<span class="sans">Públicos refratados:</span> grupos de extrema-direita brasileiros na plataforma Telegram

↘ Artigo
↘ Artigo

Leonardo F. Nascimento, Tarssio Barreto, Letícia Cesarino, Vítor Mussa, Paulo Fonseca

download da versão pdf ↓
volume 3 ⁄ número 1 ⁄ ago 2022 ↘ Artigo

Públicos refratados: grupos de extrema-direita brasileiros na plataforma Telegram

Leonardo F. Nascimento & Letícia Cesarino & Paulo Fonseca & Tarssio Barreto & Vítor Mussa

Resumo

O artigo apresenta um mapeamento preliminar dos ecossistemas multiplataforma de grupos de extrema-direita brasileiros na plataforma Telegram a partir de uma perspectiva de métodos mistos, articulando análise computacional de dados com análises sócio-antropológicas acerca da gramática e das lógicas de ação subjacentes. Depois de discutir a literatura produzida sobre o Telegram e algumas de suas implicações sociotécnicas recentes, apresentamos a metodologia desenvolvida para a coleta e análise de dados oriundos de mensagens postadas em 97 grupos e 271 canais, ao longo do ano de 2021, bem como algumas caracterizações relevantes acerca dos dados. Destacamos, além da diferença de dinâmicas entre grupos e canais, o protagonismo de usuários que denominamos de talkatives, bem como a presença significativa de links para outras plataformas de mídia social mainstream. Sugerimos que o conceito de públicos refratados é uma noção profícua para caracterizar essa topologia dupla: ao mesmo subterrânea e de superfície. Nesta, emergem públicos dominantes da grande mídia e do establishment político – prevalentes nas plataformas do mainstream e na internet de superfície – e camadas menos visíveis e ocultas de usuários e audiências. Diferentemente dos públicos-em-rede, dominantes nas plataformas mainstream, os públicos refratados se caracterizam pela efemeridade, descobertabilidade, decodificabilidade e silocialidade. Argumentamos que o Telegram propicia a articulação entre públicos refratados e dominantes, operando como uma espécie de “dobradiça” digital. Essa configuração complexa gera uma série de paradoxos e dilemas para os aparatos regulatórios atualmente em discussão, que abordagens mistas como a da presente pesquisa podem ajudar a elucidar.

1.Introdução

O aplicativo de mensagens Telegram tem atraído a atenção do debate público brasileiro como um veículo de disseminação de desinformação sanitária e política1 . Desde a invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021 – e o consequente banimento do presidente dos EUA Donald Trump e de ativistas antidemocráticos das grandes plataformas sociais – o Brasil tem observado um acentuado aumento de usuários dessa plataforma. Novos grupos e canais tem sido criados por parte de atores da extrema-direita brasileira (Júnior et al., 2021)2. Este contexto sugere uma reorganização das estruturas de rede e das estratégias de comunicação digital da extrema-direita brasileira que teria, no Telegram, uma plataforma estratégica dentro de um ecossistema de desinformação mais amplo.

Nesse contexto, em junho de 2021, os autores deste artigo deram início ao projeto intitulado “Ecossistema de desinformação e propaganda computacional no aplicativo Telegram”3. Baseando-se em análises anteriores do Telegram (Nascimento et al, 2021) e do WhatsApp (Cesarino, 2020), o objetivo agora era estabelecer uma estrutura interdisciplinar de mapeamento, monitoramento e análise multi-método (quantitativa e qualitativa) de chats4 (grupos e canais) da extrema-direita brasileira no Telegram. Neste artigo, apresentamos alguns dos resultados da primeira etapa do projeto, organizando-os conceitualmente em torno de discussões recentes no campo interdisciplinar de estudos de novas mídias, notadamente aquelas relativas à formação de públicos “sob o radar” das plataformas do mainstream (Artieri et al., 2021; Gray Bounegru e Venturini, 2020).

Na seção seguinte, apresentamos uma breve apresentação do histórico e funcionalidades do Telegram, bem como um levantamento das principais direções analíticas nas pesquisas sobre o aplicativo na literatura brasileira e internacional. Na terceira seção, trazemos o delineamento metodológico do projeto, seus fundamentos éticos e resultados mais gerais, organizando-os e apresentando-os à luz do aparato metodológico proposto. Em seguida, apresentaremos o conceito de públicos refratados (Abidin, 2021), que busca delinear formação de públicos na web após 2008 (Helmond, 2015). A ideia é discutirmos como este aparato conceitual-analítico contribui para o entendimento da emergência do Telegram como plataforma estratégica para os públicos de extrema-direita brasileira.

Ao final, sugerimos que o Telegram é uma plataforma que acomoda usuários que foram submetidos à regulação de plataformas do mainstream e terminaram sendo desplataformizados (Rogers, 2020). Com isso, ele opera como uma “dobradiça” entre dois públicos: os “refratados” e os “dominantes”. Enquanto os públicos dominantes teriam como loci a “internet de superfície” das grandes plataformas – tais como Facebook, Instagram e Youtube – os públicos refratados encontraram no Telegram uma ecologia de mídia que, apesar atuar em paralelo às plataformas do mainstream, mantém conexões perenes e “subterrâneas” com elas.

2.A ascensão do Telegram

Em 14 de agosto de 2013, o Telegram foi lançado na plataforma Apple Store. Meses depois, em outubro de 2013, surgiu uma versão para dispositivos Android. O aplicativo de mensagens instantâneas oferecia algumas novidades, como “chats secretos” e mensagens que se auto-apagavam após um tempo5. Rapidamente, diversas funcionalidades foram adicionadas e o Telegram tornou-se, pouco a pouco, um aplicativo versátil e com mais possibilidades que o seu principal concorrente, o WhatsApp. Algumas características compuseram o diferencial do Telegram em comparação com outros similares. A primeira delas é a sua arquitetura computacional que permite, de maneira relativamente simples, a automação através da ação de bots. A segunda diz respeito à segurança e privacidade. Embora seja preciso um número de telefone para ativar uma conta via SMS no Telegram, é possível ocultar esse mesmo número, atribuir um codinome qualquer e, por fim, criar chats ocultos criptografados que previnem ou dificultam a vigilância das autoridades (Abu-Salma et al., 2017)

A essas duas características (mecanismos de automação e proteção à privacidade) foi adicionada, em setembro de 2015, uma terceira: o surgimento de “canais” ou grandes listas de distribuição de conteúdo sem limite máximo de usuários inscritos. Esta combinação entre bate papo e canais de conteúdo – juntamente com outras funcionalidades trazidas de outras plataformas tais como o uso de hashtags, replies, menções e prévia de links – ampliava ainda mais o caráter híbrido e peculiar do Telegram. Este hibridismo ficou ainda mais patente quando, em 20176, a plataforma passou a permitir que os usuários pudessem fazer buscas, por termos ou palavras-chave, entre os títulos dos chats públicos existentes na plataforma: uma funcionalidade denominada global search. Isso permitiu que os usuários utilizassem o aplicativo não apenas para comunicações privadas, mas, também, para buscar informações externas aos seus próprios contatos.

Não demorou para que essas características híbridas chamassem a atenção da comunidade de usuários que, rapidamente, propuseram experiências exitosas de aplicação do Telegram em educação, saúde7 e e-commerce. Na mesma proporção, começaram investigações do Telegram para a política, especialmente em termos dos seus impactos na formação da opinião pública (Maevskaya, 2017). Por conta do seu banimento em abril de 2018 na Rússia e no Irã – e posterior desbloqueio na Rússia em 2020 – o Telegram adquiriu nas comunidades hackers uma feição de liberdade de expressão contra regimes autoritários que tinham na vigilância massiva seu modus operandi (Ermoshina et al., 2021; Akbari & Gabdhulhakov, 2019; Wijermars, 2021). Em paralelo a este movimento, a plataforma também se tornou um meio privilegiado de  recrutamento e promoção de radicalização online do Estado Islâmico (Magdy, 2016; Alkhouri & Kassirer, 2016), tendo sido também utilizada para coordenar ataques em territórios europeus (Bloom et al., 2019).

A partir de 2019, dois conjuntos complexos de acontecimentos históricos afetaram a percepção e o uso do Telegram. O primeiro deles diz respeito à ascensão de governos de direita ou extrema-direita em muitos países e seu uso tático e sistemático de mídias sociais. Em segundo lugar, a crise sanitária global provocada pela pandemia do novo coronavírus veio acompanhada de uma “infodemia” de iguais proporções (Organização Mundial de Saúde, 2020). Em 6 de janeiro de 2021, esses fluxos se cruzaram de forma dramática na invasão do Capitólio em Washington, D.C. por apoiadores do então presidente Donald Trump que se recusava a aceitar o resultado eleitoral. Este evento – inédito na história estadunidense recente – promoveu medidas de controle e moderação que as grandes plataformas até então hesitavam em tomar. Twitter e Facebook suspenderam ou baniram postagens e perfis de grandes contas ligadas à extrema direita, entre elas a do próprio ex-presidente Trump. Esse processo de desplataformização (Rogers, 2020) prosseguiu também no controle da desinformação durante a pandemia da COVID-19 (Innes & Innes, 2021).

A eficácia dessas medidas de controle ainda está em questão. Muitas vezes, elas têm como consequência a migração de influenciadores e seus seguidores para o que Zeng e Schäfer (2021) chamaram de dark platforms ou, em tradução livre, “plataformas sombrias”. Os autores propuseram o termo para designar fóruns como 8kun e redes sociais como Gab8, que se vendem como “menos regulamentado e moderado, podendo assim ser utilizado para alojar conteúdos e criadores de conteúdos que podem não ser tolerados pela sua maior parte [das plataformas] mainstream” (p. 1321). Entre as dark platforms que mais têm crescido está o Telegram, alardeado por seu CEO, Pavel Durov, como um “anti-Facebook” livre de “censura” e protetor da liberdade de expressão e privacidade dos usuários (Loucaides, 2022).

Por outro lado, a literatura internacional sobre o Telegram tem mapeado atividades e movimentos ilegais ou extremistas que fazem uso do aplicativo para escaparem dos controles e regulações existentes em plataformas do mainstream. Estudos pioneiros exploraram seu
papel na organização e recrutamento de grupos radicais islâmicos como o ISIS (Arianti & Yasin, 2016; Bloom et al., 2019), tendência esta que tem se estendido para o extremismo branco em lugares como EUA e Europa (Walther & McCoy, 2021). Estudos qualitativos e computacionais sobre o Telegram também identificaram a disseminação de práticas ilegais ou antiéticas como a circulação de imagens íntimas não-consensuais (Semenzin & Bainotti, 2020), bem como uma prevalência importante de canais de junk news e sites noticiosos (Knuutila et al., 2020).

Outros estudos, mais próximos à nossa proposta, tem explorado o crescimento do Telegram na esteira dos processos recentes de desplataformização da extrema direita e redes de desinformação a ela associadas. Rogers (2020) analisou a migração de influenciadores e celebridades extremistas para o Telegram estadunidense. Urman e Katz (2020) confirmaram a sincronicidade entre os movimentos de desplataformização da extrema direita e a migração em massa de influenciadores e usuários para o Telegram nos EUA. Outros mapearam a ampla circulação de teorias da conspiração no aplicativo, em países como Alemanha, Brasil e EUA (Hoseini et al., 2021; Gunz & Schaller, 2022). Enfocando as “superconspirações” anti-semitas durante a pandemia da COVID-19 na Alemanha, Gunz e Schaller (2022) destacaram, ainda, um movimento complementar de fluxo regular entre essas redes no Telegram e plataformas do mainstream como o YouTube.

Estes e outros trabalhos destacam, por um lado, as limitações dos processos de desplataformização do extremismo político, uma vez que essas redes tendem a se recompor no Telegram e em outras mídias alternativas (Bhat, 2021; Bryanov et al., 2022). Por outro lado, tem ficado cada vez mais claro que esses usuários e influenciadores, ao efetuarem a migração, não cortam totalmente os vínculos com os públicos de superfície, mas mantêm “saídas” para plataformas do mainstream. Essa situação contraditória se reflete em dilemas importantes no campo ainda incipiente da regulação das novas mídias.

Na medida em que os aparatos regulatórios estatais também passaram a mirar essas “plataformas sombrias”, novos paradoxos emergem. Com base no caso russo do banimento do Telegram, por exemplo, Wijermars (2021) e Akbari e Gabdhulhakov (2019) destacaram a linha tênue entre proteção da privacidade e liberdades fundamentais dos cidadãos, e proteção a crimes e extremismos de várias ordens. Essas contradições acabam atingindo também a pesquisa acadêmica realizada sobre e dentro desse tipo de ambiente. No caso do Telegram, a atitude frouxa com relação à moderação vem acompanhada de abertura e possibilidades de acesso maiores do que as oferecidas pelas plataformas do mainstream, que costumam exercer um controle proprietário mais rígido sobre os dados. Finalmente, Topinka e colegas (2021) atentam para o risco de os próprios pesquisadores passarem a operar a partir de uma lógica de vigilância sobre os usuários similar à dos aparatos de governo.

Esse tipo de dilema vem ganhando relevância no contexto brasileiro diante da perspectiva de bloqueio do Telegram pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), justificada pela recusa da empresa em colaborar com o combate coordenado à desinformação durante as eleições de 2022. Todavia, no Brasil, as pesquisas e refle- xões acadêmicas sobre o Telegram são escassas, e as que existem são muito recentes. Além de referências tangenciais, como ao papel do aplicativo na controvérsia que ficou conhecida como “Vaza Jato” (Gabardo et al., 2021), alguns grupos de pesquisa têm se interessado pelo uso político do Telegram por grupos de direita e para a disseminação de desinformação durante a pandemia da COVID-19 (Nascimento et al., 2020). Boa parte destes estudos enfoca o mapeamento computacional de grande volume de dados (Hoseini et al., 2021; Júnior et al., 2021), enquanto abordagens qualitativas são raras e pontuais (por exemplo, Nascimento et al., 2020; Bezerra, 2022).

Este artigo busca, por outro lado, combinar métodos computacionais e análises sócio-antropológicas para compreender a eficácia de públicos que operam na interface entre camadas mais e menos visíveis da web. Como sugeriram Topinka et al. (2021),

a atenção acadêmica à política extremista online deve concentrar-se mais nesta forma geral, a ecologia, da qual são uma manifestação singular. Tal análise da ‘forma’ de intervenção comunicativa requer uma interpretação qualitativa informada por uma compreensão teórica de como as ideologias – as da direita e da extrema-direita em particular – trabalham para que possamos dar sentido à forma como os padrões de argumentação padrão de tais ideologias interagem com o sistema digital (p.386).

Um dos modos de acessar essas transversalidades formais é reconhecer que, nos ambientes cibernéticos das plataformas, agente e ambiente, redes e usuários estão sempre co-emergindo, e que agência humana e maquínica podem e devem ser, em alguma medida, simetrizadas na análise (Malini, 2016; Cesarino, 2021).

No que segue, portanto, buscaremos articular, na mesma análise, os dois componentes metodológicos utilizados no projeto. Começamos por apresentar, na próxima seção, o desenho metodológico da pesquisa computacional, bem como as implicações e escolhas éticas a ele relacionadas. Em seguida, passamos a uma análise dos padrões computacionais encontrados em conjunto com as observações de ordem qualitativa, articulando-os a partir do conceito de públicos refratados.

3. Desenho metodólogico da pesquisa

3.1.Estrutura computacional da coleta de dados

O primeiro passo da pesquisa foi a elaboração de uma estrutura computacional para automatização da coleta, armazenamento e transformação de dados dos grupos e canais do Telegram9. Este processo é conhecido como ELT10 e envolveu três etapas: 1) os dados (mensagens de texto, imagens e vídeos) são retirados/extraídos de grupos e canais do Telegram através de uma framework denominada Pyrogram11; 2) em seguida, os dados e metadados das mensagens de texto são armazenados em sua forma original numa instância do PostgreSQL12, um banco de dados relacional de código aberto; 3) por fim, os dados são transformados dentro do banco com SQL, de forma a prepará-los para diversas formas de análise e visualização de dados. Estas etapas aconteceram através de um servidor dedicado13 e as imagens e vídeos também foram coletadas, nomeadas de forma padronizada com metadados e, em seguida, elas foram enviadas para a estrutura de armazenamento em nuvem.

A execução desse processo ELT está baseada, também, em uma solução em Python14 denominada telegram-tracer elaborada no âmbito das pesquisas dos membros do LABHDUFBA. Ele atua a partir do anteriormente mencionado Pyrogram, um wrapper escrito também em Python da API do Telegram – a MTProto15. O Pyrogram permite a criação de uma base de dados detalhada do ponto de vista dos metadados das mensagens. Uma característica fundamental da coleta de dados implementada é que ela ocorre em tempo real: toda mensagem de texto, imagem ou vídeo postados são coletados imediatamente. Tal procedimento foi especialmente útil pois – como vamos mencionar com detalhes mais adiante – muitos grupos e canais têm o seu conteúdo frequentemente apagado pelos administradores. Além disso, alguns usuários costumam deletar suas postagens nos grupos em que participam. Apesar destes apagamentos, os dados coletados permanecem protegidos em nossa estrutura de armazenamento.

[Figura 1]16Pipeline da extração, armazenamento e análise dos dados Fonte: Elaborado pelos autores

3.2.Seleção dos chats

O primeiro passo da coleta de dados foi registrar alguns usuários na plataforma Telegram e realizar uma busca17 por chats (grupos e/ou canais) com termos relacionados ao ativismo da direita brasileira, tais como “direita”, “bolsonaro” e, além disso, entrar em canais de políticos da base de apoio do atual presidente. Optamos por acessar chats abertos e que não exigiam nenhum tipo de confirmação da identidade. Deste modo, inicialmente foram acessados três grandes chats que tinham uma atividade diária e constante de troca de mensagens. Todos os usuários do Telegram utilizados para a extração dos dados assumiram a posição de “lurker”, ou seja, foi feita a inscrição nos chats, mas absolutamente nenhum tipo de interação e/ou produção de conteúdo foi realizado18.

Desde o início da pandemia no Brasil, em março de 2020, um número significativo de chats de políticos, personalidades e temáticas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro foram criados no Telegram. Em tais chats ocorrem, com frequência, campanhas com listagem de links de grupos e/ou canais para que os participantes divulguem e/ou entrem. Os pesquisadores realizavam uma análise temática na descrição do grupo, no número de usuários, na frequência de mensagens diárias e decidiam se o grupo era relevante ou não. Deste modo, os pesquisadores foram acessando novos grupos/ canais. Em seguida iam surgindo, nestes novos chats acessados, convites para outros chats que por sua vez eram novamente acessados.

Através de uma espécie de “bola de neve digital”, a própria gramática de expansão da plataforma em torno de determinadas temáticas oferecia novos chats com um subsequente aumento expressivo de participantes e de mensagens coletadas. Este passou a ser um procedimento diário da pesquisa, de modo que os números totais de mensagens, usuários e chats (grupos/canais) é bastante variável pois está sempre em processo de expansão.

3.3.Ético e uso da vigilância-como-método

A pesquisa social na era digital levanta novos questionamentos e a necessidade de renovados parâmetros éticos de investigação (Salganik, 2018). Por conseguinte, tomamos medidas para proteger os usuários – e pesquisadores – de acordo com os princípios de um plano de proteção de dados (Desai, Ritchie & Welpton, 2016) mediante algumas estratégias. A primeira delas, como relatamos acima, foi restringir os chats analisados aos de acesso/visibilidade pública, ou seja, nós evitamos analisar chats secretos ou mensagens individualizadas de determinados usuários. Além disso, procedemos com a anonimização da origem das mensagens e usuários através do uso das ids (identificadores únicos de chats e usuários). Com isso nós asseguramos o total anonimato dos mesmos impossibilitando a detecção de suas reais identidades. Por fim, como mencionamos anteriormente, os usuários do Telegram utilizados para a extração dos dados assumiram a posição de lurker, ou seja, não foi realizado nenhum tipo de interação e/ou produção de conteúdo no grupo.

A estrutura computacional elaborada para a pesquisa se insere na perspectiva da vigilância-como-método que inclui técnicas diversas tais como “raspagem de dados, gráficos de rede e rastreamento de palavras-chave” (Topinka, Finlayson & Osborne-Carey, 2021, p.385). Embora toda esta estrutura seja capaz de revelar a existência e quantificar os conteúdos extremistas, concordamos com a ponderação de que, se nos limitarmos a essa estratégia, “podemos perder o contexto desse conteúdo e as novas maneiras pelas quais eles [os dados di- gitais] encenam a política” (Ibidem, p.386). Para tentar contornar este problema, aderimos a dois pressupostos fundamentais.

O primeiro foi considerar os dados digitais coletados enquanto um “objeto epistêmico complexo” cujo significado difere entre as ciências sociais e a ciência da informação e da computação (Aradau & Blanke, 2015). Neste sentido, qualquer análise computacional que abdique de construtos teóricos das ciências sociais corre o risco de permanecer na superfície dos fenômenos que pretende compreender. O segundo pressuposto foi tentarmos analisar, para além dos conteúdos, os aspectos propriamente formais das mensagens analisadas (Topinka, Finlayson & Osborne-Carey, 2021). O grande volume de dados textuais, imagens e vídeos coletados demandou diferentes estratégias metodológicas com abordagens múltiplas, mas que trabalharam de maneira articulada. Por exemplo, os resultados baseados em processamento de linguagem natural serviram para orientar a criação de codificações qualitativas. Além disso, as impressões e opiniões sobre os dados qualitativos produziram insights valiosos sobre quais estratégias de análise de texto e redes poderiam produzir resultados significativos.

Este artigo não pretende trazer o conjunto de todas as análises realizadas a partir dos dados coletados pelo projeto, mas enfatizar aquelas
observações que nos ajudem a entender o tipo de público que a extrema direita brasileira formou no e pelo Telegram. Diferente de parte da literatura no campo de novas mídias que, na prática, trata as affordances como propriedades das plataformas (Autor, 2021), retomamos o insight original da psicologia ecológica de James Gibson (2014) de que as affordances não estão nem no ambiente (plataformas) nem nos agentes (usuários), mas co-emergem a partir do encontro prático entre eles19. Elas têm, portanto, dimensões tanto sistêmicas quanto específicas; remetem tanto à estrutura quanto à conjuntura. A teoria das affordances e seu campo mais amplo de diálogo com as teorias da cognição, técnica e cibernética podem, assim, oferecer uma linguagem analítica que seja de fato transversal a agentes e ambientes, usuários e redes, agência computacional e humana. Por último, acreditamos que o conceito de públicos refratados (Abidin, 2021), ao remeter tanto a propriedades técnicas da arquitetura das plataformas quanto às decisões e agência dos usuários humanos, possa ser lido a partir dessa chave híbrida.

4. Descrição geral dos dados

4.1.Dinâmica de mensagens

Das 00:00:00 horas de 01 de janeiro às 23:59:59 de 31 de dezembro de 2021 foram coletadas 9.168.193 mensagens em todos os chats analisados no Telegram. Do total de mensagens, foram publicadas 7.771.381 nos 97 grupos, sendo 3.516.443 (~45,3%) mensagens de mídia20 e 4.254.938 (~54,7%) mensagens de texto. Há, portanto, um relativo equilíbrio entre os formatos de texto e mídia nos grupos, enquanto que os canais possuem uma característica um pouco diferente. Das 1.396.812 mensagens publicadas nos 271 canais analisados, 393.750 (~28,2%) eram mensagens de texto e 1.003.062 (~71.8%) mensagens de mídia. Ou seja, as postagens nos canais são fundamentalmente voltadas para conteúdo multimídia (fotos e vídeos) e sobretudo links externos ao Telegram. Estes dados confirmam, por um lado, como a arquitetura de funcionamento da plataforma co-emerge com comportamentos específicos dos usuários. Deste modo, o formato dos canais e grupos condiciona a dinâmica interativa nos chats, com o primeiro apresentando uma maior concentração de mídias e links, mas com um menor fluxo de mensagens, e os segundos com maior fluxo de interações textuais e com uma menor concentração visível de influenciadores. Por outro lado, esta co-emergência entre infraestrutura e comportamentos humanos não-algorítmicos indica também a necessidade de padrões de análise diferenciados para essas duas modalidades do aplicativo.

O Gráfico 1 abaixo apresenta a frequência de mensagens de texto e mídia postadas nos grupos e canais analisados.

[Gráfico 1] Mensagens publicadas de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2021 nos chats analisados. As mensagens de texto estão em vermelho, as de mídia em azul.

Ao longo de 2021, ocorreu uma constante e intensa troca de mensagens e compartilhamento de conteúdo tanto nos grupos como nos canais. Nota-se, além disso, como os dias em torno do 07 de setembro foram marcados por um grande fluxo de mensagens. A seção seguinte apresenta o comportamento das audiências nos grupos e canais.

4.2. Audiência dos chats

O Gráfico 2 traz os quinze chats nos grupos e canais com a maior quantidade de usuários totais em 31 de dezembro de 2021. No caso dos canais, chama atenção para o número de usuários do canal oficial do presidente Jair Bolsonaro, com mais de um milhão de inscritos. Nos grupos, o destaque fica para o “Super Grupo B-38 OFICIAL” com mais de 60.000 inscritos.

[Gráfico 2] Dez chats com maior número de usuários

Importante destacar que o número de usuários inscritos nos grupos e canais não é idêntico ao número de usuários que efetivamente enviam mensagens nos grupos e/ou comentam as postagens nos canais. Mesmo nos grupos – onde qualquer um pode postar – parece haver uma predominância de usuários específicos na sua formação e dinâmica. No Gráfico 3 baixo, é possível notar que aproximadamente 5% dos usuários publicam cerca de 80% das mensagens nos grupos.

[Gráfico 3] Porcentagem de mensagens enviadas por porcentagem de usuários

Através de uma sugestão de um dos cientistas de dados parceiros na pesquisa21, nós denominamos estes usuários que mais postaram mensagens nos grupos de talkatives. A seção seguinte analisa alguns aspectos do comportamento desse tipo de usuário nos grupos analisados.

4.3. Os fênonomes dos talkatives

Denominamos de talkatives aqueles usuários com volume e frequência de postagem comparativamente altos, e que raramente ficam muitos dias sem publicar. Geralmente, mas não exclusivamente, essas postagens se concentram em poucos grupos. Embora os metadados do Telegram obtidos pelo pyrogram informe se determinados usuários são ou não bots, sabemos que a arquitetura da plataforma permite muitas ações automatizadas por parte de usuários que não são classificados como tal22. Por este motivo, não buscamos estabelecer, a priori, se os talkatives eram humanos ou não a partir da classificação do próprio Telegram. Nosso interesse voltou-se, antes, para o papel que eles exercem enquanto disseminadores ou “criadores” de conteúdo. É importante destacar que as características aqui descritas não abrangem toda a complexidade do comportamento desses usuários na arquitetura global do Telegram.

Por outro lado, as análises iniciais deste grupo de usuários envolveram um cuidado para não cairmos em um raciocínio quantitativista simplificador, que tenderia a igualar, necessariamente, maior número de postagens com maior influência ou protagonismo dentro dos grupos. Não obstante essa ressalva, o volume de mensagens enviadas por alguns usuários chama a atenção. O Gráfico 4 abaixo representa o número de postagens dos 10 usuários que mais enviaram mensagens de janeiro a dezembro de 2021, considerando todos os grupos em que eles participam.

[Gráfico 4] Total de mensagens dos dez talkatives mais ativos de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 202123

De todos os talkatives, o usuário “1166124464” foi o que mais publicou dentro do período analisado: 49.188 mensagens em 4 grupos diferentes do qual era membro. Se arredondarmos esses valores, foram postadas, em média, mais de 130 mensagens por dia. Através da análise dos rastros dos talkatives, é possível entrever elementos que sustentam a hipótese da inserção do Telegram numa complexa ecologia multiplataforma. Internamente ao Telegram, há uma constante retroalimentação entre os conteúdos dos diferentes grupos e canais. Externamente, há uma porosidade de conteúdos de plataformas do mainstream, como indicaremos mais adiante.

Alguns talkatives costumam enviar mensagens em um número pequeno de grupos. Por exemplo, do total de mensagens publicadas pelo usuário “1166124464”, 43270 (aproximadamente 88% do total) foram mensagens encaminhadas de um mesmo canal para um único grupo. Outros talkatives distribuem sua atividade entre dois ou mais grupos. O Gráfico 5 indica como, por exemplo, o usuário “1166124464” concentrou suas mensagens nos grupos “UCRANIZA BRASIL” e “Censura livre! br”, enquanto usuários como o “1116350471” enviaram mais mensagens para o grupo “PROARMAS”.

[Gráfico 5] Distribuição das mensagens por grupo que participa enviadas pelos 5 talkatives mais ativos de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2021

Além de postar massivamente conteúdos, eles também “animam” os grupos: respondem, parabenizam, censuram, curtem outros usuários e conteúdos. A alta frequência dos conteúdos postados costuma vir acompanhada do uso de hashtags, links para outros canais e grupos, com marcações de usuários específicos e pedidos de compartilhamento em outras redes, como WhatsApp. Essas postagens costumam vir acompanhadas, por exemplo, de legendas em caixa alta do tipo: “ATENÇÃO!!!!”, “BOMBA!!”, “ISTO É UM ABSURDO”. Em suma, eles interagem intensamente segundo as múltiplas affordances oferecidas pelo Telegram, “evitando a detecção, promovendo a deflexão [distorção dos conteúdos da superfície] e facilitando a disseminação de mensagens específicas para fora ou em direção ao público-alvo” (Abidin, 2021, p.10).

Nas etapas seguintes da pesquisa, pretendemos aprofundar a análise do comportamento dos talkatives, analisando suas atividades em termos, por exemplo, do tipo de mensagem (texto versus mídia/links), origem da mensagem (se é um encaminhamento ou não) e outros aspectos do modo como engajam com outros usuários. A seguir, nos detalhamos um pouco mais o que compreendemos como a ecologia multiplataforma do Telegram.

4.4. A ecologia multiplataforma do Telegram

Um dos achados mais relevantes da pesquisa foi percebermos o modo como os grupos e canais são cotidianamente atravessados por direcionamentos para outras plataformas. Links para websites e plataformas como Twitter, Facebook, Instagram e Youtube são compartilhados, debatidos e comentados a todo momento. Muitas vezes, o mesmo link aparece em um grande número de grupos ou canais, quase instantaneamente. Em seguida, eles são compartilha- dos novamente em outros chats com audiências menores até que alcançam a totalidade dos mesmos. Tempos depois, alguns desses links podem retornar e ser novamente compartilhados e recomentados e debatidos.

O Gráfico 6 abaixo representa os links para os websites que costumam ser a fonte de informação nos grupos e canais. Neste conjunto, nota-se a baixa presença dos grandes sites jornalísticos do país que, quando são compartilhados, geralmente ocorre por meio de prints de tela. Há, por outro lado, o predomínio dos sites noticiosos como o Jornal da Cidade Online e a Gazeta Brasil, importantes agentes de um ecossistema jornalístico alternativo que mimetiza a estética da imprensa do mainstream enquanto corre em paralelo a ela (Gray, Bounegru e Venturini, 2020).

[Gráfico 6] Top 10 websites mais postados nos chats (grupos e canais) de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2021

A seguir, no Gráfico 7, tentamos mensurar a presença de links para outras plataformas digitais compartilhados nas mensagens coletadas. Três aspectos importantes precisam ser destacados. O primeiro é a presença – embora relativamente pequena em relação aos outros – de 9.344 links para grupos de WhatsApp e que, em uma investigação posterior, poderá servir para esboçar como essas duas plataformas se conectam. Em seguida, nós temos 175.345 links para o próprio Telegram que costumam aparecer em listagens diárias de convites para chats. Além disso, muitas mensagens costumam vir, no corpo do texto, com o endereço do canal e/ou grupo24 de origem para que, ao serem compartilhadas, potencialmente sejam clicadas e tragam novos usuários. Por último, chamou bastante atenção para a forma como o Telegram se relaciona com as plataformas mainstream, especialmente o Youtube. Foram mais de 600.000 links postados no período analisado, sugerindo que o YouTube pode se configurar como o epicentro da produção de conteúdo de extrema-direita no Brasil25.

[Gráfico 7] Links para o ecossistema multiplataforma de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2021

A análise específica dos links do Youtube revelou que os dez vídeos mais compartilhados (cf. Gráfico 8) apresentam algumas das temáticas e de atores políticos e da sociedade civil que mais mobilizaram os usuários dos diferentes grupos e canais. Além disso, o baixo número de repetições de links para o YouTube em comparação com o total compartilhado, indica uma significativa pulverização e efemeridade do conteúdo publicado no YouTube.

[Gráfico 8] Top 10 links para YouTube postados nos chats (grupos e canais) de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2021

A presença massiva de links reforça as observações da literatura (Bhat, 2021; Bryanov et al., 2022; Gunz & Schaller, 2022) de que o Telegram não deve ser compreendido isoladamente, mas em termos da ecologia de mídia mais ampla na qual ele se insere. Essa ecologia inclui, de forma fundamental ainda que contraditória, a sua relação com públicos nas plataformas de superfície, notadamente o YouTube, além de sites noticiosos monetizados pelo Google AdSense e outras formas de financiamento também oferecidas pelas plataformas do mainstream. Na seção seguinte, apresentamos um enquadre conceitual para compreender o funcionamento da ecologia multiplataforma em termos do comportamento dos seus públicos.

5. A emergência dos públicos refratados

Compreendemos os usuários do Telegram nos termos do que a antropóloga de novas mídias Crystal Abidin (2021) chamou de refracted publics, ou públicos refratados. Esses públicos são formados a partir da mediação estratégica de certos usuários, que aprendem sobre o funcionamento das plataformas para manipular suas affordances no sentido de produzir públicos “sob o radar” da internet de superfície. O Telegram seria um espaço profícuo para investimento nesse tipo de público devido principalmente, como vimos, à versatilidade de sua arquitetura e funcionalidades, que vão desde mensagens privadas e criptografadas até canais de broadcasting ilimitados. Permite, assim, conciliar as demandas contraditórias de “proteção e publicidade” encapsuladas no chamado “dilema do terrorista” (Rogers, 2020): garantir a opacidade necessária à proteção contra sanções e regulações, porém mantendo a visibilidade necessária ao recrutamento de novos membros, além da continuidade de monetização via plataformas do mainstream.

No campo interdisciplinar de estudos de novas mídias, noções como as de cryptopublics (Johns, 2020), infrastructural uncanny (Gray, Bounegru & Venturini, 2020) e dark platforms (Zeng & Schäfer, 2021) também têm buscado descrever essas tendências mais recentes da web, que envolvem a formação de camadas opacas dentro e entre as plataformas. Diferente do campo de pesquisa original de Abidin (2021), que privilegia influenciadores-celebridades, essas propostas são mais focadas na compreensão da expansão e consolidação dos ecossistemas de desinformação e de radicalização política. Elas indicam que, longe de serem vistos como anomalias pontuais, esses ecossistemas parecem estar conformando padrões sistêmicos persistentes no atual ambiente de mídia. Há aqui, portanto, uma descontinuidade entre o tipo de preocupação que orientava o campo de estudos das novas mídias nos anos 2000, e as inflexões que ocorreram na esteira do processo de plataformização da web após a crise financeira de 2008 (Helmond, 2015).

Foi neste sentido que Abidin (2021) propôs a noção de públicos refratados como um complemento ao conceito canônico de networked publics (públicos-em-rede) de danah boyd (2010), que havia sido desenvolvido a partir de pesquisas com adolescentes em redes sociais como o MySpace e o Facebook ainda nos anos 2000. Ao invés remeter à relação mais direta entre affordances técnicas e usuários comuns, a proposta de Abidin se baseia em etnografia com influencers em Cingapura e Indonésia e busca dar o devido peso à agência de usuários humanos na formação de públicos que operam “sob o radar” do mainstream. Enquanto os públicos-em-rede das grandes plataformas tendem a seguir operando mais próximos dos padrões descritos porboyd, os públicos refratados são “produtos do seu tempo” (Abidin, 2021): efeitos da expansão e capilarização cada vez maior da lógica da pla- taformização e suas possibilidades crescentes de dataficação, algoritmização e monetização (Gray, Bounegru & Venturini, 2020).

Assim, esses públicos não se formam em se- parado dos públicos dominantes da internet de superfície, mas em relações contraditórias – ao mesmo tempo de contraste e de complementaridade – com estes. Gray, Bounegru e Venturini (2020) propuseram a noção de “estranho-familiar infraestrutural” (infrastructural uncanny) para evidenciar o modo como os ecossistemas da desinformação vicejam mimetizando as formas estéticas e discursivas da grande mídia. Cesarino e Silva (2022) identificaram um padrão semelhante de mimetismo da ciência e da grande mídia nas redes multiplataforma da alt-science que proliferaram no Brasil durante a pandemia da COVID-19, em torno do tratamento precoce e da hesitação vacinal.

Essa ambiguidade está prevista na metáfora que Abidin (2021) utilizou para compor seu conceito, tomada de empréstimo do campo da pesca. Nessa atividade, o espelho d’água ao mesmo tempo dificulta a visibilidade subaquática para os leigos, mas torna-se seletivamente permeável para os pescadores habilidosos que aprendem a “ler” e lidar com o ambiente. Esses públicos são, neste sentido, produto da ação tática de influenciadores que escapam a, ou subvertem os, padrões convencionais de uso das plataformas por meio de “manipulações analógicas ou algorítmicas de visão e acesso” que visam evitar detecção por agentes humanos ou maquínicos indesejáveis. Ao mesmo tempo, promovem estrategicamente desvios (cortinas de fumaça) ou chamarizes (baits ou iscas) de atenção para facilitar a disseminação de mensagens entre seus públicos-alvo. Esses usuários tendem a operar em camadas mais opacas da web, como “grupos privados, plataformas fechadas e conteúdos efêmeros” (p. 3).

A autora detalha as características desse tipo de público a partir de um contraste com os pa- drões anteriormente elencados por boyd (2010). Assim, no lugar da tendência à persistência – sob a forma de registro e arquivamento – dos públicos-em-rede, temos, nos públicos refratados, uma prevalência da efemeridade de postagens e conteúdos. De fato, nos chats analisados observamos o apagamento deliberado, manual ou programado, de conteúdos postados. No grupo “Exército Bolsonaro”, por exemplo, foram realizados 17 apagamentos de milhares de mensagens entre 16 de maio e 24 de dezembro de 2021. A cada apagamento, um bot publica o seguinte texto após o apagamento: “Todas as mensagens do grupo foram apagadas.” Análises preliminares indicam que, dentre os chats ana- lisados, por volta de 1/3 das mensagens coletadas desde 2016 já haviam sido excluídas até o início de 2022.

Outros exemplos incluem a mudança frequente dos títulos e das descrições de grupos e canais, ou mesmo o completo encerramento de grupo com migração para outros recém-criados. Sendo assim, boa parte das postagens são pensadas para consumo no curto prazo, seguindo o ritmo acelerado da temporalidade de crise permanente que caracteriza tanto a lógica da plataformização (Chun, 2016) quanto a política da extrema direita (Fielitz & Marcks, 2019). Isso não significa que os conteúdos se percam para sempre: é frequente a recuperação estratégica de postagens e conteúdos “antigos” que são, ocasionalmente, reciclados nos chats para o reenquadramento de novas pautas ou debates.

O segundo ponto de contraste levantado por Abidin é a “descobertabilidade” (discoverability), no lugar da buscabilidade (searcheability) típica dos públicos-em-rede. Muitos influenciadores e usuários nos públicos refratados de fato procuram contornar a buscabilidade por meio de táticas como voldemorting (Nagel, 2018), em que se evita enunciar de modo literal certos ter- mos substituindo-os por apelidos ou códigos (“picada” ou “inoculado”, ao invés de vacina), trocando caracteres ($TF ao invés de STF), inserindo emojis, ou virando palavras de cabeça pra baixo (o que, nas plataformas com feed algorítmico, também evita a geração de engajamento para o “inimigo”). De fato, embora haja um mecanismo de busca por palavras-chave no Telegram, a descobertabilidade é tão ou mais importante para que os usuários se orientem nesses ecossistemas. A porta de entrada para muitos dos grupos que estudamos se dá, por exemplo, através dos demais, onde são regularmente circulados links de acesso e convites. Conforme vimos no Gráfico 7, o Telegram é a segunda plataforma com maior número de links compartilhados nos chats.

Os públicos refratados privilegiam, portanto, conteúdos que sejam menos “buscáveis” do que “descobríveis”, ou seja, eles “não são conhecíveis até que se cruze com eles” (Abidin, 2021, p. 4). Para que esse tipo de mensagem faça sentido, seu contexto deve ser “conhecível” pelo usuário para que ele “tenha a chance de cruzar com ele” (p. 4). Esse deutero-aprendizado26 em contextos não-mainstream pode ser relevante para o trânsito de usuários entre segmentos de público adjacentes mas não idênticos, que se ligariam menos por uma identidade comum ou conteúdo político no sentido convencional do que por ressonâncias infraestruturais: nos termos de Connolly (2002), “ações micropolíticas que criam ressonâncias entre diversas constituições em níveis múltiplos de existência” (p. 127).

Um exemplo seria a estratégia pioneira de organizações jihadistas de utilizar como isca, em suas estratégias de recrutamento, “termos não-religiosos inócuos” (Arianti & Yasin, 2016). Durante a pandemia, esse trânsito foi observado, por exemplo, na chamada “ferradura” conspiritual27(Ward & Voas, 2011) entre ecossistemas dedicados a bem-estar, saúde e espiritualidade e outros de extremismo político ou conspiratório, em países como Alemanha e Estados Unidos (Gunz & Schaller, 2022). Uma tendência similar também foi observada no estudo de caso sobre os atos de 7 setembro de 2021 (Autor, 2021). Embora sua orientação principal fosse a oposição a instituições reguladoras como o STF, a temática anti-vacina foi a terceira mais observada entre as mensagens postadas na época. Não apenas foram introduzidos conteúdos contrários à obrigatoriedade vacinal, como foram circulados links com acesso a grupos ou páginas especializadas neste tópico (Autor, 2020). Assim, o conteúdo anti-vacina se mostrou amplamente “descobrível” dentro dos grupos de caráter mais explicitamente político28.

Em terceiro lugar, Abidin elenca, no lugar da replicabilidade dos públicos-em-rede, a decodability (decodificabilidade) dos públicos refratados. Não basta que os conteúdos sejam copiáveis; eles devem ser contextualmente compreensíveis e decodificáveis por meio de conhecimento tácito exclusivo aos membros daquele público. No caso estudado, há de fato toda uma lingua- gem interna aos ecossistemas de extrema direita que pode não ser bem compreendida por não membros. Nas mobilizações para os protestos de 7 de setembro, por exemplo, foram recorrentes as menções a imagens que remetiam à ideia de golpe ou insurreição, mas sem explicitar exatamente estes termos. Isso foi notado na análise qualitativa das imagens compartilha-das, nas quais a temática difusa de defesa da liberdade e contra o autoritarismo se sobrepuseram às chamadas explícitas para o fechamento do STF ou para a intervenção militar. As figuras 1 e 2 abaixo apresentam prints de imagens recorrentemente compartilhadas que apresentam estas características, nomeadamente a simbologia de uma onça bebendo água (animal frequen- temente associado ao Exército brasileiro29) e, por outro lado, reflexões sobre a necessidade de se preparar para a guerra.

 

[Figura 1] Imagem id_1453108, captada em 03/07/2021
[Figura 2] Imagem id_117065, captada em 03/07/2021

O caso mais canônico de decodificabilidade são as narrativas conspiratórias, que oferecem enquadres alternativos para a decodificação de eventos e informações vindas dos públicos dominantes. O caso-limite seriam situações do tipo red pilling, que efetuam uma inversão completa do meta-código fato-ficção. É o caso do “escalamento anti-semita” no Telegram analisado por Gunz e Schaller (2022), onde os neona-zistas passam ao lugar de vítima, dos supostos algozes judeus, que resultam em “superconspirações” que articulam múltiplas narrativas menores de modo hierárquico (Barkun, 2013).

[Figuras 3 e 4] prints de um vídeo compartilhado no dia 11/02/2021 em um dos grupos estudados

Finalmente, enquanto boyd (2010) se preocupou com a escalabilidade dos conteúdos postados e com sua circulação para fora dos contextos originalmente pretendidos pelos usuários, nos públicos refratados prevalece a “silosocialidade”:

“a visibilidade intencional de conteúdo é intensamente comunal e localizada. Isso significa que o conteúdo é feito sob medida para subcomunidades específicas e ‘buracos de coelho’ (rabbit-holes) que podem não ser acessíveis ou inteligíveis para forasteiros” (Abidin, 2021, p. 4).

A preferência dos usuários pela segmentação em grupos em torno do mesmo viés de confirmação converge, ainda, com vieses embutidos nas plataformas mainstream, que tendem à algoritmização do tipo homofílica, ou seja, que privilegiam conexão via similaridade (Chun,
2021). No caso da utilização do Telegram pela extrema direita brasileira, a silosociabilidade se manifesta não apenas nas características descritas acima, referentes à restrição do acesso e compreensão do conteúdo a públicos circunscritos, mas também pela vigilância constante, nos grupos e canais de discussão, em relação a “infiltrados” (incluindo pesquisadores). Nas observações realizadas, com exceção do caso do 7 setembro, qualquer dissonância ou crítica em relação a enquadramentos dominantes nesses ambientes é rechaçada e categorizada como proveniente de agentes inimigos, isto é, de fora de seu silo de sociabilidade.

6. O Telegram enquanto dobradiça

O contraste traçado por Abidin (2021) entre as dinâmicas dos públicos refratados e dos públicos-em-rede não apareceu no nosso material enquanto uma substituição dos últimos pelos primeiros. Na verdade, trata-se de uma convivência contraditória entre dois públicos com dinâmicas em larga medida opostas. Assim, nos públicos-em-rede, a preocupação é com a perda de controle sobre o conteúdo diante de audiências potencialmente invisíveis, com o colapso de contextos entre as esferas e papéis sociais, e com a confusão entre público e privado (boyd, 2010). Nos públicos refratados, por outro lado, importa mais o impacto causado por usuários humanos e algoritmos, a alternância estratégica entre público e privado e a manipulação de contextos enquanto armas (weaponization), maximizando assim a sua apropriação por públicos-alvo (Abidin, 2021). Como sugeriram Gray, Bounegru e Venturini (2020), é a relação de mímese e inversão entre os dois tipos de público que potencializa a sua complementaridade funcional.

A análise dos dados também converge com o argumento de Abidin de que usuários-influenciadores têm um papel central na formação estratégica dos públicos refratados. Dentro dos grupos analisados, uma parte significativa dos estímulos cibernéticos vêm dos talkatives. Diferente dos influencers-celebridades de Abidin, contudo, eles não são necessariamente porta-vozes reconhecidos como os detentores dos grupos, mas se inserem como usuários comuns dentro de grandes espaços de discussão. Ou seja, no ambiente refratado, ao contrário dos públicos dominantes, a visibilidade dos influenciadores é também desviada. Uma hipótese neste sentido é que parte da atividade tática de formação e manutenção desses públicos pode estar se dando de forma camuflada. Segundo a definição de Bateson (1972)30, a camuflagem joga estrategicamente com a relação entre ruído e sinal, o que, neste caso, se sobrepõe à visibilidade diferencial entre os dois tipos de público.

Nossa análise indica que o Telegram possui características que fazem dele uma plataforma ideal para a formação desse tipo de público, especialmente pelo seu potencial de articulação com os públicos-em-rede presentes na internet do mainstream. Ele se apresentaria, assim, como uma “dobradiça” entre os dois públicos. Seu caráter híbrido propicia, ao mesmo tempo, affordances de fechamento e de abertura, subterrâneas e de superfície, privacidade e publicidade. Essa duplicidade se refletiu na distinção analítica, notada acima, feita com base na arquitetura do próprio aplicativo, entre grupos e canais: enquanto nos primeiros ocorre um volume maior de troca de mensagens entre usuários, com predomínio de mensagens textuais, há, nestes últimos, mais links para fora da plataforma, como se vê nos Gráficos 1 e 2.

A relação complementar entre as dinâmicas dos públicos refratados e dominantes foi, também, reforçada pelos padrões de comunicação observados. Os influenciadores que fazem a conexão entre os dois públicos tendem a trabalhar com um espectro amplo de enunciados, dos mais radicalizados aos mais moderados. Esse continuum é observado dentro do próprio Telegram. Canais oficiais de figuras públicas, como o do presidente Jair Bolsonaro e políticos aliados, costumam reproduzir conteúdos mais próximos aos seus análogos em plataformas de superfície como o Facebook ou Twitter: realizações do governo, interpretações alternativas e contestações de informações da “grande mídia”, acusações e críticas a inimigos políticos e divulgação de eventos e convocações para mobilizações.

Estas postagens são “complementadas” por chats que operam de modo refratado e que associam as informações veiculadas pelos canais da superfície com outros tipos de mensagens. Em profundidade média – isto é, mais “descobríveis” que “buscáveis”, por exemplo, por meio da alteração dos caracteres no sistema de busca – esses chats de menor porte mesclam fatos com conteúdos conspiratórios e mesmo ilegais de modo cifrado ou codificado. Finalmente, nas camadas mais profundas, onde já não há visibilidade natural, encontram-se os chats secretos, que, além de não aparecerem no sistema de buscas do Telegram, têm as conversações criptografadas entre os pares. Por razões éticas, tais chats não foram incluídos no escopo da nossa coleta de dados, mas é importante registrar sua existência e potencial papel na ecologia da extrema direita brasileira.

7. À guisa de conclusão

O artigo buscou explorar os ecossistemas de extrema direita no Telegram brasileiro a partir de uma perspectiva de métodos mistos através da combinação de métodos computacionais com análises socioantropológicas. Tentou-se compreender a eficácia de públicos que operam na interface entre camadas mais e menos visíveis da web. Sugerimos que o conceito de públicos refratados é uma noção profícua para caracterizar essa topologia dupla: ao mesmo subterrânea e de superfície. Nesta, emergem públicos dominantes da grande mídia e do establishment político – prevalentes nas plataformas do mainstream e na internet de superfície – e camadas menos visíveis e ocultas de usuários e audiências.

Argumentamos, que o Telegram oferece uma série de affordances que o tornam uma boa ferramenta para a formação e manutenção de um microcosmo ecológico fractal entre públicos dominantes e refratados, realizando uma boa “dobradiça” entre ambos. Dentro da plataforma, aconteceriam algumas das práticas que foram atribuídas por Abidin (2021) aos públicos refratados: efemeridade, descobertabilidade, decodi- ficabilidade e a silosocialidade. Neste sentido, os chats Telegram operam tentando maximizar o impacto causado através de uma alternância estratégica entre público e privado mediante a manipulação de contextos enquanto armas.

Como buscamos indicar, os públicos refrata- dos emergem a partir de formas de agência e tomada de decisão, tanto humanas quanto não-humanas, que se desdobram em diferentes es- calas: usuários comuns, talkatives, sistemas algorítmicos e, também, plataformas “sombrias” e do mainstream. Há, deste modo, uma relação complexa observada entre os grupos e canais no Telegram e a plataformas do mainstream, especialmente o YouTube. Essa configuração ambígua gera uma série de paradoxos e dilemas para os aparatos regulatórios atualmente em discussão, que pesquisas mistas como a proposta aqui poderão servir para elucidar.

Referências Bibliográficas

Abidin, C. “From ‘Networked Publics’ to ‘Refracted Publics’: A Companion Framework for Researching ‘Below the Radar’ Studies”. Social Media + Society 7(1): 1–13, 2021. https://doi.org/10.1177/2056305120984458

Abu-Salma, R. et al. The Security Blanket of the Chat World: An Analytic Evaluation and a User Study of Telegram. EuroUSEC ’17, April 29, 2017, Paris, France Copyright 2017 Internet Society, ISBN 1-891562-48-7. http://dx.doi.org/10.14722/eurousec.2017.23006

Akbari, A. & Gabdulhakov, R. “Platform Surveillance and Resistance in Iran and Russia: The Case of Telegram”. Surveillance & Society 17, no 1/2 (31 de março de 2019): 223–31. https://doi.org/10.24908/ss.v17i1/2.12928.

Alkhouri, L. & Kassirer, A. Tech for Jihad: Dissecting Jihadists’ Digital Toolbox. [s.l.] Flashpoint, 2016.

Aradau, C.& Blanke, T. The (Big) Data- security assemblage: knowledge and critique. Big Data & Society, [S.L.], v. 2, n. 2, p. 205395171560906, 9 out. 2015. SAGE Publications. http://dx.doi.org/10.1177/2053951715609066.

Arianti, V. & Yasin, N. A. “Women’s Proactive Roles in Jihadism in Southeast Asia”. Counter Terrorist Trends and Analyses 8, no 5 (2016): 9–15. Artieri, G. B.; Brilli, S. & Zurovac, E. Below the Radar: private groups, locked platforms, and ephemeral content⠴introduction to the special issue. Social Media + Society, [S.L.], v. 7, n. 1, p. 205630512198893, jan. 2021. SAGE Publications. http://dx.doi.org/10.1177/2056305121988930.

Barkun, M. A Culture of Conspiracy: Apocalyptic Visions in Contemporary America. 2nd ed. edição. Berkeley: University of California Press, 2013.

Bezerra, M. Y. P. “Desinformação e pandemia: uma análise de conteúdo jornalístico em canais de extrema direita no Telegram”. Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2022. https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/46018.

Bloom, M.; Tiflati, H. & Horgan, J. Navigating ISIS’s Preferred Platform: Telegram1. Terrorism and Political Violence, v. 31, n. 6, p. 1242–1254, 2 nov. 2019.

Bhat, P.. “Platform Politics: The Emergence of Alternative Social Media in India”. Asia Pacific Media Educator 31, no 2 (2021): 269–76. https://doi.org/10.1177/1326365X211056699.

boyd, d. “Social Network Sites as Networked Publics: Affordances, Dynamics, and Implications”. In Networked Self: Identity, Community, and Culture on Social Network Sites, organizado por Zizi Papacharissi, 39–58. New York: Routledge, 2010.

Bryanov, Kirill; Vasina, D.; Pankova, Y. & Pakholkov, V. “The Other Side of Deplatforming: Right-Wing Telegram in the Wake of Trump’s Twitter Ouster”. In Digital Transformation and Global Society, 417–28. Communications in Computer and Information Science. Cham: Springer International Publishing, 2022. https://doi.org/10.1007/978-3-030-93715-7_30.

Bucher, T. & Helmond A. “The Affordances of Social Media Platforms”. In The SAGE Handbook of Social Media, organizado por Jean Burgess, Alice Marwick, e Thomas Poell. Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 2017.

Cesarino, L. “Antropologia digital não é etnografia: explicação cibernética e transdisciplinaridade”. Civitas – Revista de Ciências Sociais 21, no 2 (2021): 304–15. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2021.2.39872.

Cesarino, L. & Silva, V. H. “Pandemic states of exception and the alt-science of ‘early treatment’ for COVID-19 in Brazil”. Latin American Perspectives, 2022.

Chun, Wendy. Updating to Remain the Same: Habitual New Media. Cambridge, MA: MIT Press, 2016.

Chun, W. Discriminating Data: Correlation, Neighborhoods, and the New Politics of Recognition. Cambridge, MA: The MIT Press, 2021. Connolly, William E. Neuropolitics: Thinking, Culture, Speed. First edition. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 2002.

Desai, T., Ritchie, F., & Welpton, R. (2016). Five Safes: Designing data access for research. “Five Safes: designing data access for research,”. Economics Working Paper Series 20161601, Department of Accounting, Economics and Finance, Bristol Business School, University of the West of England, Bristol.

Ermoshina, K. & Musiani, F. The Telegram ban: How censorship “made in Russia” faces a global Internet. First Monday, 21 abr. 2021.

Fielitz, M. & Marcks, H. “Digital Fascism: Challenges for the Open Society in Times of Social Media”. Working Paper. UC Berkeley Center for Right-Wing Studies, 16 de julho de 2019. https://escholarship.org/uc/item/87w5c5gp.

Gabardo, E.; Lazzarotto, G. & Watzko, N. “Ética pública e parcialidade no combate à corrupção: o caso The Intercept Brasil vs. Operação Lava Jato”. International Journal of Digital Law 2, no 151–198 (3 de novembro de 2021). https://journal.nuped.com.br/index.php/revista/article/view/gabardo2021.

GHAFFARI, M. et al. Using Social Network of TELEGRAM for Education on Continued Breastfeeding and Complementary Feeding of Children among Mothers: a Successful Experience from Iran. International Journal of Pediatrics, v. 5, n. 7, p. 5275–5286, 1 jul. 2017.

Gibson, J. The Ecological Approach to Visual Perception: Classic Edition. New York London: Psychology Press, 2014.

Gray, J.; Bounegru, L. & Venturini, T. ‘Fake news’ as infrastructural uncanny. New Media & Society, [S.L.], v. 22, n. 2, p. 317-341, 20 jan. 2020. SAGE Publications. http://dx.doi.org/10.1177/1461444819856912.

Gunz, H. & Schaller, I. “Antisemitic Narratives on YouTube and Telegram as Part of Conspiracy Beliefs about COVID-19”. In Antisemitism on Social Media, organizado por Monika Hübscher e Sabina von Mering. New York: Routledge, 2022.

Helmond, Anne. “The Platformization of the Web: Making Web Data Platform Ready”. Social Media + Society 1, no 2 (2015): 1–11. https://doi.org/10.1177/2056305115603080.

Hoseini, M.; Melo, P.; Benevenuto F.; Feldmann, A. & Zannettou, S. “On the Globalization of the QAnon Conspiracy Theory Through Telegram”. arXiv:2105.13020 [cs], 27 de maio de 2021. http://arxiv.org/abs/2105.13020.

Innes, H. & Innes, M. “De-platforming disinformation: conspiracy theories and their control”. Information, Communication & Society Online First (28 de outubro de 2021): 1–19. https://doi.org/10.1080/1369118X.2021.1994631.

Johns, A. “‘This Will Be the WhatsApp Election’: Crypto-Publics and Digital Citizenship in Malaysia’s GE14 Election”. First Monday 25, no 12 (5 de janeiro de 2020). https://doi.org/10.5210/fm.v25i12.10381.

Júnior, M.; Melo P.; Couto da Silva, A. P.; Benevenuto F. & Almeida, J. “Towards Understanding the Use of Telegram by Political Groups in Brazil”. In Anais do Simpósio Brasileiro de Sistemas Multimídia e Web (WebMedia), 237–44. SBC, 2021. https://sol.sbc.org.br/index.php/webmedia/article/view/17496.

Kalil, I. et al. Quem São e No Que Acreditam os Eleitores de Jair Bolsonaro. Relatório de Pesquisa. São Paulo: Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, 2018.

Knuutila, A.; Herasimenka, A.; Bright, J.; Nielsen, R. & Howard, P. N.. “Junk News Distribution on Telegram: The Visibility of English-Language News Sources on Public Telegram Channels”. COMPROP Data Memo, 5, 20 de julho de 2020.

Loucaides, D. “How Telegram Became the Anti-Facebook”. Wired Magazine, 8 de fevereiro de 2022. https://www.wired.com/story/how-telegram-became-anti-facebook/.

Organização Mundial de Saúde. Managing the COVID-19 infodemic: Promoting healthy behaviours and mitigating the harm from misinformation and disinformation. Dipsonível em: https://www.who.int/news/item/23-09-2020-managing-the-covid-19-infodemic-promoting-healthy-behaviours-and-mitigating-the-harm-from-misinformation-and-disinformation. Acessado em 10 de março de 2022.

Magdy, S. A safe space for terrorists. British Journalism Review, v. 27, n. 4, p. 23–28, 1 dez. 2016. Malini, Fábio. “Um método perspectivsta de análise de redes sociais: cartografando topologias e temporalidades em rede”. Trabalho apresentado no XXV Encontro Anual da Compós. Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 de junho de 2016.

Maevskaya, M. Anonymous “channels” of the Telegram messenger: features of speech behavior. Международный научно исследовательский журнал, n. 5– 1 (59), p. 148–151, 2017.

Nagel, Emily van der (2018). “Networks that work too well”: Intervening in algorithmic connections. Media International Australia, 168(1), 81–92. Nascimento, L.; Cesarino, L. & Fonseca, P. “‘Quando se está morrendo afogado, até jacaré é tronco para se agarrar’* : cloroquina e médicos em grupos de direita do Telegram – http://lavits.org/”.Lavits_Covid19_#22 (blog), 27 de outubro de 2020. https://lavits.org/lavits_covid19_22-quando-se-esta-morrendo-afogado-ate-jacare-e-tronco-para-se-agarrar1-cloroquina-e-medicos-em-grupos-de-direita-do-telegram/?lang=pt.

NASCIMENTO, L. F. et al. Poder oracular e ecossistemas digitais de comunicação:: a produção de zonas de ignorância durante a pandemia de Covid-19 no Brasil. Fronteiras – estudos midiáticos, v. 23, n. 2, p. 190–206, 14 set. 2021.

Rogers, R. “Deplatforming: Following Extreme Internet Celebrities to Telegram and Alternative Social Media”. European Journal of Communication 35, no 3 (2020): 213–29. https://doi.org/10.1177/0267323120922066.

Salganik, M. J. (2018). Bit by bit: Social research in the digital age. Princeton: Princeton University Press.

Semenzin, S. & Bainotti, L. “The Use of Telegram for Non-Consensual Dissemination of Intimate Images: Gendered Affordances and the Construction of Masculinities”. Social Media + Society 6, no 4 (1o de outubro de 2020): 2056305120984453. https://doi.org/10.1177/2056305120984453.

Topinka, R.; Finlayson, A. & Osborne-Carey, Cassian. The Trap of Tracking: digital methods, surveillance, and the far right. Surveillance & Society, [S.L.], v. 19, n. 3, p. 384-388, 21 set. 2021. Queen’s University Library. http://dx.doi.org/10.24908/ss.v19i3.15018.

Urman, A. & Katz, S. “What they do in the shadows: examining the far-right networks on Telegram”. Information, Communication & Society Online First (20 de agosto de 2020): 1–20. https://doi.org/10.1080/1369118X.2020.1803946.

Walther, S. & McCoy, A. “US Extremism on Telegram: Fueling Disinformation, Conspiracy Theories, and Accelerationism”. Perspectives on
Terrorism 15, no 2 (2021): 100–124. Ward, C. & Voas, D. “The Emergence of Conspirituality”. Journal of Contemporary Religion 26, no 1 (2011): 103–21. https://doi.org/10.1080/13537903.2011.539846.

Wijermars, M. “Selling internet control: the framing of the Russian ban of messaging app Telegram”. Information, Communication & Society Online First, no 0 (31 de maio de 2021): 1–17. https://doi.org/10.1080/1369118X.2021.1933562.

Zeng, J. & Schäfer, M. S. “Conceptualizing ‘Dark Platforms’. Covid-19-Related Conspiracy Theories on 8kun and Gab”. Digital Journalism 9, no 9 ( 2021): 1321– 43. https://doi.org/10.1080/21670811.2021.1938165.

Zoonen, L. van. “I-Pistemology: Changing truth claims in popular and political culture”. European Journal of Communication 27, no 1 (2012): 56–67.

Leonardo F. Nascimento leofn@ufba.br

Cientista Social Computacional

Letícia Cesarino leticia.cesarino@gmail.com

Doutora em Antropologia

Paulo Fonseca pfonseca@ufba.br

Doutor em Sociologia

Tarssio Barreto tarssioesa@gmail.com

Cientista de Dados da Bit Analytics

Vítor Mussa vtrmussa@gmail.com

Engenheiro de dados, mestrando em Sociologia e Antropologia