volume4 ⁄ número 1 ⁄ set 2023

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Carta dos Editores

O ano de 2023 será sem dúvida um marco importante para examinar o impacto abrangente das tecnologias digitais em múltiplas dimensões da sociedade. O primeiro semestre foi particularmente caracterizado pelo desenvolvimento e adoção acelerados de tecnologias de inteligência artificial generativa, notadamente as interações baseadas em texto, como o ChatGPT e na geração de imagens, a exemplo do Midjourney. Consequentemente, acelerou-se o crescimento já relevante da atenção sobre a inteligência artificial em uma série de contextos — comercial, educacional, de pesquisa e, claro, regulatório.

No mesmo período, o debate da regulação das plataformas digitais também manteve-se na pauta, com  mais uma onda de esforços no Brasil para fazer andar o seu processo – o Projeto de Lei PL 2630/2020, apelidado de “PL das Fake News”. A tentativa de golpe em janeiro e a escalada de eventos violentos em escolas e a disposição do novo governo contribuíram para dar novos focos nas discussões, com especial inspiração na regulação que entra em vigor no âmbito da União Europeia.

Se voltamos poucos meses, vemos que este ímpeto regulatório foi também catalisado pelas eleições presidenciais de 2022, durante as quais as campanhas digitais constituíram um componente fundamental das estratégias políticas mais amplas. De forma semelhante às eleições de 2018, as campanhas de desinformação foram notoriamente prevalentes, desta vez com especial virulência contra a lisura do sistema de votação eletrônica e contagem de votos. Neste cenário, o Judiciário por meio do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assumiu uma postura proativa e incisiva em seus movimentos e decisões, abrindo diferentes flancos para críticas e análises.

A presente edição da Internet & Sociedade, a primeira que contou com o trabalho do professor Rafael Sampaio como editor executivo, apresenta cinco contribuições originais, cada uma abordando aspectos distintos, mas relacionados, acerca da complexa interação entre tecnologias da internet e estruturas sociais.

Manuella Maia Ribeiro, Luciana Portilho, Catarina Ianni Segatto e Daniela Costa apresentam uma investigação empírica sobre o papel de atores locais—provedores, governos locais e organizações da sociedade civil—na expansão do acesso à Internet em pequenos municípios brasileiros. Seu trabalho, fundamentado em dados quantitativos sobre Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e acessibilidade à internet, identifica lacunas persistentes no acesso através de análises qualitativas envolvendo entrevistas e grupos focais.

Tiago Franklin Rodrigues Lucena, Alice Loureiro do Nascimento e Leonardo Pestillo de Oliveira embarcam em uma revisão abrangente da literatura com o objetivo de categorizar pesquisas existentes sobre a utilização de emojis e emoticons dentro do setor de saúde. Seu escrutínio abrange múltiplas bases de dados eletrônicas para delinear a significância desses símbolos gráficos.

Victor Carnevalli Durigan, Beatrice Bonami, Isabela Inês Bernardino de Souza Silva e Caio Vieira Machado tratam das implicações da utilização de dados pessoais de usuários de mídias sociais para a personalização da informação. Eles destacam o risco resultante de fragmentação social e suas consequências prejudiciais para os processos democráticos. Arquiteturas de controle algorítmico e publicidade microdirecionada são especificamente discutidas como ferramentas empregadas para esses fins.

Márcio Venício Pilar Alcântara examina o papel da Inteligência Artificial (IA) na transformação de práticas jornalísticas, especificamente na automação da coleta e verificação de informações. Utilizando tanto o ChatGPT quanto o software IRaMuTeQ, seu estudo explora opiniões de jornalistas sobre o papel da IA no jornalismo entre novembro de 2022 e março de 2023.

Por fim, Tatiane Guimarães e Paloma Rocillo abordam o equilíbrio intrincado entre a lei de Direito Autoral protecionista e a criação cultural liberal na era da internet. Sua pesquisa destaca a alfabetização digital necessária para alavancar esses instrumentos e sublinha a falta de mecanismos promocionais e educacionais. Eles também estabelecem uma correlação entre as funções sociais e promocionais da lei de Direito Autoral, enquanto criticam sua interpretação e implementação pelo governo brasileiro.

Agregando diferentes perspectivas sobre o cenário brasileiro do campo dos estudos sociais sobre a internet, a Internet&Sociedade mais uma vez publica esforços interdisciplinares. Convidamos para a leitura e contínua submissão de novos trabalhos!

 

Francisco Brito Cruz

Mariana Valente

Rafael Sampaio

Os editores

Francisco Brito Cruz francisco@internetlab.org.br

É advogado, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Foi pesquisador visitante no Center for Study of Law and Society, da Universidade da Califórnia — Berkeley (2013). Foi membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil — Seção de São Paulo (2019- 2020). Fundou e coordenou o Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Universidade de São Paulo (NDIS-USP, 2012-2014, 2016-2019). Francisco é também coautor das obras “Sobrevivendo nas redes: Guia do Cidadão” (Moderna, 2018), “Direito Eleitoral na Era Digital” (Letramento, 2019) e “A Internet no banco dos réus” (IASP, 2017), e autor do livro “Novo jogo, velhas regras” (Letramento, 2020).

Mariana Valente mariana@internetlab.org.br

Além de diretora associada do InternetLab, é professora de direito na Universidade de Saint Gallen, na Suíça. É advogada, mestra e doutora em direito pela Universidade de São Paulo, na área de sociologia jurídica. Fez parte de seu doutorado como pesquisadora visitante na UC Berkeley, onde pesquisou aspectos internacionais do direito de propriedade intelectual. Foi também bolsista do DAAD na LMU, em Munique, participante do Linkage Program na Universidade de Yale, e aluna da WIPO Summer School. Mariana dedica-se à pesquisa em relações entre tecnologia e sociedade, regulação da economia digital, e direitos fundamentais no ambiente online. Tem experiência em políticas de equidade, igualdade e violência de gênero, acesso ao conhecimento, à cultura e à educação, propriedade intelectual, o impacto das tecnologias sobre a democracia e a mobilização social, e questões de justiça de dados. É também pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do CEBRAP. Antes de se associar e ser diretora do InternetLab, foi pesquisadora e professora vinculada ao Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, e coordenadora jurídica do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Entre 2019 e 2021, foi coordenadora do Creative Commons Brasil, e trabalhou no fortalecimento da rede nacional do projeto. Antes de tornar-se professora na Universidade de Saint Gallen, Mariana foi, também, professora no Insper, onde lecionou na graduação em administração e economia, e concebeu e coordenou a Certificação em Direito e Tecnologia na Educação Executiva.

Rafael C. Sampaio cardososampaio@gmail.com

Rafael é professor permanente do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPR. Pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT-DD). Foi presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica) e editor da Revista da Compolítica. Já atuou como consultor do Banco Mundial, Bertelsmann Foundation (Alemanha), Adam Smith International (Reino Unido) e de pesquisas do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), Labhacker (Câmara dos Deputados), W3C Brasil e Centro de Estudos sobre Tecnologias Web, e Transparência