou loja, usando determinado produto ou recomendando determinado serviço se tornaram tão comuns.

A publicidade digital se consolidou como uma potente forma de comunicação mercadológica. Segundo dados da pesquisa Digital AdSpend, estudo feito pela Kantar Ibope Media e IAB Brasil, em 2020, mais de 23 bilhões de reais foram investidos no Brasil em publicidade no formato digital. Desse número, 46% foram destinados para as redes sociais.

Pais e mães ao criarem páginas nas redes sociais, compartilhando conteúdos centrados em sua vivência familiar podem atrair a atenção de um público cativo, e, com isso, a parceria de empresas para o anúncio de produtos e serviços. A partir daí a criança ou o adolescente passa a estrelar, sozinha ou junto de familiares, anúncios publicitários em formato digital, os quais serão direcionados, na maior parte das vezes, a outras crianças e adolescentes. O aumento de conteúdo relacionado a crianças passa a ser diretamente proporcional à quantidade de publicidade dirigida ao público infantil encontrada em plataformas digitais e redes sociais. Prática, no entanto, proibida no Brasil
e repudiada por organismos internacionais.

Essa complexa interação comercial, gera, em última instância, a exploração comercial da criança ou do adolescente envolvido. E, ainda que se possa falar em uma importante atuação dos pais, mães e responsáveis legais, a inerente assimetria de informações e poder que permeia o ambiente digital precisa ser considerada (Fonseca & Schertel, 2021).

4. Do privado à exploração comercial: porque entender o caráter coletivo do fenômeno é importante

É essencial que a prática do sharenting seja analisada e considerada na dimensão coletiva, retirando-a do lugar comum que a endereça como fenômeno no âmbito individual, a partir de uma ótica que considera apenas a responsabilidade – e mesmo a culpa – de mães, pais e responsáveis legais ou familiares pela sua propagação. Isso porque, o seu surgimento e a sua ocorrência, cada vez mais amplificada e normalizada, estão intimamente relacionados ao modelo de negócio das plataformas e mídias sociais digitais mais populares, que, por meio de seu design, pensado e planejado para suprir suas necessidades negociais, estimula e incentiva a produção constante de conteúdo por parte dos indivíduos que a utilizam (Frazão, 2019b).

Como dito, a lógica das plataformas — por meio de um design persuasivo para engajamento constante –, é fomentar que as pessoas produzam conteúdos e façam compartilhamentos incessantes, de maneira a gerar um volume compatível de informações que, por conseguinte, possa alimentar as suas bases de dados e, com isso, criar perfis detalhados de cada pessoa, passíveis de serem utilizados para diversas finalidades comerciais. Assim, quanto maior for o número de conteúdos divulgados e compartilhados nas plataformas e mídias sociais, por parte dos indivíduos, mais bem-sucedida será a estratégia comercial das respectivas empresas e maiores serão seus ganhos, naquilo que se convencionou denominar de “economia de dados”, que, nada mais é do que uma verdadeira “economia de dados pessoais” (Véliz, 2021).

Importa ressaltar, que esse novo paradigma econômico e comercial tem como característica uma abissal assimetria de poder entre, de um lado, as empresas que dominam as novas tecnologias digitais e são responsáveis pelos novos negócios que comercializam dados pessoais de parte relevante da população mundial23 e, de outro, as pessoas, individualmente consideradas, usuárias dos produtos e serviços formatados por estas mesmas companhias24.

Não à toa Zuboff (2019) nomeia esse sistema de “capitalismo de vigilância”, destacando que seu objetivo primordial é fomentar, em benefício próprio e não da humanidade, um mercado de previsões comportamentais, por meio da coleta e uso indiscriminados de dados pessoais dos indivíduos25.

Daí a necessidade de compreender-se que mães, pais e responsáveis legais envolvidos na prática do sharenting estão servindo ao novo sistema econômico que se coloca, baseado em dados, sem, sequer, na imensa maioria das vezes, terem dimensão ou consciência disso. Por meio de técnicas de nudge, advindas da ciência comportamental e transpostas no design das plataformas, são estimulados a produzirem conteúdo com imagens, informações e dados de seus filhos e filhas de maneira a não se atentarem à magnitude da potencial repercussão e dos riscos envolvidos.

Pode-se dizer que as famílias, de todo o mundo, de diferentes estratos sociais, culturas e nacionalidades, estão sendo instadas a difundir dados pessoais de suas crianças e adolescentes para receberem, em troca, curtidas de conhecidos e anônimos, bem como, em muitas circunstâncias, vantagens pecuniárias, como, por exemplo, por meio de contratos publicitários ou ajustes comerciais com as próprias plataformas. As famílias, portanto, estão sendo fomentadas a expor crianças e adolescentes a práticas de exploração comercial no ambiente digital que são absolutamente detrimentais (Henriques, Meira & Hartung, 2021).

Cumpre observar que, em países nos quais há um grande contingente de usuários das plataformas e mídias sociais que não possuem acesso à educação formal de qualidade e à educação para as mídias, como é o caso do Brasil, com a sua escandalosa desigualdade socioeconômica que deixa 38% de sua população na pobreza e extrema pobreza26, a assimetria de poder e de informação é ainda maior e as famílias nessas condições tornam-se mais suscetíveis a todo o modelo de negócio baseado em dados pessoais – assim como suas crianças e seus adolescentes tornam-se ainda mais vulnerabilizados.

Também por isso, as famílias – todas elas e, em especial, as que vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica – necessitam de uma rede de apoio para garantir os direitos fundamentais de suas crianças e seus adolescentes, inclusive no ambiente digital e por parte dos setores público e privado. Dessa forma, o sharenting praticado por famílias necessita ser analisado e considerado em uma dimensão mais ampla que somente a individual, que considere a vulnerabilidade intrínseca de crianças e adolescentes e dos próprios adultos frente à complexidade do modelo de negócio das plataformas e à assimetria de poder existente, notadamente em situações nas quais já vivenciam vulnerabilidades diversas.

É certo que a prática do sharenting diz respeito a uma relativa amplitude de nuances, como quando as famílias de crianças com deficiências dão visibilidade aos desafios que enfrentam solitariamente, seja para construir diálogos com outras famílias, seja como uma forma ativista de tirar seus filhos e filhas da invisibilidade que, geralmente, os cerca. (Blum-Ross, Livingstone, 2017).

Contudo, ainda nessas referidas situações, está presente a coleta e o tratamento de dados das crianças e dos adolescentes envolvidos na prática de sharenting por suas famílias, bem como a própria lógica mercadológica e vigilantista27 das plataformas disponíveis e, portanto, a imprescindibilidade do reconhecimento da dimensão coletiva do fenômeno, sob pena, até mesmo, de não se conseguir proteger, satisfatória e individualmente, as crianças e os adolescentes expostos na Internet.

Como bem chama atenção a OECD, o sharenting figura entre os riscos à privacidade decorrentes do uso de dados pessoais para fins comerciais, sendo que, por sua vez, a privacidade também possui uma natureza coletiva. A esse respeito, Carissa Véliz (2021, pp. 112-116) é certeira quando aponta que:

A privacidade se assemelha a questões ecológicas e outros problemas de ação coletiva. Não importa o quanto você tente minimizar sua própria pegada de carbono, se outros não fizerem a parte que lhes cabe, você também sofrerá as consequências do aquecimento global.

(…) Você e eu podemos nunca ter nos conhecido, e podemos nunca nos encontrar no futuro, mas se compartilharmos traços psicológicos suficientes e se você entregar esses dados a pessoas como a Cambridge Analytica, você também estará cedendo parte da minha privacidade. Como estamos interligados de maneiras que nos tornam vulneráveis um ou outro, somos parcialmente responsáveis pela privacidade um do outro.

(…) As consequências da perda de privacidade também são vivenciadas coletivamente. Uma cultura de exposição prejudica a sociedade. Ela danifica o tecido social, ameaça a segurança nacional (…), possibilita a discriminação, e põe em perigo a democracia.

Tratar o sharenting, exclusivamente, pela perspectiva individual e familiar implicaria em um olhar reducionista para um fenômeno complexo e multifatorial, que vai além da vontade e da real autonomia dos indivíduos, em situações nas quais não detém todas as informações relacionadas à sua prática, na medida em que inserida em um contexto mais amplo – no qual não possuem qualquer ingerência – dos modelos de negócio das grandes plataformas e mídias sociais disponíveis na Internet.

Ainda, o tratamento de dados pessoais desse grupo de pessoas vulneráveis, que estão em um peculiar processo de desenvolvimento biopsicossocial, envolve alto risco, ou seja, riscos de graves violações a liberdades e direitos fundamentais, que possam redundar em potenciais danos a crianças e adolescentes, inclusive com eventuais implicações para todo o decorrer de suas vidas (Henriques et al., 2021).

O alto risco envolvido no tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes – e, por conseguinte, na prática do sharenting – obriga as grandes plataformas, mesmo que não direcionadas ao público infantojuvenil, a observar salvaguardas específicas, como, por exemplo, a elaboração do respectivo relatório de impacto30. São as plataformas e mídias sociais que têm condições de, efetivamente, mitigar os altos riscos envolvidos, inclusive, considerando-os, em certa medida, como riscos inaceitáveis e deixando de estimular que mães e pais pratiquem o compartilhamento detrimental e excessivo de informações, imagens e dados pessoais de seus filhos e filhas.

É imprescindível tratar-se a privacidade de dados de crianças e adolescentes institucional (relacionada a escolas, médicos, polícias) e comercial (relacionada a empresas em geral e, em especial, as de tecnologia digital), distintamente da privacidade interpessoal dessas pessoas (que diz respeito às relações com outras pessoas) (Livingstone, 2020). Nesse sentido, como assevera Sonia Livingstone (2021, pp. 148-149), o custo para a privacidade de dados não pode ser o isolamento social, nem a solução para os problemas e desafios que apresenta pode ser meramente individual:

Um desafio em especial para o direito das crianças é que, em um mundo datificado, indivíduos tendem a ser tratados pelo algoritmo coletivamente (como estudantes, pacientes, clientes, público) e não de acordo com seus direitos e necessidades específicas. Mesmo quando um serviço digital é ´personalizado´, isso tende a servir lógicas comerciais ou burocráticas, em vez daquela determinada por usuários e cidadãos. Talvez nem seja do interesse do provedor distinguir seu tratamento entre dados de adultos e crianças, impedindo qualquer possibilidade de servir os melhores interesses da criança.

(…) Chegou a hora de exigir que instituições e empresas reformulem as suas ofertas digitais de modo que sirvam o melhor interesse das crianças. E que a sociedade as responsabilize.

Sendo a criança e o adolescente, prioridade absoluta da nação, por força do art. 227 da Constituição Federal, não poderia se deixar, única e exclusivamente, a cargo de mães, pais e responsáveis, a responsabilidade por seu cuidado e atenção.

Necessário que se tenha em perspectiva, igualmente, os dilemas éticos envolvidos na discussão do sharenting, quanto à dimensão individual, no sentido de serem os mesmos adultos responsáveis pelo cuidado das crianças aqueles que, porventura, introduzem novos riscos para as vidas delas. Da mesma forma, não se defende a não responsabilização individualizada por violações a direitos de crianças e adolescentes. Defende-se, outrossim, o compartilhamento da responsabilidade, pela proteção e promoção das liberdades e dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, com toda a sociedade, principalmente, com as empresas de tecnologia detentoras das plataformas e mídias sociais mais amplamente difundidas em todo o mundo, e com o Estado e seu poder regulador e fiscalizador.

5. A responsabilidade compartilhada entre empresas, estado e sociedade: o que esperar de cada agente envolvido

No Brasil, a Constituição Federal é bastante contundente ao determinar, no art. 227, que a responsabilidade pela proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes deve, obrigatoriamente, ser compartilhada entre famílias, sociedade e Estado, com prioridade absoluta. Com esse dispositivo, inaugurou-se, em 1988, a doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes no ordenamento legal do país.

Ainda, destaca-se que o art. 227 ao mencionar expressamente atores privados no texto constitucional — famílias e sociedade –, vincula diretamente tais agentes, inclusive empresas, no dever constitucional de garantia com absoluta prioridade dos direitos fundamentais e melhor interesse de crianças e adolescentes, em um fenômeno conhecido como eficácia horizontal de direitos fundamentais (Hartung, 2019). Assim, as próprias empresas de tecnologia, como as responsáveis pelas plataformas e redes sociais, são corresponsáveis pela efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, inclusive o direito ao respeito, à privacidade e a proteção contra toda forma de violência e exploração, inclusive a comercial.

Nessa esteira, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)28, que sobreveio nos anos seguintes, em 1990, além de reforçar a responsabilidade compartilhada, também determina que crianças e adolescentes sejam colocados à salvo de qualquer forma de exploração, bem como, seja preservada a sua integridade física, psíquica e moral, incluindo a preservação de sua imagem, identidade e autonomia.

Na mesma direção é a Convenção sobre os direitos da criança da ONU29 – consagrada internacionalmente e, no Brasil, ratificada em 1990 e promulgada pelo Decreto 99.710/1990 –, que insere, textualmente no item 3.1., o conceito de “melhor interesse” da criança e do adolescente como diretriz fundamental a ser observada, tanto pelos Estados seus signatários, como por agentes privados, pessoas físicas ou jurídicas, inclusive empresas.

No que tange ao ambiente digital, o recente Comentário Geral n. 25 do Comitê dos Direitos da Criança da ONU, igualmente, elenca o melhor interesse como consideração primordial a ser assegurada, em prol das múltiplas infâncias, em todas as ações relacionadas ao fornecimento, regulação, design, gestão e uso do ambiente digital.

Recomenda, ainda, que políticas públicas e produtos e serviços digitais sejam pensados de forma a garantir que crianças e adolescentes possam usufruir o ambiente digital e, concomitantemente, ter seus direitos protegidos e promovidos. Em relação às empresas, o Comentário Geral n. 25 é bastante enfático ao incluí-las como responsáveis por garantir direitos e liberdades de crianças e adolescentes no ambiente digital, prevenindo e mitigando abusos, inclusive por meio do design de seus produtos e serviços que, de alguma forma, afetem esse grupo vulnerável de pessoas30.

O Comentário Geral n. 25 assevera, ademais, que ameaças à privacidade de crianças e adolescentes podem surgir da coleta e do processamento de dados por instituições públicas, empresas e outras organizações, atentando, a esse respeito, para o princípio da minimização31, de forma que tais práticas sejam proporcionais e limitadas. E menciona a necessidade de crianças e adolescentes serem protegidos da vigilância digital.

O documento considera a prática do sharenting como uma das ameaças que podem surgir ao direito à privacidade de crianças e adolescentes32, bem como recomenda a proibição do perfilamento e da publicidade direcionada para crianças e adolescentes, para fins comerciais “com base em um registro digital de suas características reais ou inferidas, incluindo dados grupais ou coletivos, publicidade direcionada por associação ou perfis de afinidade”33. Também recomenda sejam proibidas as práticas que dependem de “neuromarketing, análise emocional, publicidade imersiva e publicidade em ambientes de realidade virtual e aumentada para promover produtos, aplicações e serviços”34.

Como o Brasil é signatário da Convenção sobre os direitos da criança da ONU, que já foi inserida formalmente no ordenamento positivado, é certo que o Comentário Geral n. 25 deve ser considerado como mandamento e fonte normativa. De toda a forma, o arcabouço legal brasileiro é robusto em afirmar a responsabilidade compartilhada para o cuidado de crianças e adolescentes em qualquer meio, inclusive no digital, bem como a proteção integral dessas pessoas, baseada no seu melhor interesse. Melhor interesse, ademais, que é o núcleo central do art. 14 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)35, ao determinar as balizas para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes.

Assim, indubitável a necessidade e a legalidade de a responsabilidade pela prática do sharenting recair, também, sobre as empresas que o incentivam (Eberlin, 2017), como consequência do modelo de negócio no qual se sustentam, seja pelo design de suas plataformas, seja direta e financeiramente.

Importa considerar, nesse sentido, o regime de responsabilidades vigentes no ordenamento jurídico brasileiro. O Marco Civil da Internet (MCI) apresenta uma cadeia de responsabilidade subsidiária das plataformas digitais pelos conteúdos de terceiros, com isso, provedores de aplicações de internet somente devem ser responsabilizados quando não tomam providências, dentro de seus limites técnicos, após o recebimento de ordem judicial específica para indisponibilizar conteúdos infringentes36. O mesmo diploma legal também define enquanto princípio norteador, a “responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei”.

Apesar do quanto mencionado, há precedente judicial do Superior Tribunal de Justiça que relativiza a regra apresentada em caso envolvendo interesse de uma criança, a fim de torná-lo compatível com todo o arcabouço legal brasileiro. No caso apresentado, mesmo diante de notificação do responsável legal, não houve exclusão do conteúdo publicado. Em sua argumentação, defendeu o Relator do Recurso Especial de nº 178326937, a necessidade de que toda a sociedade zele pela dignidade da criança e do adolescente. O ECA, enquanto regramento especial, não só pode como deve prevalecer frente ao MCI, que possui determinações de caráter geral. Note-se que, conforme aqui defendido, em caso de análise da responsabilidade de um provedor de aplicações, em que existe afetação de uma criança ou adolescente, não se deve aplicar apenas o MCI, devendo- se ter um olhar atento a todas as outras legislações pertinentes.

O ECA estabelece o direito de crianças e adolescentes terem à sua disposição “produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”38, não se constituindo como hipótese de exclusão de responsabilidade a mera informação de que os produtos ou serviços não seriam direcionados a crianças ou adolescentes, pois, inexistindo barreiras efetivas para o respectivo acesso, tal previsão torna-se absolutamente ineficaz. Cumpre mencionar, a esse respeito, que termos de serviço e políticas de privacidade das plataformas digitais, em geral, possuem textos complexos e de difícil compreensão para pessoas não familiarizadas com os conceitos técnicos e jurídicos empregados, impossibilitando que os usuários compreendam todas as implicações a sua privacidade e intimidade, bem como dificultando o seu acesso a informações básicas como aquelas referentes às respectivas classificações etárias indicativas39.

Além do mais, nos casos em que há exploração comercial de crianças e adolescentes e caso seja verificado que a plataforma está monetizando esse tipo de conteúdo, a responsabilização da empresa detentora da plataforma deve ser agravada. Esse entendimento coaduna-se com as normas em vigência, vez que as plataformas digitais realizam certo nível de controle dos conteúdos que circulam por esses espaços, ainda mais quando se trata de conteúdos publicitários e comerciais (Frazão, 2020). Da mesma forma, as empresas anunciantes podem ser responsabilizadas, nas situações de sharenting que envolvem publicidade contextual dirigida a crianças de até 12 anos ou publicidade comportamental dirigida a crianças ou adolescentes, em razão dos riscos e potenciais danos envolvidos.

As plataformas digitais são fornecedores de produtos e serviços, existindo relação contratual entre elas e seus usuários a demandar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor4041, e, por consequência, de rigor, o reconhecimento dos usuários como consumidores e, portanto, como parte vulnerável dessa relação de consumo. Também por isso, é cabível a responsabilidade solidária pela reparação de danos entre todos os agentes econômicos que compõem a cadeia de consumo, incluindo-se, nos casos em que a publicidade seja originada de relação contratual entre anunciante e plataforma, as próprias plataformas42, enquanto veículos pelos quais a publicidade chega até o consumidor (Nunes, 2017).

Importa distinguir, portanto, que ao tratar de responsabilidade das plataformas digitais deve-se entender que estas a possuem diante de suas próprias ações, onde melhor enquadram- se as determinações do Código de Defesa Consumerista, de outro modo, também há responsabilidade diante de atos de terceiros, a partir da regra estabelecida pelo artigo 19 do MCI. Em ambos os casos, permanecem os deveres de respeitar e garantir os direitos de crianças e adolescentes ainda quando não são concebidas para o público infanto-juvenil, na medida em que, independentemente disso, fomentam o intenso compartilhamento de conteúdo que além de expor crianças e adolescentes, coletam e tratam seus dados pessoais de forma massiva. Mesmo porque é sabido que as plataformas digitais lucram a partir do engajamento gerado pelo conteúdo dos perfis que realizam, sendo que seus algoritmos não são neutros, na medida em que certos conteúdos são priorizados em detrimento de outros (Pasquale, 2016).

Diante do imperativo legal expresso no art. 227 da Constituição Federal e em toda a doutrina da proteção integral – de garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes e seu melhor interesse, com prioridade absoluta – é igualmente válido para o ambiente digital, tem-se que deve ser observado não somente na forma como produtos e serviços são usufruídos, mas também na sua concepção e desenvolvimento. Com isso, todas as partes envolvidas devem atentar-se ao melhor interesse das crianças e dos adolescentes, o qual, inclusive, sobrepõe-se ao interesse de seus pais, mães e responsáveis legais (Henriques, Pita & Hartung, 2021).

Será sempre, com efeito, o melhor interesse de crianças e adolescentes o delimitador para as ações de suas famílias, da sociedade e das empresas, bem como para a atuação do Poder Público, seja na regulação, fiscalização ou aplicação de sanções.

Por isso, ainda que se deva reconhecer o poder familiar e o direito de mães, pais e responsáveis legais a tomarem decisões para a educação e proteção de seus filhos e filhas, tal circunstância encontra limites legais, pois esbarra no melhor interesse das próprias crianças e adolescentes. Por consequência, a liberdade de criação dos filhos e filhas por seus genitores encontra limite no direito à proteção integral de crianças e adolescentes, conforme dispõe o ECA43. Por isso, cabe a devida análise sobre a pertinência do que compartilham a respeito de seus filhos e filhas, garantindo que seus direitos e liberdades fundamentais sejam sempre considerados e protegidos e, quando aplicável, garantida a autonomia da própria criança ou do adolescente em escolher as informações que serão publicadas a seu respeito, considerando o desenvolvimento progressivo de suas capacidades.

Além das famílias, também empresas, governo e sociedade devem pautar suas ações que impactem, de alguma forma, crianças e adolescentes, inclusive no ambiente digital e no que diz respeito à prática do sharenting, pelo melhor interesse dessas pessoas em peculiar estágio de desenvolvimento biopsicossocial, sob pena de, se não o fizerem, serem devidamente responsabilizados.

Dessa forma, no caso das empresas, especialmente aquelas de tecnologia digital, é fundamental que adotem, como padrão, o direito das crianças e dos adolescentes, em relação ao uso e tratamento de dados pessoais, como defende Pedro Hartung, já no design de seus produtos e serviços – children´s rights-by-design standard (2020):

Qualquer modelo de negócio baseado na exploração econômica e não transparente de dados infantis deve ser substituído por projetos educacionais e arquitetura de ciberespaços, com estímulos transparentes para o exercício da cidadania e a livre expressão das liberdades, direitos e identidades das crianças (art. 8), dando às crianças acesso a informações de diversas fontes (art. 17). As crianças têm o direito de fazer parte de sua comunidade online, reunindo- se com outras crianças (art. 15) em um ambiente digital seguro e privado e livre de pressões comerciais.

Em relação ao Estado, espera-se que elabore e implemente robustas políticas públicas em consonância com o arcabouço normativo que coloca crianças e adolescentes como prioridade absoluta da nação, dando ênfase à garantia de seu melhor interesse também em relação ao ambiente digital, de forma que, no caso da prática do sharenting, disponha de recursos e ferramentas para, efetivamente, coibir abusos e violações aos direitos fundamentais desse grupo vulnerável de pessoas. Nesse sentido, deve fiscalizar e emitir sanções para garantir que crianças e adolescentes, por exemplo, não sejam vítimas de exploração comercial, de forma a efetivar a proibição de publicidade contextual para crianças de até 12 anos e de publicidade comportamental, microssegmentada e direcionada, a crianças e adolescentes. Também deve mostrar rigor na fiscalização de práticas de tratamento de dados pessoais dessas pessoas e o repúdio àquelas que não se coadunem com o seu melhor interesse e violem seus direitos e liberdades fundamentais, garantindo, entre outros, o preceito da minimização da coleta e tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes.

Já a sociedade e os indivíduos, de maneira geral, devem atuar ativamente para proteger os interesses e os direitos das crianças e adolescentes e exigir que empresas e governos respeitem a privacidade desse grupo de indivíduos, bem como protejam seus dados pessoais.

6. Considerações finais

O sharenting é um fenômeno dos tempos atuais e a respeito do qual se tem estudado e aprofundado, concomitantemente, enquanto sua prática desenvolve-se e consolida-se na sociedade. Nem todas as respostas sobre como, efetivamente, mães, pais, responsáveis legais e familiares devem se comportar no ambiente digital já estão disponíveis ou lidam de forma justa com pais e mães e seus filhos e filhas em relação à tensão existente entre, de um lado, o desejo de interações sociais e compartilhamento de experiências e, de outro, a preservação das identidades individuais (Blum-Ross & Livingstone, 2017).

Contudo, algumas respostas já existem e são fruto de uma caminhada histórica para o desenvolvimento de uma sociedade global solidária e desejosa de garantir direitos humanos a todas as pessoas. Para aquelas pessoas, cuja vulnerabilidade é intrínseca à condição que vivenciam, como crianças e adolescentes, tanto da perspectiva sociocultural, como regulatória, a resposta é a garantia do seu melhor interesse com absoluta prioridade pelas famílias e pelas empresas, para além do Estado.

Como se viu, justamente por conta da magnitude do desafio posto, é essencial que o fenômeno do sharenting seja encarado pela perspectiva coletiva, retirando-o de um olhar individualista para uma necessária análise em cadeia, considerando todas as ações dos agentes envolvidos nesta prática.

Com isso, outros agentes são trazidos para a discussão, a qual, de forma alguma, deve limitar-se à análise, direcionamento ou culpabilização do comportamento de mães, pais ou familiares em relação a crianças e adolescentes de seu círculo familiar.

É, pois, imprescindível que as empresas, responsáveis pelo design de produtos e serviços, estejam atentas aos potenciais efeitos nocivos da prática do sharenting, bem como o Estado, façam parte da problematização e, mais, arquem com a sua inegável corresponsabilidade na garantia dos direitos e liberdades fundamentais de crianças e adolescentes.

No mesmo andar, é o melhor interesse de crianças e adolescentes que deve pautar o exercício do poder familiar e, portanto, o comportamento de pais, mães, responsáveis legais e familiares, quando estiverem tomando decisões sobre o compartilhamento de conteúdo sobre seus filhos, netos ou sobrinhos no ambiente digital.

Portanto, este artigo defende uma co-responsabilização das empresas, Estado, famílias e toda a sociedade, que devem ter o melhor interesse e os direitos de crianças e adolescentes como consideração primária — absolutamente prioritária –, em todas as ações concernentes, direta ou indiretamente, a esse grupo de pessoas, que vivenciam um momento peculiar de desenvolvimento biopsicossocial, e que possam, de alguma maneira, impactar seus direitos fundamentais e humanos44.

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Isabella Henriques isabella@alana.org.br

Doutoranda e mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), na área de Direitos Difusos e Coletivos – Direitos das Relações Sociais. Diretora executiva do Instituto Alana, advogada e conselheira do Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo (2021- 2023). Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-SP.

Pedro Hartung pedro@alan.org.br

Advogado de Direitos Humanos e da Criança do Instituto Alana (Brasil), Ph.D. em Direito – Universidade de São Paulo
(Brasil), ex-pesquisador da Harvard Law School e do CAP – Child Advocacy Program (EUA) e do Max Planck Institute
for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg/Alemanha).

Thaís Rugolo thais.rugolo@alan.org.br

Advogada no programa Criança e Consumo do Instituto Alana. Co-coordenadora da Clínica de Direitos da Criança e do
Adolescente da FDUSP. Membra da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-SP.