Resumo
O presente artigo explora as principais barreiras encontradas para produção e circulação do conhecimento – no contexto de mundo globalizado – quando produzido por pessoas negras em geral e, particularmente, por mulheres negras. A partir disso, discute-se como brechas digitais de gênero e raça imputam às mulheres negras formas de atuação que driblam as mazelas que assolam grupos historicamente marginalizados, dentro e fora do ambiente digital.
Introdução
O presente artigo pretende compreender como, em um contexto de brechas na cultura digital, mulheres negras se apropriam de tecnologias da informação e comunicação para maximizar seus ativismos e potencializar as narrativas contra hegemônicas das populações negras e outros grupos historicamente marginalizados no Brasil. De forma específica — a partir de análise bibliográfica e dados estatísticos — pretende-se mostrar como as brechas digitais de gênero e raça, ou seja, a reprodução das desigualdades sociais, de raça e de gênero no desenho, desenvolvimento, uso e acesso às tecnologias digitais, sobretudo à Internet, colocam mulheres negras, maior grupo social do Brasil, como grupo mais impactados pelas brechas na cultura digital. Tal discussão ganhou corpo a partir dos estudos de ciberativistas negras, as quais, a partir da ampliação do acesso em cursos de graduação e pós-graduação, passaram a racializar as discussões acadêmicas sobre ciberferminismo, partindo de uma perspectiva feminista negra e contemplando, assim, grupos historicamente invisibilizados dentro e fora da academia, sobretudo em relação à produção de conhecimento sobre tecnologia (e outras áreas do conhecimento).
Para esse propósito, o trabalho se inicia reto- mando o pensamento de mulheres negras que contribuíram para consolidação do pensamento feminista negro no Brasil, e que construíram as bases para a compreensão de como uma tríplice discriminação (raça-classe-gênero) estariam imbricadas, confinando as mulheres negras à base da pirâmide social no Brasil. A seguir, disserta-se sobre como as desigualdades socioeconômicas de raça e de gênero aparecem nos ambientes digitais, uma vez que a parcela da população que fica à margem desse processo não é somente acometida pela precariedade do acesso, como também são estrategicamente excluídas da produção e do desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação. Em um contexto de intersecção entre as relações racistas-cissexistas, mulheres negras aparecem ainda mais vulnerabilizadas, considerando que elas compõem o setor da população que é duplamente afetado pelas brechas digitais de gênero e raça. Além disso, apresenta-se os marcos iniciais para o ciberativismo de mulheres negras no Brasil, estratégia utilizada para amplificar suas vozes e impulsionar mobilizações sociais. Por fim, na medida em que os discursos se amplificam em uma disputa de narrativas na web, cresce também o número de violências que acometem mulheres negras na rede, convocando as ciberativistas a traçarem estratégias de cibersegurança, tendo como base suas experiências vivenciais dentro e fora da Internet.
1.Racismo e sexismo no Brasil
A filósofa, antropóloga e historiadora Lélia Gonzalez (2020) fornece insumos fundamentais para análise do panorama da divisão racial e sexual do trabalho no Brasil desde o período colonial. Segundo a autora, o desumanizador regime escravocrata teve na exploração da força de trabalho de mulheres e homens negras e negros a sua fonte de enriquecimento e, embora para ambos o peso do racismo fosse marcador, os conhecimentos/vivências que fundamentam o ideário negro feminista apontam para um imbricamento entre raça-classe-gênero, fator determinante para a construção social de países da diáspora negra, condição em que os “estereótipos gerados pelo racismo e pelo sexismo a colocam [mulheres negras] no nível mais alto de opressão” (p.58).
Para González a “tríplice discriminação”, assim como seu lugar na força de trabalho, está assentada em três imagens de controle, demarcadas ainda no período colonial: 1) Doméstica/mucama, quando recaía sobre as mulheres negras “a tarefa de manter, em todos os níveis, o bom andamento da casa-grande: lavar, passar, cozinhar, fiar, tecer, costurar, amamentar as crianças nascidas do ventre “livre” das sinhazinhas” (p. 53); 2) Mãe-preta, “aquela que efetivamente, ao menos em termos de primeira infância, cuidou e educou os filhos de seus senhores” (p. 53, 54); e 3) Mulata, posição “exercida por jovens negras que, num processo extremo de alienação imposto pelo sistema, submetem-se à exposição de seus corpos […] para o deleite do voyeurismo dos turistas e dos representantes da burguesia nacional” (p. 59).
Essa estrutura racializada é extremamente sofisticada na América Latina, pois o poder à branquitude é assegurado sob o mito da superioridade branca que se utiliza da ideologia do branqueamento para manter negros e indígenas na condição de segmentos subordinados no interior das classes mais exploradas (Gonzalez, 2020, p. 131). No Brasil, a leitura sobre a história e cultura do negro ainda tem sido pautada amplamente pela sociedade “via racismo ambíguo e mito da democracia racial. Esta visão tem sido disseminada nos diferentes espaços estruturais do poder e marca de forma diferenciada a história da negra e do negro” (Gomes, 2017, p. 95).
As mulheres negras, em particular, compõem o maior grupo social do Brasil, sendo aproximadamente 28% da população, mas permanecem na base da pirâmide social, com os estigmas assentados no período colonial ainda relegando-as às condições sociais mais desfavoráveis, desumanizantes e subalternizantes. Mas, o não assujeitamento e o fazer revolucionário são características destas mulheres, como se pode destacar na atuação do Movimento de Mulheres Negras (MMN) em denunciar as “lacunas existentes nas políticas públicas para mulheres, igualdade racial e de saúde que ainda contemplam de forma muito incipiente a inter-relação entre racismo, machismo, sexismo e desigualdades” e que não descolam desta luta as violências específicas que atingem “as comunidades quilombolas, a intolerância religiosa, o extermínio da juventude negra, a LGBTfobia, o feminicídio de mulheres negras e a ditadura da beleza eurocentrada”. (Gomes, 2017, p. 74).
Uma das expoentes do Movimento de Mulheres Negras brasileiras, Sueli Carneiro (2003), explica que na medida em que avançavam os “processos relacionados à globalização e à nova ordem mundial” (p. 125), mulheres negras foram conscientizando-se de que aquele cenário exigiria novas formas de atuação. Nesse sentido, elas apropriaram-se de tecnologias de informação e comunicação para viabilizar representações positivas da população negra, bem como para visibilizar mobilizações e lutas contra o racismo, sexismo e outras opressões interligadas. Destaca-se, sobretudo, o uso da ferramenta Internet enquanto recurso para potencializar o fazer revolucionário e ativista de mulheres negras no ciberespaço.
2.Brechas digitais de gênero e raça
Apesar das limitações estruturais já mencionadas, que se refletem na desigualdade de acesso à Internet, por exemplo, “o espaço virtual tem sido um espaço de disputas de narrativas, pessoas de grupos historicamente discriminados encontraram aí um lugar de existir.” (Ribeiro, 2017, p. 86). Configurando-se como espaço de disputa de narrativa, o contexto permitiu à mulheres negras tornarem-se “produtoras culturais, podendo assim disputar com o poder dominante (nesse caso, as mídias hegemônicas) as narrativas sobre o grupo” (Silva, Thais, 2019, p. 493). Entretanto, uma vez inseridas no ciberespaço, outros desafios apareceram. Com o avanço da Internet em escala global no fim dos anos 1990, entusiastas vislumbravam esta ferramenta como a possibilidade de estabelecimento de uma sociedade hiperconectada inserida em um novo universo informacional livre, que alcançaria todas as pessoas de forma similar, mas, se o mundo é hierarquizado, tampouco o ciberespaço não o seria. A própria ideia de rede remete a uma falsa ideia de “neutralidade” das tecnologias, mas conhecimento não existe fora de um contexto social que o concebe.
Para explorar todas as potencialidades que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) oferecem, requer-se dos sujeitos competências (educacionais, comunicacionais, culturais, cognitivas) que os permitam uma participação crítica e produtiva neste novo fluxo informacional. Todavia, o desenvolvimento tecnológico segue um fluxo que mantém e reproduz desigualdades sociais, acarretando não somente a partilha desigual dos recursos, como dificultando as possibilidade de pessoas ou grupos historicamente marginalizados tornarem-se sujeitos ativos na construção e uso das TIC. Tal cenário mina as possibilidades desses sujeitos de melhoria de sua condição social, bem como a sua participação no mundo (Almeida, 2014; Barros, T. 2020). É nesse contexto que o fenômeno das brechas digitais ou tecnológicas acontece.
Brecha tecnológica […] se configura na reprodução das desigualdades sociais no universo tecnológico. Grupos subalternizados, com pouco ou nenhum acesso à educação, acometidos por deficiências socioeconômicas e pertencentes a grupos minoritários como mulheres, negros e indígenas, enfrentam dificuldades de acesso e uso das ferramentas tecnológicas (Lima e Oliveira Lima, 2020, p. 3).
Importante situar que em uma estrutura social racializada, as desigualdades étnico-raciais no ambiente digital se configuram em um “sistema de práticas […] que privilegiam e mantém poder político, econômico e cultural para os brancos no espaço digital” (Tynes, et al. 2019, apud. Silva, Tarcízio 2020, p.130), além disso, a hegemonia masculina branca na construção, apropriação, pesquisa e desenvolvimento das tecnologias, tornam-se obstáculos
que as mulheres enfrentam para apropriarem-se da cultura tecnológica […] essa brecha engloba dimensões da vida que não podem ser entendidas unicamente através de métodos estatísticos que medem presença e ausência por gênero, idade, classe social e demais indicadores sociais (Nathansohn, 2013, p. 16).
Com efeito, torna-se imprescindível compreender que discutir apenas a dimensão da desigualdade no acesso não dá conta de explicar as relações entre as desigualdades de gênero e raça e a tecnologia. Neste sentido, a autora “Castaño (2010) […] identifica três tipos de divisões ou brechas digitais. Uma delas refere-se à capacidade de acesso às redes, mensurável quantitativamente através de estatísticas demográficas” (Natansohn, 2013, p.170).
No Brasil, segundo a pesquisa TIC Domicílios1 (2019), 74% do público masculino e 73% do público feminino são usuários de Internet. Entretanto, no que se refere ao uso exclusivo da Internet pelo celular, entre os homens o número é de 52%, enquanto entre as mulheres a porcentagem é de 63%. A questão se aprofunda quando são analisados contextos ainda mais específicos, como o de mulheres trabalhadoras domésticas brasileiras, por exemplo.
Segundo a pesquisa Domésticas conectadas: acessos e usos de internet entre trabalhadoras domésticas em São Paulo (2018), 98% das 400
entrevistadas acessam a Internet apenas pelo celular, e segundo o Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil (2013) do IPEA,
que avaliou a exclusão digital desse segmento populacional a partir da posse de computadores em domicílio e do acesso à internet, e concluiu que os domicílios chefiados por mulheres negras são os que mais carecem desses recursos em comparação com domicílios chefiados por homens negros, mulheres brancas e homens brancos. Esses dados vão de encontro às informações fornecidas pela Síntese de Indicadores Sociais de 2018 do IBGE na sessão que discute restrições de acesso em múltiplas dimensões, que apontam os domicílios chefiados por mulheres negras como os que apresentam maiores restrições de acesso à moradia adequada, educação, proteção social, serviços de saneamento básico e comunicação (Lima e Oliveira, 2019, p. 8 e 9).
A partir dos anos 1990 o acesso à Internet passou a ser considerado serviço fundamental em diversos países, razão pela qual governos começaram a lançar políticas de incentivo ao desenvolvimento desse setor, para dar conta do crescimento do uso. No Brasil, pesquisadores indicam que a expansão do acesso à internet entre as camadas sociais C, D e E aconteceu a partir de meados dos anos 2000, a partir da contribuição de alguns fatores: 1. o período de aquecimento econômico teria acarretado a ampliação do poder de consumo e na facilidade do acesso ao crédito, 2. Ampliação e diversificação da conectividade comercial, 3. popularização do Orkut no Brasil; 4. criação de programas públicos de inclusão digital, como os Telecentros; 5. Aquisição de computadores, em substituição ao acesso nas Lan Houses; 6. barateamento dos smartphones; e 7. popularização de ferramentas como Facebook e Whatsapp, oferecidos gratuitamente nos planos de dados das operadoras (Lima e Oliveira, 2019; Silva. Sivaldo, 2015).
As dificuldades no acesso e uso da Internet pela população negra no Brasil é identificável na pesquisa TIC Domicílios 2019, revelando que 71% das pessoas pretas e 76% das pessoas pardas são usuários de Internet. Entre as pessoas brancas o número é de 75%. Com a porcentagem de usuários brancos e negros quase proporcional, o que aponta a desigualdade são os dados relativos à qualidade do acesso: 65% das pessoas pretas e 61% das pessoas pardas utilizam o telefone celular de forma exclusiva para acessar a Internet, enquanto entre as pessoas brancas o
número diminui para 51%.
Quando acrescidos os aspectos econômicos, o uso exclusivo de telefone celular para acessar a Internet é maior entre as parcelas da população que se encontram nas classes mais empobrecidas: D/E (85%), C (61%), B (26%) e a (11%). Em relação ao tipo de plano de pagamento do telefone celular, os dados indicam que 28% dos pretos, 30% dos pardos e 38% dos brancos utilizam o plano pós-pago.
Os dados da pesquisa TIC domicílios apresentados permite ainda constatar a vulnerabilidade de pessoas pobres no Brasil à uma grave problemática da democracia brasileira: a desinformação, que atinge com mais intensidade a parcela da população que possui apenas o celular como ferramenta de acesso à informação. Àqueles que utilizam apenas o plano pré-pago estão sujeitos ainda à prática de zero rating* (ou tarifa zero), estratégia “pela qual as empresas de telefonia oferecem acesso a aplicações como o Whatsapp sem descontar dados da franquia do pacote de Internet contratado pelo usuário (Intervozes, 2019, p. 22)”, dificultando a circulação e checagem de informações.
Desde 2005, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) realiza a pesquisa TIC Domicílios com o objetivo de mapear o acesso às TIC nos domicílios rurais e urbanos do país e as suas formas de uso por indivíduos de 10 anos de idade ou mais, mas somente na edição de 2019 passaram a fornecer indicadores de raça/cor. Considerando que os dados obtidos contribuem para direcionar formulações de políticas públicas sobre TIC no Brasil, a inserção deste recorte, embora tardia, tendo em vista a necessidade de perpetuação de poder pelos grupos dominantes, pode significar melhor direcionamento de ações que combatam a desigualdade no acesso para a população negra e indígena no Brasil.
É relevante destacar que no contexto de Sociedade da Informação (CMSI, 2003, 2005), a brecha no acesso é precedente de violação do direito à comunicação, previsto no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), além de impactar ainda na possibilidade de efetivação prática dos 10 Princípios para o Uso e Governança da Internet no Brasil, aprovados por consenso pelos membros do Comitê Gestor da Internet no ano de 2009, com destaque para o princípio da Universalidade, indicando que “o acesso à Internet deve ser universal para que ela seja um meio para o desenvolvimento social e humano, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória em benefício de todos” (CGI.br, 2009).
Uma brecha ainda mais complexa “se detecta investigando o uso que as pessoas fazem da tecnologia e isso é o que demarcaria o grau real de incorporação efetiva à cultura digital” (Nathanson, 2013, p.170). Essa brecha acontece, em grande parte, por não serem ofertadas as possibilidades para as pessoas participarem ativamente dos processos de inteligência coletiva, que só seriam possíveis com a literacia digital, ou seja, a aquisição pelos indivíduos das habilidades técnicas e cognitivas para o uso das TIC:
Sem dúvidas, é possível fazer uso da internet sem conhecimentos aprofundados sobre software ou hardware, mas para que o uso não se restrinja ao consumo passivo de informações, mas que possibilite também a criação de conteúdo, é fundamental ter algum conhecimento sobre manipulação das ferramentas digitais. (Lima e Oliveira, 2019, p. 5).
Os estudos ciberfeministas investigam se as relações com os aparatos tecnológicos impactam de maneira subjetiva a escassez de mulheres atuantes no desenvolvimento das tecnologias, no ensino superior e nas profissões tecnológicas. Suas teses apontam para os impactos do sexismo desde a infância, bem como à falta de estímulo dos familiares para que elas sigam carreira nesta área, considerada masculina (Lima e Oliveira, 2019; Nathansohn, 2013).
No Brasil, segundo o Censo da Educação Superior 2018, Pedagogia e Serviço Social são os cursos com predominância feminina, com respectivamente 92,5% e 89,9% de mulheres, enquanto Engenharia Mecânica e Sistema de Informação são os cursos com maior predominância masculina, com respectivamente 89,8% e 86,2% de alunos homens, um contraste perceptível desta brecha digital, fortemente baseada em gênero. Para negras e negros pesa ainda a dificuldade do ingresso e permanência no ensino superior. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018, o percentual de mulheres brancas com ensino superior completo (23,5%), era 2,3 vezes maior do que o de mulheres negras (10,4). No curso de Engenharia da Computação, as mulheres negras representam apenas 3% das matriculadas.
A desigualdade no acesso ao ensino superior é reflexo da reprodução sistemática dos padrões de subalternidade imposta às pessoas negras, em geral, dimensão do racismo estrutural que também aparece no apagamento sistemático de toda a contribuição negra para a história. Essa crença forjada e limitante que diz que pessoas negras são desqualificadas para produção de conhecimento é uma das estratégias que atualiza os dispositivos de racialidade/biopoder.
O Epistemicídio, como nos ensina a filósofa Sueli Carneiro (2005), se constitui “num dos instrumentos mais eficazes e duradouros da dominação étnica/racial, pela negação que empreende da legitimidade das formas de conhecimento, do conhecimento produzido pelos grupos dominados e, consequentemente, de seus membros enquanto sujeitos de conhecimento” (p. 96).
Se a história que contam é propositalmente estruturada para o imaginário coletivo acreditar que o negro é, por natureza, inferior, o apagamento da contribuição afrodiaspórica e africana nas ciências e tecnologias (Pinheiro, 2019) é fundamental para este projeto. Importante situar que “as lacunas também se apresentam nos recortes de pesquisa que raramente se debruçam sobre a intersecção entre raça, gênero e tecnologia” (Lima e Oliveira, ano, p. 9).
A combativa atuação do Movimento Negro na década de 1970 em alertar a sociedade e o Estado sobre a complexa imbricação entre as desigualdades socais e raciais impactou de tal modo que tais temáticas passaram a serem incorporadas as análises sociológicas, sendo imprescindível para se pensar de forma mais profunda e eficaz os fenômenos sociais. Além disso, contribuiu para a promulgação de duas leis que incidem no combate ao epistemicídio, com a produção e circulação do conhecimento quando produzido por afrodescendentes, são elas as Leis 10.639/03, alterada para lei 11.645/08, que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Indígena e Afro-Brasileira, e a Lei 12.711/12 que instituiu o sistema de ações afirmativas em universidades e institutos federais. Esta última permitiu que sujeitos discriminados saíssem da posição de objetos de pesquisa, para se tornar agentes ativos na construção de saberes acadêmicos sobre si e seus territórios.
Esse cenário é refletido também na terceira brecha digital “detectada (seguindo Castaño) [quando] se observa o lugar das mulheres na produção, desenho e governança da tecnologia digital, isto é, em postos de comando (Nathanson, 2013, p.170)”. A ausência de mulheres, em geral, e mulheres negras, em particular, dentre os perfis daqueles que trabalham com tecnologia no Brasil é percebida na pesquisa #QUEMCODABR, que identificou, não surpreendentemente, que o perfil nestes cargos é de homens (68%), brancos (58,3%) e jovens de 18 a 34 anos (77%), que começaram as suas trajetórias nos centros formais de ensino.
Em 2017 a Olabi – organização sem fins lucrativos com foco em democratizar tecnologias – realizou a PretaLab, uma pesquisa que mapeou onde estão as mulheres negras na tecnologia. De forma inovadora, para além das áreas de tecnologia convencionais, que “engloba eletrônica, robótica e inteligência artificial, mas também – e talvez principalmente – a experimentação com fazeres outros que podem ser tradicionais e analógicos” (PretaLab, 2017, p. 7), o mapeamento teve o objetivo de estimular a inserção e permanência de meninas e mulheres negras e indígenas no universo das novas tecnologias.
A pesquisa da Olabi contou com 570 respondentes, todas mulheres, 96% eram negras e 4% indígenas, de todos os estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal e teve dois objetivos principais: “mostrar como a falta de representatividade é um problema não só para o ecossistema de tecnologia e inovação, mas para os direitos humanos e a liberdade de expressão” e “estimular referências positivas na busca que mais meninas e mulheres negras enxerguem as inovações, a tecnologia, as ciências como campos possíveis e interessantes de atuação” (PretaLab, 2017). Silvana Bahia, diretora de projetos do Olabi e coordenadora do PretaLab, chamou atenção para os imbricamentos entre acesso e falta de referência, fatores que impactam na ausência de mulheres negras e indígenas nos espaços voltados para área de tecnologia e inovação:
Quase tudo relacionado a esse campo é caro, em inglês e são raras as políticas (públicas ou privadas) destinadas ao nosso ingresso e permanência nesses espaços. A falta de referência é outro fator determinante: se ser uma mulher nas tecnologias já é um desafio, imagina para nós, negras. A ausência de referências positivas sobre mulheres negras e indígenas é uma questão social que perpassa não apenas o mundo das tecnologias, mas os mais variados campos profissionais e de poder. (Bahia, 2017).
Os dados coletados revelaram que apesar das brechas digitais de gênero e raça, mulheres negras têm se apropriado das tecnologias e através das suas múltiplas experiências, desenvolvem um potencial extraordinário, seja nas áreas de inovação (29,1%), transformação social (14,6%) ou (3,2%) “com paixão confessa por tecnologia” (PretaLab, 2017, p.54).
3. Ciberativismo de mulheres negras
Pesquisadoras brasileiras têm se debruçado em pesquisar e compreender como os feminismos latino-americanos utilizaram estrategicamente as novas Tecnologias da Informação e Comunicação para gerar visibilidade às suas lutas (Barros. Z. 2009; Nathansohn, 2013; Lima, 2017; Barros. T. 2020). De acordo Lima (2017), os discursos dos feminismos contemporâneos são marcados “pela horizontalidade […], práticas plurais e heterogêneas, articulação com setores diversos da sociedade civil e o uso das TIC” (p. 4 e 5).
A Marcha de Mulheres Negras 2015, por exemplo, é “possivelmente o primeiro grande levante de mulheres negras no Brasil que articulou estratégias de comunicação e mobilização “sustentadas nos conhecimentos antigos do correio nagô e as tecnologias digitais de comunicação” (Barros, T. 2020, p. 206). Reuniram-se cerca de 50 mil mulheres negras das cinco regiões do Brasil para marchar contra o racismo, a violência e pelo bem viver, em Brasília (DF), no dia 18 de novembro de 2015. No Documento Analítico e Declaração da Marcha (2015) o coletivo de mulheres denuncia “o capitalismo racista patriarcal excludente, que nos engessa em espaços sociais de exploração […] e que associa qualidade de vida a consumo”. Destaca-se ainda a crítica às propostas desenvolvimentistas brasileiras, executadas a partir da reprodução de lógicas “violentas, exploradoras, privatizadoras e monopolizadoras de saberes e recursos”. Segundo elas, tais saberes e fazeres “correspondem ao padrão tecnológico das sociedades, onde tecnologia está relacionada com a arte de decidir bem sobre o território e suas riquezas naturais, materiais e simbólicas”. Esta concepção de tecnologia argumentada por elas evoca as relações de poder no ciberespaço, onde as práticas violentas contra pessoas racializadas no online ocasionam propositalmente a manutenção do poder para a branquitude.
Pesquisadoras defendem “a apropriação das tecnologias por parte de grupos socialmente excluídos como potencial exercício de práticas de resistência e negociação frente ao processo de globalização (Lima e Oliveira, 2019, p. 10)”. Barros. Z. (2009), por exemplo, estimula mulheres negras a aproveitarem as oportunidades de interação possíveis no ciberespaço para criação de redes “cuja atuação extrapolem o espaço virtual e permitam, por sua vez, a criação de estratégias coletivas – e também presenciais – para o enfrentamento da exclusão (p. 4)”.
O advento da Web 2.02 permitiu a expansão das lutas de movimentos sociais, com destaque para os feministas latino-americanos, que passaram a atingir uma ampla diversidade de classes e movimentos sociais. Essa guinada estratégica “que facilitou a criação e consolidação de redes entre coletivos e organizações feministas, permitiu o surgimento de novos grupos, […] bem como colaborou com o desenvolvimento de novas estratégias e áreas de atuação” (BARROS. Z. 2009, p. 5).
As mulheres negras vêm atuando no sentido de não apenas mudar a lógica de representação dos meios de comunicação de massa, como também da capacitar suas lideranças para o trato com as novas tecnologias de informação, pois falta de poder dos grupos historicamente marginalizados para controlar e construir sua própria representação possibilita a crescente veiculação de estereótipos e distorções pelas mídias, eletrônicas ou impressas. (Carneiro, 2003, p. 126).
Um exemplo é o Geledés – Instituto da Mulher Negra3, organização da sociedade civil criada por Sueli Carneiro em 30 de abril de 1988, que avigora a sua atuação depois da criação do Portal Geledés, em 1997. A página web configurou-se como um espaço de expressão
pública das ações e compromissos políticos da organização, ao mesmo tempo em que se consolidou como disseminadora de reportagens, artigos, documentos e denúncias de questões étnico-raciais, de gênero e temas interligados. A internet pode contribuir para mobilização social, mas não só isso. É possível aos atores sociais “a criação de novos canais e circulação de informação, colaborar na construção identitária […] e transformação organizacional” (Lima e Oliveira, 2020, p. 11), deste modo a internet configura-se como uma ferramenta que pode ser utilizada para o ativismo.
Nesse sentido, aconteceu entre os dias 20 e 25 de novembro de 2012, “a primeira grande marcha de mulheres negras online (Barros, T. 2020, p. 207)”: a Blogagem Coletiva Mulher Negra. O objetivo era aproximar duas datas significativas, o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) e o Dia Internacional de Combate À Violência Contra a Mulher (25 de novembro), para colocar em evidência a mulher negra, personagem central de ambas as discussões (Blogagem Coletiva, 2012). A blogagem incentivou mulheres negras de todo o país a fazerem postagens sobre temas como sexualidade, be- leza, direitos humanos, consumo e representatividade, nas plataformas wordpress, Facebook e Twitter, utilizando as hashtags #bcmulhernegra e #bcmulheresnegras.
O êxito da Blogagem Coletiva “revelou não somente a existência de um grupo de blogueiras negras e afrodescendentes escrevendo muito bem e muito; mas também a necessidade de criarmos espaços de visibilidade para produção tão significativa” (Nunes, 2014), assim surgiu também em 2012 outra iniciativa marcante para o ciberativismo de mulheres negras no Brasil, o Blogueiras Negras4. No site “blogueirasnegras.org”, reúnem e estimulam as produções por e para mulheres negras.
Zelinda Barros (2009) chama atenção a necessidade de analisar criticamente as possibilidades oferecidas pela cultura digital, tendo em vista que a evolução tecnológica além de provocar a introdução de novos produtos e usos, também ocasiona a “alteração de comportamentos prévios e a emergência de novos comportamentos num dado grupo social (p. 03)”.
“É um cenário controverso, tendo em vista que no mundo real mulheres negras presenciam seus discursos serem invisibilizados pelos meios de comunicação tradicionais, mas no ambiente digital, onde também se reproduzem violências estruturais, permite às mulheres negras um alcance discursivo incalculável (Lima e Oliveira, 2020, p. 10).
Nesse contexto, Blogueiras Negras, Blogagem Coletiva e Portal Geledés (através de um espaço Guest post), iniciativas encabeçadas por feministas negras, estimulam e amplificam a escrita protagonista e as mobilizações sociais de mulheres negras na Internet. Ademais, os novos espaços de produção e veiculação de informações que surgem com a Internet, sobretudo com a popularização das plataformas de mídias sociais, ao serem apropriados por mulheres negras, despontam como tecnologias que oportunizam “contestar estereótipos e discursos que deformam e marcam negativamente mulheres, negros, corpos e sexualidades dissonantes (Lima, 2017, p.5)”.
Ao mobilizar reflexões acerca de assuntos como racismo, machismo, classismo, lesbofobia, transfobia, gordofobia, a partir de experiências pessoais, situações cotidianas, casos midiáticos e tendo por base a produção de acadêmicas negras (especialmente as brasileiras e norte americanas), as mulheres negras em atuação na web tem desenvolvido uma produção que confronta as bases epistemológicas de orientação etnocêntrica e que se constitui como contranarrativas ao discurso hegemônico que invisibiliza e silencia a experiência negra e feminina. (Lima, 2017, p. 6 e 7).
Entretanto, a produção contra hegemônica e contranarrativa de mulheres negras, mesmo antes da Internet, já eram vistas como ameaças dentro de um sistema racista-cissexista. “Somos vistas como suspeitas, promotoras da desordem e ameaças à segurança da sociedade, que sempre esteve em condição de tensão diante de um conglomerado de gente preta, cuja cidadania nunca foi plena” (Barros, T. 2020, p. 209).
Sendo os marcadores de gênero e raça determinantes no acesso, uso e desenvolvimento das tecnologias, observou-se que ao mesmo tempo em que se multiplicam as produções engajadas de ciberativistas, multiplicam-se também
“estudos acadêmicos, matérias jornalísticas e denúncias de organizações de direitos humanos que apontam o crescimento da violência digital contra grupos identitários, disseminação do ódio, hipervigilância e manipulação em níveis inéditos, como a disseminação de Fake News, estratégias amplamente utilizadas nas eleições de 2018 e que favoreceram a ampliação dos quadros da extrema-direita no legislativo e no executivo”. (Lima e Oliveira, 2017, p. 11)
A Safernet5, através do serviço Hotline – recebimento de denúncias anônimas de crimes e violações de Direitos Humanos na Internet – identificou que no período entre 2006 e 2020, o racismo foi o crime de ódio mais denunciado no Brasil, com cerca de 600 mil casos reportados, valor correspondente a 23% dos crimes de ódio recebidos pela plataforma dentre as sete categorias de denúncia estabelecidas, ficando atrás apenas da categoria de apologia e incitação a crimes contra a vida, consoante com o gráfico abaixo:
Por definição, discurso de ódio segundo a SaferLab6 são «manifestações que atacam e incitam ódio contra determinados grupos sociais baseadas em raça, etnia, gênero, orientação sexual, religiosa ou origem nacional”, sendo os principais alvos destes discursos LGBTs, pessoas negras, mulheres e outras minorias sociais.
Um estudo realizado por Trindade (2018), identificou que mulheres negras são as principais vítimas de discurso de ódio no Facebook. O autor analisou mais de 109 páginas de Facebook e 16 mil perfis de usuário, além de 224 artigos jornalísticos que citam casos de racismo nas redes sociais brasileiras entre os anos de 2012 e 2016, e chegou à conclusão de que 81% das vítimas de discurso depreciativo nas redes sociais são mulheres negras, na faixa etária de 20 e 35 anos. Foi identificado também que 65% dos usuários que disseminam os discursos de ódio são homens, com idade entre 20 e 25 anos.
Os desafios se tornam ainda mais complexos quando analisamos a materialidade dos modos pelos quais o racismo se imbrica na infraestrutura ou na interface das tecnologias digitais, como no reconhecimento facial e processamento de imagens ou na recomendação de conteúdo, recursos automatizados dificilmente identificáveis pelos usuários (SILVA, 2020). Nesse sentido, pesquisadores do Brasil e do mundo se esforçam para desvendar as origens e profundidades de temas como Racismo Algorítmico (Silva, Tarcízio. 2019; Silva, Tarcízio. 2020; Silva, Tarcízio. 2020). Capitalismo de Vigilância (Zuboff, 2019) e Colonialismo de Dados (Coldry e Mejias, 2019).
De acordo com Silva, Tarcízio (2020), “manifestações algorítmicas de racismo são microagressões frequentes de diversos tipos, que podem afetar os usuários de plataformas de forma individual ou vicária” (p. 136). Ao exemplificar o racismo algorítmico, o autor apresenta notícias como “Mecanismos de busca de bancos de imagens inviabilizam famílias de pessoas negras”7 e “App que transforma selfies equipara beleza à brancura”8. Neste mesmo percalço, a pesquisadora Thiane Barros (2020) analisa que
em Dark matters: on the surveillance of blackness a pesquisadora estadunidense Simone Browne, ao escrever sobre as tecnologias de biometria, que criam padrões de rosto, por exemplo, afirma que existe uma “falsa ideia de que certas tecnologias de vigilância e sua aplicação é neutra em relação à raça, gênero, deficiência e outras categorias de determinação e suas intersecções” (p. 128) e que os corpos de mulheres negras são 9 vezes mais vigiados em câmeras de aeroportos. (Barros, T. 2020, p. 209)
Nas discussões sobre Capitalismo de Vigilância, Zuboff (2019), explica que o termo se refere a uma “economia de vigilância” que “baseia-se em um princípio de subordinação e hierarquia”, ela diz:
Nós não somos mais os sujeitos da realização do valor. Também não somos, como alguns já afirmaram, o “produto” vendido pelo Google. Somos os objetos cuja matéria é extraída, expropriada e em seguida injetada nas usinas de inteligência artificial do Google, as quais fabricam os produtos preditivos que são vendidos a clientes reais – as empresas que pagam para jogar nos novos mercados comportamentais. (Zuboff, 2019)
Esta configuração moderna do Capitalismo, sob a ótica de exploração da análise de dados de grupos sociais inteiros, gera impactos severos em
populações já marginalizadas, como nos casos de povos ameríndios em territórios demarcados ou em vias de demarcação, quilombolas, comunidades periféricas, periferias e favelas dos centros urbanos. O processo está além de uma fase de acumulação, e pode ser entendida como uma nova fase histórica, já que se configura em práticas de extração de riqueza concentradas nas pessoas e em suas relações, fenômeno nomeado de Colonialismo Digital (Faustino; Lippold; 2022). O “uso de dados, está para além dos usos econômicos que se podem fazer dessas informações, sendo úteis também para escamotear as liberdades democráticas” (Raul, 2019, p. 184).
Essas táticas de controle e vigilância que se atualizam no ciberespaço, acarretam ainda em uma mudança no comportamento de ciberativistas. Se inicialmente a estratégia era a exposição de si para atingir objetivos de visibilidade e protagonismo, a valorização da privacidade torna-se mais tarde umas das principais formas de segurança (Barros, T. 2020).
As matrizes tecnológicas africanas e espalhadas na diáspora se materializam na força do que “faz a gira girar”. Está no culto aos Orixás, nas rodas de samba, na reza, na contação de histórias, na capoeira, no canto, na dança e na musicalidade, saberes e fazeres preservados graças também à (ciber)segurança de pessoas negras que “hackeam” o sistema para manterem vivas as suas tradições (Ligiério, 2011; Rodrigues da Silva e Brito Dias 2020, Barros, T. 2020). Saberes que se atualizam também nas encruzilhadas estratégicas de mulheres negras que se apropriam das tecnologias digitais, ao mesmo tempo em que combatem as brechas tecnológicas de gênero e raça.
Atentas a isso, inclusive, é que em entrevista ao site do Grupo de Pesquisa em Gênero, Comunicação e Tecnologias Digitais, Larissa Santiago ressalta a necessidade de mulheres negras buscarem “ferramentas, ações e táticas para se proteger, prevenir ou mitigar possíveis ataques ou ameaças on e offline” (2019). Para essa orientação, um conjunto de coletivos feministas criou a Guia Prática de Estratégias e Táticas para a Segurança Digital Feminista (2017) com o “objetivo de proporcionar às mulheres maior autonomia e segurança na internet” (p.10), dicas de cuidados digitais para mulheres negras de toda a América Latina. (Barros, T. 2020, p. 209 e 210)
Na PretaLab, além da coleta e análise de dados, foi realizada ainda uma série de vídeos reunindo passagens com histórias e depoimentos de algumas das participantes do projeto. Nas entrevistas elas mencionam 15 iniciativas criadas e/ou protagonizadas por mulheres negras ciberativistas, são elas: BlackRocks Startup, Blogueira Negras, Coletivo Nuvem Negra, Criola, DataLabe, Desabafo Social, GatoMidia, Info Preta, Instituto Mídia Étnica, MariaLab, Minas Programa, Olabi / PretaLab, OxenTI Menina, Pretas Hackers e Preta, Nerd e Burning Hell.
Lima e Oliveira (2019), com o objetivo de compreender as apropriações de tecnologias por estas mulheres negras, desenvolveram um estudo de análise dos dados estatísticos e depoimentos em vídeo da pesquisa PretaLab, além dos 15 projetos mencionados pelas entrevistadas. Os resultados da pesquisa indicam que mulheres negras “buscam dominar as tecnologias, a fim de propor soluções para as brechas tecnológicas e fazer uso social das habilidades adquiridas (p. 1)”.
4. Conclusão
Como demonstrou-se, a partir do pensamento feminista negro, é possível a compreensão de fenômenos também relativos às tecnologias da informação e comunicação e seus imbricamentos com o racismo, sexismo e as desigualdades sociais. Com base em um referencial de mulheres negras que analisam os fenômenos relativos aos seus ativismos, dentro e fora da Internet e os dados apresentados e detalhados, foi possível analisar como as ONGs Geledés, Blogagem Coletiva, Marcha de Mulheres Negras (2015) e Blogueiras Negras despontaram como marcos no ciberativismo de mulheres negras brasileiras, e o PretaLab, como uma plataforma fundamental para aproximar mulheres negras ao mercado de tecnologia – estratégias que potencializam a produção e circulação de conhecimentos de grupos historicamente marginalizados.
Os desafios para mulheres negras na Internet se atualizam, na medida em que avançam também as tecnologias. Os indicadores apontam desigualdades no acesso, na ausência de diversidade no desenvolvimento das tecnologias, que resulta na reprodução do racismo e sexismo no código das plataformas, e, mesmo em contextos adversos e profundamente complexos, mulheres negras têm assimilado conceitos e práticas feministas negras ao apropriarem-se de mecanismos fundamentais, como a Internet, para reverberarem globalmente suas ideias e experiências.
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