Resumo
Este artigo consiste na análise de definições de portais de notícias, autointitulados como independentes, com maior grau de engajamento nas mídias bolsonaristas e a inscrição desses portais no discurso do jornalismo independente. Para isso, a pesquisa se insere na área da Linguística Aplicada; mobiliza, também, conceitos gramsciano de mídia e hegemonia, além de abordar definições de mídia alternativa no contexto do Capitalismo Tardio. O corpus selecionado é composto por cinco portais de notícias digitais mais compartilhados como fonte em grupos públicos bolsonaristas, no WhatsApp (39 grupos) e Telegram (18 grupos), no primeiro semestre de 2021: Jornal da Cidade Online, Terra Brasil Notícias, Aliados Brasil, Brasil sem medo e Foco do Brasil. Os resultados indicam uma mobilização de paixões, com exaltação de um herói nacional e suas conquistas, valores a Deus, família tradicional, construções em oposição à esquerda associada ao tráfico, ao aumento de censura e a uma ideologia de gênero. Os portais, por outro lado, se representam com valores como trabalho e esforço, composto por pessoas simples que se uniram diante do contexto que se instalava no Brasil, contexto este descrito sendo composto por “manipulação ideológica” e “mentiras”. As notícias veiculadas pelos portais buscam construir um grau de confiabilidade com os leitores ao usarem estratégias de reiteração de termos como “verdade” e “liberdade”. Mobilizam, assim, uma representação de oposição entre amigo e inimigo (nós/eles), a qual revela uma prática social opressora, produzida por meio do discurso para manter a hegemonia ideológica.
1. Introdução
Este artigo investiga as práticas discursivas que se consolidam – por meio e em textos – acerca da forma de produção e reprodução de (des)informação em mídias que se autodefinem como independentes, mas se inserem como hegemônicas, de extrema direita do espectro político. Para isso, este artigo tem como objetivo central descrever a conjuntura de cinco portais de jornalismo autointitulados como independente no contexto do Capitalismo Tardio: Jornal da Cidade Online, Terra Brasil Notícias, Aliados Brasil, Brasil sem medo e Foco do Brasil. Os portais foram selecionados a partir de acompanhamento dos principais grupos públicos no Telegram (18 grupos) e no WhatsApp (39 grupos), durante o período de setembro de 2021 até fevereiro de 2022. São, portanto, os cinco portais mais compartilhados, como fonte de conteúdo, em tais grupos. A pesquisa traz uma análise, quali-quantitativa de caráter exploratório, do discurso produzido pelos portais.
Desse modo, o estudo apresentado nesta pesquisa se justifica pela necessidade de discussão e aporte de dados substanciais sobre notícias falsas e guerras de informação de modo geral, fenômenos que viram seu apogeu na atual era da comunicação eletrônica. Justifica-se, também, pela necessidade de compreensão de como os discursos contestadores do jornalismo dominantes podem abrigar práticas dominantes muito mais violentas, aquelas caracterizadas pelo extremo conservadorismo de direita.
2. O discurso como disputa por hegemonia no Capitalismo Tardio
No Brasil, durante os anos em que Jair Bolsonaro exerceu sua presidência (2019-2022), a prática da desinformação ganhou maior visibilidade nos meios de comunicação e provocou uma avalanche de “fake news” e discursos de ódio (Cesarino, 2022). Por esse motivo, esse tema teve mais destaque no debate público e acadêmico, provocando perplexidade devido a esses discursos contrários à ciência, que atacam as instituições, incentivam a violência e ameaçam a democracia, por meio de um discurso disfarçado de “verdade” e “liberdade”, típicos da extrema direita (Piovezani; Gentile, 2020). Em 2018, o resultado da eleição presidencial no Brasil foi um episódio de uma guerra híbrida2 em desenvolvimento, inserindo-se, conforme explica Castro (2020), em uma inflexão hiperautoritária do neoliberalismo em escala global. O autor traça um paralelo entre governança neoliberal e algorítmica3, ambas voltadas para a desestabilização social:
Um sujeito cindido em versões fracionadas de si esforça-se para autenticá-las, quer pela expansão do capital humano via empreendedorismo neoliberal de si, quer pela expansão do capital algorítmico via curtidas, comentários e compartilhamentos. Assim como no neoliberalismo, o valor mercantil se generaliza como instância de veridição, nas plataformas algorítmicas o que importa não é o verdadeiro, mas o que tem maior repercussão, fator que favorece a desinformação. (Castro, 2020:268)
Assim, se o algoritmo das redes sociais é propagado para oferecer ao usuário, a partir de coletas de emoções negativas – as quais garantem maior engajamento – qualquer conteúdo capaz de atraí-lo com maior frequência e por mais tempo à plataforma, os produtores de conteúdo de desinformação se favorecem ao sustentar qualquer posição, razoável ou absurda, desde que ela intercepte as aspirações e os medos dos eleitores.
Nesse panorama, a situação política – cujo estrago não se restringe à eleição de Bolsonaro – de ascensão da extrema direita revela a urgência de investigar a técnica utilizada por grupos desse aspecto político, e evitar interpretações simplistas como “Bolsonaro e seus marqueteiros são ignorantes, não sabem o que fazem assim como seus eleitores”, tampouco interpretar a prática discursiva que mobiliza paixões e sustenta desigualdades é dar visibilidade a esse grupo. Percebemos, assim, o quanto é necessário caracterizar as recorrências de argumentos entre as campanhas de extrema direita que ganham aderência na sociedade, construídos e planejados com uma estrutura comunicativa via redes para a sustentação de um cenário forjado por uma linguagem particular, a qual deve ser muito bem descrita.
Portanto, as práticas sociais difundidas pela extrema direita, em meio a um contexto de ascensão de mídias digitais, geram discursos de confiabilidade de grupos sociais em conteúdos produzidos, muitos dos quais são movidos à rejeição da ciência e de especialistas, narrativas maniqueístas e teorias conspiratórias, simplificação de fatos, entronização da opinião própria acima de discursos legitimados, desprezo pelos argumentos que a contradigam, difusão de falsidades alimentadas, muitas vezes, pelo próprio algoritmo das redes sociais.
Essa dinâmica ocorre respaldada por uma exacerbação de valores morais e religiosos, de uma interpretação única que busca aniquilar diferentes modos de existir. Essa prática é percebida na análise realizada neste trabalho sobre como os portais distribuem seu conteúdo, e uma teia de informações, se utilizando de denominações como “jornalismo independente” para gerar um grau de confiança junto aos leitores.
Assim, a análise da produção de informação, em portais de notícias, e a forma de proliferação de discursos conservadores extremistas e sua rede de práticas é uma questão socialmente relevante não só em âmbito nacional como também global, no marco do Novo Capitalismo (Harvey, 1992; 2016).
Esse fenômeno de produção e consumo de informações, que influencia as decisões políticas e a manutenção de hegemonias, atravessa o lugar de dizer das “mídias de direita pretensamente independente”, voltadas ao suposto fortalecimento de um sujeito que se identifica no discurso como “cidadão de bem” contra outros grupos dominantes e também independentes, de esquerda. Apensar de o termo independente, de modo geral, estar relacionado com um jornalismo que se alinha com os movimentos sociais de esquerda, há manifestações de direita que também reivindicam o termo como se pode verificar no levantamento apresentado no site da Agência Pública (Pública, 2021). Essas posições divergentes podem estar sinalizando, conforme afirma Bonini (2022), “tanto perspectivas discursivas não coincidentes quanto perspectivas coincidentes em determinado ponto, por exemplo, em termos da fratura no discurso jornalístico dominante, que se vê aberto ao questionamento de ambos os lados, mesmo de seus pares ideológicos de direita”.
Nessa perspectiva, este texto coloca em questão a prática social jornalística. Tal prática, como explica Bonini (2013) emerge, atualmente, como um objeto recorrente das ciências humanas, devido à sua centralidade na estruturação da sociedade capitalista, especialmente durante o novo capitalismo global da Modernidade Tardia (Harvey, 1992 [1989]).
O termo mídia, pelo sentido corrente popular, é entendido como um conjunto de meios de comunicação. Entretanto, neste artigo, o conceito segue aquele estabelecido por Bonini (2011), que, alinhado a Debray (1991), afirma que o surgimento de cada novo suporte produz uma mudança na maneira de conceber a realidade social e, portanto, uma reconfiguração das relações de poder. Em síntese, mídia, pelo embasamento teórico da Análise Crítica do Discurso (ACD) aqui adotado, é uma “forma tecnológica e/ou material de mediação da interação linguageira” (Bonini, 2011, p. 693).
Ademais, na perspectiva marxista, da qual a ACD se ampara, a mídia é uma das instituições sociais que garantem o domínio contínuo da classe capitalista. Desse modo, em uma abordagem gramsciana, a mídia é um dos Aparelhos Privados de Hegemonia. Tais aparelhos são, conforme Gramsci (2022 [1948]), os agentes fundamentais da hegemonia e portadores materiais das ideologias, que querem sedimentar apoios na sociedade civil, seja para manter a dominação, seja para contraditar seus pressupostos. A hegemonia é obtida e consolidada em disputas que comportam não apenas questões vinculadas à estrutura econômica e à organização política, como também, no plano ético-cultural, à expressão de saberes, práticas, modos de representação e modelos de autoridade que querem legitimar-se e universalizar-se. A construção da hegemonia se baseia em disputas ideológicas e culturais que influenciam e condicionam o imaginário social, a opinião pública, os sentidos de compreensão da realidade e as decisões eleitorais. A hegemonia é, desse modo, nos termos gramscianos explicados por Moraes (2016), uma disputa contínua de buscar uma tentativa de consenso em torno de determinadas visões de mundo. Nesse sentido, para conservar seu protagonismo, o bloco hegemônico precisa conservar e agregar apoios consistentes às suas organizações.
O discurso, atravessado pela ideologia, é um espaço de disputa pela hegemonia.
É nesse sentido que Figueiredo e Bonini (2017), com base em Gerzson (2007), explicam que, para a ACD, interessa o estudo de como grande parte da mídia jornalística funciona em formato de um dispositivo ideológico neoliberal, ao reproduzir as práticas neoliberais de dominação. Como indica Bonini (2013), no contexto brasileiro, muitas das empresas jornalísticas podem ser caracterizadas como conservadoras, pois se colocam como divulgadoras dos interesses das elites dominantes.
O jornalismo independente veio, nesta conjuntura, a grosso modo, a ser uma alternativa, uma possibilidade de desvinculação da mídia dominante. Porém, a noção de jornalismo independente na literatura se mostra complexa (Figaro; Nonato; Kinoshita, 2017; Muniz Jr, 2016). Autores como Assis et al (2017) reconhecem a heterogeneidade do termo e sugerem que, para uma definição mais precisa de jornalismo independente, se conheça a realidade e o contexto de cada jornal que se designa como independente.
Haubrich (2015) aponta que, enquanto a mídia dominante é historicamente ligada aos donos do poder político e econômico do país, “a mídia alternativa vincula-se às classes populares, seja diretamente conduzida por elas, seja através de vinculação discursiva e política” (p. 1). Entretanto, como aponta o autor, a forte concentração midiática impede a emergência de mais espaços de mídia alternativa, assim como o fortalecimento dos já existentes.
Percebemos, desse modo, a importância de se traçar uma distinção entre mídia alternativa e independente. O conceito de mídia alternativa não corresponde às práticas sociais dos portais de notícias que compõe o corpus, visto que eles, embora se auto-intitulem como independentes, são a favor da hegemonia estabelecida no mundo neoliberal e nos domínios do conservadorismo. Como indicam Figaro, Nonato e Kinoshita (2017, p. 7), “os adjetivos independente e/ou alternativo vêm sendo apropriados por diferentes enunciadores e formações discursivas/ideológicas, inclusive com características organizacionais divergentes e diferentes”.
A denominação jornalismo independente é complexa, pois muitas das propostas de autores, como Peruzzo (1998), levam à construção de uma visão de que o jornalismo independente pode ser visto como uma mídia que tem como objetivo a mudança social. Entretanto, no dia a dia, nem todos os jornais intitulados dessa forma conseguem fazer isso.
Além disso, durante a pandemia de Covid-19, a rede Globo recebeu o título de veículo independente pela sua posição contrária ao governo de Jair Bolsonaro, o que representa um contrassenso dentro do conceito original de mídia independente. “A parceria firmada com outros veículos, também dominantes, para dar transparência aos dados em relação ao número de casos e mortes da Covid-19, por exemplo, deu à emissora o título de mídia independente” (Rempel, 2020, p. 58), nesse caso em relação a um governo específico (tomado como metáfora de independência do Estado).
Tal conjuntura atual da política brasileira reforça a necessidade de que se discuta mídia e jornalismo de forma crítica. Isso é necessário, pois considerações levantadas por Figaro, Nonato e Kinoshita (2017) evidenciam que a noção de jornalismo independente pode se tornar complexa, uma vez que nem sempre ela representa o jornalismo engajado com as mudanças sociais.
Essa flexibilidade de conceitos e discursos é um traço da Modernidade Tardia e/ou Capitalismo Avançado. Nessas circunstâncias, longe de serem instrumentos de liberdade, os novos meios de comunicação produzem o resultado oposto. Estamos diante de uma técnica de manipulação que restringe fortemente a liberdade de escolha dos espectadores; os espaços para a análise racional são reduzidos ao máximo, o que se faz especialmente explorando o efeito emotivo da rápida sucessão das imagens.
3. Universo da pesquisa
Esta pesquisa acompanhou cinco portais de notícias situados ideologicamente à direita e que se autodefinem como portais independentes: Jornal da Cidade Online, Terra Brasil Notícias, Aliados Brasil, Brasil sem medo e Foco do Brasil. A escolha para delimitar esses portais de notícias se deu a partir de uma identificação prévia das fontes mais recorrentes compartilhadas, em grupos públicos, no Telegram (18 grupos) e no WhatsApp (39 grupos), e a relação com a rede de informação bolsonarista à qual estes grupos remetiam, como mídias sociais e outros canais digitais da extrema direita brasileira.
O acompanhamento dos grupos ocorreu no período de fevereiro a julho de 2021. Os grupos de WhatsApp de direita foram selecionados a partir da divulgação feita pelo site ZapBolsonaro. O site apresentava uma espécie de planilha de principais grupos públicos a favor de Bolsonaro. A Figura 1 traz a interface da página inicial do site e duas chamadas para acesso a matérias vinculadas.
A página (Figura 1) reúne 39 grupos de WhatsApp e, antes de apresentar a listagem, são elencadas algumas instruções para os usuários que decidem integrar os grupos. Entre as orientações, encontram-se: “proibido fake news”; “confira nossas postagens diariamente, pois as mensagens desaparecem em 24 horas”; “proibido postar qualquer mensagem com conotação de propaganda política antecipada, pois é proibido por lei”. Orientações estas que trazem um contraponto em termos das acusações endereçadas a essa rede (cf. Ghedin, Dias & Ribeiro, 2019; Ribeiro, 2021).
Já os grupos do Telegram que foram acompanhados para a identificação das fontes mais compartilhadas de conteúdo foram oriundos de uma pesquisa feita pela Agência de Pesquisas Volt Data Lab. Tal análise foi realizada a partir da coleta do histórico de mensagens de grupos abertos do Telegram. A Figura 2 ilustra os resultados da pesquisa acerca de 18 grupos bolsonaristas, quantidade de membros e quantidade de mensagens durante o período de coleta.
Os grupos acompanhados foram os 18 listados na Figura 2. A organização dos grupos se dá de dois modos: somente administradores podem enviar mensagens ou qualquer participante. Nos grupos do primeiro caso, em que somente os organizadores enviam mensagens, os demais participantes podem interagir com reações anônimas à publicação. Os aplausos são os que mais se destacaram entre as interações.
Portanto, os portais selecionados foram as cinco fontes de maior compartilhamento de notícias nestes grupos, na seguinte ordem: Terra Brasil Notícias; Jornal da Cidade Online; Foco do Brasil; Aliados Brasil e Brasil sem medo.
Ao coletar e acompanhar os portais de notícias, os jornais se mostraram de natureza volátil: alguns saem do ar por dias; outros produzem, em determinada época, uma grande quantidade de conteúdos e, em outras épocas, a quantidade se reduz drasticamente. Muitos sites, quando investigados por fake news, dialogam com micro influenciadores ou personalidades de maior alcance, replicando conteúdo, usando as mesmas fontes de informação e os mesmos convidados. É possível perceber certas ondas de influenciadores de direita que se renovam a medida em que alguns perfis param de crescer ou que seus criadores são investigados. Assim, mantém-se uma grande rede que amplifica conspirações e suas narrativas.
4. Conjuntura dos portais de notícias selecionados
Nesta seção, são apresentadas informações, de base exploratória, sobre os cinco portais selecionados. Após a descrição, a Tabela 1 é exibida para sintetizar os principais dados dos jornais a fim de viabilizar a comparação. Além disso, ainda é apresentada a quantidade de textos publicados pelos portais no período e seus principais temas, os quais foram categorizados com a utilização do Software NVivo. A discussão das temáticas não é, porém, o foco deste artigo e, por isso, são apresentados como modo de exemplificação das práticas produzidas pelos portais4.
Jornal da Cidade Online, portal de notícias que se intitula como “jornal consciente”, teve início em 1978, no formato impresso, quando circulava em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Em 2007, foi para o modo online. O jornal conta com 83 colaboradores que assinam as matérias produzidas. O levantamento realizado pelo Net Lab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Sombra et al, 2020), evidenciou o Jornal da Cidade Online como o líder de audiência entre os veículos bolsonaristas. Ele teve 16,2 milhões de visitas em julho de 2020, à frente de Terra Brasil Notícias (12,9 milhões), Conexão Política (1,6 milhão), Brasil Sem Medo (730 mil) e Renova Mídia (479.469). Jornal da Cidade Online é dirigido pelo advogado e jornalista José Pinheiro Tolentino Filho. Entre os conflitos envolvendo o jornal, se destaca a investigação do portal de notícias por parte da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, criada no Congresso, para investigar a veracidade das informações publicadas, neste caso, pelo Jornal da Cidade Online. O processo (00380/2020) verificou indícios da prática de condutas ilegais e, conforme a ação do processo, integrantes que participam das investigações da comissão acreditam que o Jornal e seu dono fazem parte de “uma espécie de milícia digital montada para apoiar o presidente e seu governo e espalhar fake news e ataques a adversários” (CPMI – 0038/2020). Além disso, em agosto de 2020, por determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Youtube e outras plataformas suspenderam os repasses de pagamentos ao Jornal, “pois estariam espalhando fake news sobre fraudes em urnas eletrônicas” (Rebello, 2020). Essa suspensão foi o resultado de uma campanha feita pelo grupo Sleeping Gigants (“Gigantes Adormecidos”), que é conhecido por atuar contra a indústria da desinformação5. O Jornal da Cidade Online, alvo da campanha na rede social, contava com 903 anunciantes em pouco mais de um ano por meio da plataforma de mídia programática do Google.
Na autodefinição que o portal faz de si mesmo, ao se apresentar, faz uso do substantivo “trabalho”: “através do trabalho abnegado de sua equipe, o Jornal tem alcançado projeção nacional”. Há a tentativa de criar uma relação de confiabilidade com os leitores conservadores, ao utilizar uma pauta que este grupo defende: a meritocracia.
A Figura 3 apresenta a página inicial do portal de notícias Jornal da Cidade em 20 de setembro de 2022.
O segundo portal de notícias selecionado é o Terra Brasil cujo slogan é “Deus acima de tudo e de todos”, uma alusão ao lema do então, à época, presidente da República. O portal foi fundado em 20 de maio de 2020 pelo advogado e jornalista Junior Melo e sua esposa Carla Rocha da Silva Melo. Melo também é presidente do Partido Social Cristão (PSC), no Rio Grande do Norte (RN), e foi candidato, em 2022, para deputado federal, não sendo eleito. O Terra Brasil amplifica as narrativas de Bolsonaro ao copiar notícias de sites tradicionais e reorganizar as informações com um viés conservador e bolsonarista. Em entrevista para Patrícia Mello, da Folha de São Paulo (Mello, 2021), Junior Melo disse: “Nós praticamente não criamos, nós só reproduzimos [reportagens]…Por exemplo, pego um título ‘Daniel Silveira foi preso novamente’; aí eu coloco uma pitada de irreverência…faço uma chamada… Eu pego a notícia, dou uma pesquisada, e reescrevo com viés conservador” (sic.). Segundo ele, as matérias são editadas de dentro do carro, no celular, deitado na rede. Quando indagado pela motivação da criação do site, Junior afirmou à reportagem: “Nós somos entusiastas do conservadorismo e do presidente Bolsonaro, e sentíamos que a imprensa filtrava muito, não deixava passar o que a gente queria saber”. As fontes citadas como créditos nas matérias veiculadas pelo Portal são: o Antagonista, Jornal da Cidade, Gazeta do Brasil, Poder 360, Portal 6, Metrópoles, O Globo, Tribuna, G1, R7, Agência Brasil, UOL, lives do presidente, Exame, Revista Oeste. Para ilustrar a quantidade de textos com créditos, de um total de 113 textos publicados na área da Saúde, em fevereiro de 2022, 38 eram de outras fontes. Segundo levantamento do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Sombra et al, 2020), Terra Brasil é o segundo site com maior número de visualizações. Porém, pela mesma pesquisa, que monitorou 149 grupos públicos de viés bolsonarista e de extrema direita no WhatsApp (20.970 usuários) e 1.074 grupos e canais do Telegram de vários perfis ideológicos, em um total de 9,4 milhões de usuários, foi comprovado que o Terra Brasil é campeão disparado em compartilhamentos em grupos de Telegram e de WhatsApp. Sobre esse aspecto, em entrevista à Folha de São Paulo, Junior afirmou que participa de mais de 200 grupos de WhatsApp e Telegram, nos quais compartilha os conteúdos. Segundo ele, seu conteúdo já foi compartilhado por políticos como o deputado General Girão (PSL-RN) e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). O advogado relatou que já foi convidado para eventos com os ministros, à época do governo Bolsonaro, Rogério Marinho e Fábio Faria, das Comunicações, mas diz que não recebeu nenhuma ajuda financeira do governo.
Além de conteúdo sobre realizações do governo e críticas a políticos de esquerda, o site também veiculou textos sobre supostas curas para a Covid que não têm comprovação científica, como ivermectina. Devido ao conteúdo considerado desinformativo por agências de checagem, as publicações do Terra Brasil no Facebook e Instagram tiveram seu alcance reduzido pela plataforma.
Na seção de apresentação, o portal se autodefine como um trabalho que “nasceu da ideia de três irmãos que estavam cansados das notícias cotidianas e muitas vezes distorcidas”. O termo sublinhado sinaliza a tentativa de aproximação de um discurso apolítico, uma emoção individual, em contraposição a uma posição coletiva, para satisfazer demandas sociais. Assim, é criada uma representação de heroísmo aos criadores do portal, reforçada com a ideia de fundar o site a partir de um “hobby entre amigos”. Ademais, há a indicação de que as matérias são produzidas com “carinho”, com o objetivo de gerar uma relação afetuosa com o leitor, da ordem do sentimento – comum no discurso neoliberal – e reforçar um valor que a direita e extrema direita costumam utilizar em seus discursos: o trabalho como fruto do esforço.
Aliados Brasil é o terceiro portal selecionado. Tem como slogan “Unidos pelo Brasil!”, com início em 2019. Há indicação de nome de escritor de cada uma das matérias publicadas, mas não há uma indicação de representante do portal. Assim como o portal Terra Brasil, há uma grande quantidade de réplicas de notícias de outros sites com indicação de fonte ao final do texto, como Agência Brasil, Agência Senado, O Antagonista. O cabeçalho é composto pela logomarca – a bandeira do Brasil em movimento, como se estivesse hasteada – o nome e logotipo com as cores da bandeira do Brasil (a partir de 2023, quando Lula inicia seu mandato, a logo do portal muda para cores branco e preto representando luto). Assim como nos demais portais de notícias, no cabeçalho, há links para acesso às redes sociais do grupo em outras plataformas e a divisão dos textos por temas e gêneros: Início, Notícias, Opinião, Mundo, Futebol, Vídeos.
Na seção “sobre”, o grupo se intitula como “pessoas comuns, simples que foram tragadas para o mundo digital e entenderam que era necessário expressarem suas indignações”. Dessa forma, o agente que realizou a ação (foram tragados) é apagado, alguém que não precisa ser identificado para mostrar a razão pela qual os criadores do jornal trabalham na produção de notícias. Ao não ser identificado, se cria algo semelhante a uma entidade, algo místico ou religioso, que “tragou” os criadores para o mundo do jornalismo. A carga semântica do verbo “tragados” reforça esta representação de terem uma espécie de missão a cumprir, a qual é reforçada com o verbo “sentir”, na emissão seguinte. Sentir é um verbo que indica emoção, ter uma sensação de algo, como se tivessem recebido um chamado de alguma entidade redentora para trabalharem no campo do jornalismo.
A Figura 5 apresenta a página inicial do portal em 20 de setembro de 2022.
Brasil sem medo, quarto portal selecionado, se autointitula “o maior jornal conservador do Brasil”. Seu início data em 19 de dezembro de 2019, com anúncio do lançamento do portal feito por Olavo de Carvalho em um vídeo no Youtube. O portal tem como editor-chefe Paulo Briguet e como editor-executivo Silvio Grimaldo, ambos admiradores de Olavo de Carvalho. Em novembro de 2020, o portal entrevistou o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. A entrevista não serviu apenas como propaganda para o ministério, como também deu maior visibilidade ao site olavista – também conhecido por disseminar notícias falsas, como a afirmação de que a pandemia não aumentou o número de mortes no Brasil. A entrevista ganhou repercussão e foi republicada pelo portal do Ministério das Relações Exteriores (MRE), que direcionava os leitores ao site original através de um link. Com esse redirecionamento de público, o link contribuiu, conforme afirma a reportagem da Agência Pública (Rudnitzki; Scofield, 2020), para o desempenho do Brasil Sem Medo nas buscas do Google, fazendo o site aparecer com maior destaque para quem busca termos relacionados na plataforma. A Agência Pública analisou todos os backlinks feitos a 13 portais alinhados com o governo Bolsonaro e acusados de disseminar notícias falsas. Muitas vezes, os colunistas que escrevem para um jornal, como é o caso de Bernardo Küster, também escrevem para outros jornais de direita, como: Jovem Pan (contratada em janeiro de 2022) e Poder 360. Assim, portais de notícias conservadores serviram como propagandistas para o governo Bolsonaro, divulgando a atuação dos ministérios com textos elogiosos, que, depois, foram compartilhados pelos influenciadores bolsonaristas em suas redes.
Na seção em que se autodefinem, o portal se apresenta com o uso de expressões técnicas do jornalismo, de seus criadores e suas respectivas funções, a fim de buscar um alinhamento com um portal mais profissional: “iniciativa de Olavo de Carvalho, tendo Paulo Briguet como Editor-Chefe e Silvio Grimaldo como Diretor Executivo”. Olavo de Carvalho é uma espécie de guru ideológico da ultradireita brasileira que tem nele uma referência. Nomear as pessoas que fazem parte do portal de notícias, em um grau hierárquico, constrói uma estratégia argumentativa de assumir uma compatibilidade das ideias dos autores e, assim, busca legitimar o trabalho realizado pelo site.
A Figura 6 apresenta a página inicial do portal em 20 de setembro de 2022.
O quinto portal de notícias selecionado devido ao alto número de compartilhamentos em grupos de WhatsApp e Telegram foi Foco do Brasil, que tinha, na época da coleta de dados da pesquisa, o slogan “As notícias sobre o presidente da república e seu governo, e o nosso Brasil”. Teve origem em maio de 2014 ainda como Folha do Brasil e tem como endereço São Bernardo do Campo, São Paulo. O nome original teve que ser alterado em razão do pedido de registro de marca ter sido indeferido no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), pois foi apontado que havia imitação da Folha de São Paulo (Ribeiro, 2020). A página bolsonarista é administrada por José Luiz Bonito, conhecido por Roberto Boni. Ele é investigado no inquérito das “fake news” por ataques e ameaças ao Congresso e ao Supremo em vídeos. O outro diretor é Anderson Azevedo Rossi, que aparece como responsável pelo CNPJ do Folha do Brasil Negócios Digitais.
Além de acompanhar o presidente à época, o canal transmitia, diariamente, um telejornal que abordava as notícias do dia de uma perspectiva favorável a Bolsonaro. Os vídeos do Foco do Brasil foram amplamente compartilhados por parlamentares – como Carla Zambelli (PSL-SP), Filipe Barros (PSL-PR), Daniel Silveira (PSL-RJ) e Bia Kicis (PSL-DF) – e o próprio Jair Bolsonaro, à época presidente, já mencionou o canal em suas transmissões ao vivo. Em junho de 2022, ele chegou a recomendar o canal: “Não é porque fala bem, não. É porque fala a verdade” (Zanini, 2020). O principal apoiador da página, no entanto, é o deputado federal e filho de Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que compartilhou vídeos do canal no Facebook em ao menos quatro ocasiões. Como lembra Ribeiro (2020), em setembro de 2019, o parlamentar chegou a recomendar a página: “Cansado de tanta fake news? Quer ficar realmente informado sobre o que o Gov. Bolsonaro tem feito? Inscreva-se e assista no Youtube o perfil FOLHA DO BRASIL”. O vídeo que ele compartilhou foi um dos tantos já excluídos do canal.
O portal saiu do ar em fevereiro de 2021, retornou em outubro de 2021 e, em março de 2022, foi retirado novamente. O portal, que também atua com produção e divulgação de conteúdo pelo canal do Youtube, é conhecido por divulgar as conversas do então presidente com apoiadores desde a posse e foi incluído na investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre manifestações antidemocráticas. A Procuradoria-Geral da República (PGR) estima que o Foco do Brasil faturou entre US$ 7 mil e US$ 18 mil somente com a transmissão de um desses atos, em 19 de abril (Mascarenhas, 2020).
Instaurado em 21 de abril de 2020 a pedido do ministro Alexandre de Moraes, o inquérito que investiga a realização de atos antidemocráticos pelo país mira manifestantes defensores do fechamento do Congresso, do STF e da volta da ditadura militar. Segundo as investigações, os parlamentares ajudariam na expressão e formulação de mensagens, além de contribuir com sua propagação, visibilidade e financiamento a páginas divulgadoras de conteúdo (Moura & Netto, 2020). Nesse sentido, cabe sinalizar que a fragilização da democracia – materializada na invasão da sede dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, ataque que foi precedido por uma sequência de outros atos antidemocráticos por parte dos seguidores de Bolsonaro – ocorre, em contexto brasileiro, mediante estratégias discursivas em redes de comunicação bolsonaristas. Segundo afirmação de Alexandre de Moraes, em reportagem para Uol, “a associação criminosa seria dividida em núcleos como ‘organizadores e movimentos’, ‘influenciadores digitais e hashtags’, ‘monetização’ e ‘conexão com parlamentares’”. A partir do andamento do inquérito, o portal adotou, segundo reportagem de Ribeiro (2020), um tom mais sóbrio e apagou gravações em que Jair Bolsonaro atacava a corte. Após, o grupo Foco do Brasil criou uma conta paralela para veicular as declarações mais controversas, o portal de notícias JB News.
Além disso, em 2019, foi identificado que o Foco do Brasil estava entre os 500 canais do YouTube que receberam verbas da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) através do sistema de anúncios do Google entre 6 de junho e 13 de julho de 2019. A reportagem de Maciel et al. (2020), para a Agência Pública, constatou que a campanha da Reforma da Previdência foi impulsionada em, pelo menos, 11 canais, que estavam sendo investigados pela justiça por publicação de notícias falsas e sete que foram excluídos ou banidos do YouTube por violação das regras. Juntos, eles receberam R$119 mil de dinheiro público. Por meio dessa campanha, a Secom atingiu 9,8 milhões de visualizações em pouco mais de um mês, o que indica o apoio mútuo entre governo e essas mídias. Mais de meio milhão se converteu em cliques nos anúncios da Nova Previdência – uma taxa de interação de 5,8% (Maciel et al., 2020).
Na seção em que se apresentam, o portal se autodefine como um jornal que “procura prezar pelo compromisso com a verdade”, sem especificar, porém, como concebe tal valor. Além disso, elenca os assuntos que aborda: mundo político e entretenimento. Explicitam, ainda, a ausência de interferência empresarial e governamental no financiamento do trabalho. O portal procura, ao elencar os profissionais que compõem a equipe, com inicial maiúscula, mesmo sem ser nomes próprios (“composto por Jornalistas, Cinegrafistas e Editores”), gerar uma aproximação com o jornalismo técnico. Além disso, reforça que “[…] não recebe e nunca recebeu nenhum recurso financeiro”. O uso do presente reforça o posicionamento de se justificar a não receber recurso, já que trata de temática governamental, posicionando-se sempre de acordo com o governo. São traços de discurso independente que tentam fechar a fissura do discurso jornalístico, pois buscam instaurar uma ideia de neutralidade na produção de suas narrativas. Não é possível produzir uma narrativa de forma neutra, porém os leitores, alinhados ao discurso dominante, buscam este valor de “jornalismo neutro” na apresentação dos fatos, valor que o portal tenta reforçar para garantir a confiabilidade de seu público.
A Figura 7 apresenta a página inicial do portal Foco do Brasil em setembro de 2021. Durante o período de setembro até dezembro de 2021, o portal apresentava como slogan “as últimas notícias sobre o presidente da república e seu governo”. Todas as notícias iniciavam com Governo Bolsonaro ou Bolsonaro. Porém, a partir de 2022, o slogan foi retirado e notícias sem ter apenas o foco de Bolsonaro começaram a ser apresentadas.
A partir das informações de um contexto geral de cada um dos cinco portais, a Tabela 1 apresenta um resumo das principais informações dos portais descritos.
O acompanhamento dos portais de notícias foi realizado durante seis meses, de setembro de 2021 até fevereiro de 2022. A Tabela 2 foi elaborada com o total de notícias publicadas em cada um dos cinco portais selecionados. O portal Foco do Brasil ficou fora do ar durante um período por decisão do Supremo Tribunal Federal e não publicou nenhuma notícia nos meses de setembro e janeiro.
É possível notar um grande número de publicações de matérias durante o período, confirmando que a produção de conteúdo se dá de modo atacadista, isto é, grande quantidade de informações superficiais, com textos curtos para serem consumidos rapidamente e facilmente compartilhados. Terra Brasil Notícias foi o portal com maior número de matérias publicadas; houve dias em que o portal publicou, diariamente, até 84 notícias.
Todos os títulos das notícias produzidas ao longo do período de acompanhamento foram codificados no software NVivo para a identificação dos principais temas abordados. No total foram categorizados 42 tópicos de conteúdo. A Tabela 3 apresenta todos os tópicos tematizados nas notícias com destaque para os cinco que tiveram maior recorrência: Embate com a esquerda; Instituições democráticas; Saúde; Exaltação da direita; e Eleições.
Os exemplos de notícias, veiculadas pelos portais analisados, demonstram um embate com a esquerda, em que o inimigo é o responsável por perpetuar a corrupção – como em “’Onde tem roubalheira eles estão no meio’, detona analista político, sobre o PT” (Jornal da Cidade Online, 21.12.2021) e “’Mais fácil expulsar demônio do que convencer petista que Lula é ladrão’, detona pastor André Valadão” (Terra Brasil Notícias, 31.01.2021) –, é um adversário dos cristãos, logo, de deus – como em “O desprezo genocida da esquerda e do PT pelos cristãos” (Foco do Brasil, 07.02.2022) –, é uma ameaça para a família – como em “Entenda o porquê deles quererem destruir a sua família” (Aliados Brasil, 22.02.2022) – e para a inocência das crianças – como em “Erotizar crianças é uma estratégia política da esquerda” (Brasil sem medo, 07.02.2022). Por isso, merece, segundo a retórica extremista, ser atacado e, com isso, a polêmica, a agressividade e a grosseria tornaram-se cálculo eleitoral e marketing político. Essa forma de produzir o discurso através de afetos é destinada a ser reproduzida com maior intensidade nas redes sociais, onde o algoritmo, alimentado por esses afetos, é fortalecido e, por sua vez, fortalece a prática social da extrema direita.
Em suma, o discurso da extrema direita consiste em forjar um caos para que se deva impor a ordem: quanto mais se fomentam os medos e os riscos que assolam o presente e o futuro, tal como as ameaças imaginárias sentidas e projetadas pelas classes médias em relação aos empobrecidos e marginalizados – como em “Bolsonaro sobre MTST: Marginais depredaram 800 casas” (Foco do Brasil, 18.10.2021) – mais facilmente se introjetam as necessidades de disciplina, de segurança e de polícia.
O destaque para a abordagem dos temas se deu, também, para o tópico Saúde, justificado pelo fato de que a coleta foi durante o período de pandemia do Covid-19. Os desdobramentos sobre este tema tratam, sobretudo, dos malefícios da vacina, à obrigação da vacinação com a liberdade de escolha. Outro destaque se dá para a recorrência de notícias que tratam sobre a legislação de mídias digitais, pois os portais abordam o tema como uma censura à liberdade de expressão. Outro tema com recorrência foi a crítica às instituições democráticas, como em matérias com os títulos: “’A transformação do STF quase em partido de esquerda continua sendo o maior desafio de Bolsonaro’, afirma general (Jornal da Cidade, 11.11.2021) e “’Os bandidos se sentem muito mais representados pelo Congresso Nacional do que os trabalhadores’, diz deputado” (Aliados Brasil, 21.01.2022).
5. Considerações linguísticas sobre a conjuntura dos portais de notícias
É possível perceber que em quatro dos cinco portais de notícias, a seção de apresentação do jornal enfatiza o trabalho realizado como “verdadeiro”, com notícias que são verificadas, para que os portais possam se distanciar de um julgamento de divulgarem notícias falsas.
Além disso, os periódicos são definidos para criar uma relação de confiança entre o portal e os leitores, os cidadãos, o público-leitor. Esta busca de confiança e credibilidade é construída através de estratégias semelhantes:
– Reforço de emoções, como em “feitas com carinho e cuidado” (Terra Brasil);
– Descrição dos criadores como pessoas simples e cujo valor principal é o trabalho “árduo”, “abnegado” (Foco do Brasil, Terra Brasil Notícias, Aliados Brasil e Jornal da Cidade Online);
– Relação dos criadores ou do próprio jornal com uma figura religiosa (Aliados Brasil e Terra Brasil Notícias);
– Menção do termo verdade e/ou honestidade como um valor central (Foco do Brasil, Terra Brasil Notícias, Aliados Brasil e Jornal da Cidade Online);
– Indicação de nomes próprios de pessoas que inspiram o portal (Brasil sem Medo);
– A independência financeira (Foco do Brasil).
Ademais, foi identificado, para este artigo, que, nas matérias publicadas nos portais de notícias, ao representar a esquerda, são usados termos – em destaque nos títulos – como: esquerdalha; insanidade; pavorosa. É recorrente, também, a escolha de celebridades críticas ao governo de extrema direita – como Chico Buarque, Anitta, Pablo Vittar, Jones Manoel, Walter Casagrande – sendo noticiados com episódios cotidianos caracterizados como: lixo, paga mico, é detonado por. Já representantes da direita são apresentados como denunciadores de alguma grande notícia envolvendo uma denúncia contra a esquerda, com verbos como: revela; resgata; escancara. Por outro lado, personalidades da direita são caracterizados como: corajosos, ato de coragem. Luís Inácio Lula da Silva é referenciado como como ladrão ou ex-presidiário em títulos de reportagens.
Pela abordagem temática, há, uma mobilização de paixões, com exaltação de um herói nacional e suas conquistas e valores, de Deus, da família tradicional, – a partir do tópico Exaltação da direita –, construções em oposição a uma associação da esquerda ao tráfico, ao aumento de censura, a uma suposta “ideologia de gênero” que destrói famílias e valores conservadores.
Se explicita o inimigo que deve ser combatido, aniquilado, aquele que trabalha com informações que carecem de verdade (expressas por meio de termos como “mentirosas”, “caos”, por exemplo na autoapresentação do portal Terra Brasil Notícias). A oposição fica marcada explicitamente na razão de criar o periódico, por demonstrarem um descontentamento com a forma de fazer jornalismo que, segundo os portais, existia até então: “notícias distorcidas”, em Jornal da Cidade Online; “cenário de corrupção”, em Aliados Brasil; “contexto caótico e com manipulação ideológica”, em Terra Brasil Notícias; cheio de “indignações e reclamações”, em Aliados Brasil. Essa representação de oposição entre quem é aliado/amigo (o trabalho que os jornais analisados neste artigo fazem, de compromisso com a verdade) e quem é o inimigo (a mentira que a esquerda produz), mobilizada pelos portais revela uma prática social que tenta manter a hegemonia de direita. Assim, os discursos contestadores do jornalismo dominante podem abrigar práticas dominantes muito mais violentas, aquelas caracterizadas pelo extremo conservadorismo de direita.
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